sábado, 23 de fevereiro de 2019

Empresa de assessor é investigada como elo entre ministro e laranjas

Firma concentrou trabalhos para Álvaro Antônio e candidatas de fachada do PSL; atual titular do Turismo nega ter feito indicação

Camila Mattoso, Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

BELO HORIZONTE E BRASÍLIA - O Ministério Público em Minas Gerais investiga a contratação de uma empresa durante a eleição como o principal elo entre o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), e o esquema de candidaturas de laranjas do PSL no estado.

Aberta em 2013, uma empresa de serviços de internet e marketing direto teve Álvaro Antônio como principal cliente até 2018 por meio de verba da Câmara dos Deputados.

Mateus Von Rondon, dono da empresa, virou assessor especial do ministro no governo Jair Bolsonaro em 23 de janeiro de 2019, dois dias depois de ter encerrado as atividades do negócio na Receita Federal.

A mesma empresa aparece na prestação eleitoral de contas de quatro candidatas a deputada estadual e federal usadas como laranjas pelo PSL de Minas, partido comandado à época por Marcelo Álvaro Antônio, então deputado e candidato à reeleição.

O esquema foi revelado pela Folha no dia 4 de fevereiro.

Ao todo, Lilian Bernardino, Naftali Tamar, Debora Gomes e Camila Fernandes, candidatas do Vale do Aço e de Curvelo, no interior de MG, declaram ter pago R$ 32 mil à empresa de Von Rondon, que tem Belo Horizonte como sede.

Os investigadores querem elementos para provar que as candidaturas não foram para valer para, depois, fazer a vinculação de Álvaro Antônio com esse esquema. A relação muito próxima entre Von Rondon e o ministro foi um dos pontos que mais chamaram a atenção do Ministério Público até o momento.

O fechamento da firma ao fim da eleição é outro elemento que causou estranheza, já que dá indícios de que ela só existia para um único cliente.

A Folha publicou reportagem mostrando que o PSL de Minas, sob o comando de Marcelo Álvaro Antônio, direcionou uma alta quantia de verba pública às quatro candidatas, que somaram uma votação de apenas cerca de 2.000 votos.

Sem registro de terem feito campanha efetiva, elas declararam gastos de parte desse valor em empresas ligadas a assessores, ex-assessores e parentes de ex-assessores do hoje ministro —entre eles a empresa de Von Rondon.

Nas notas fiscais que o assessor do ministro apresentou à Câmara dos Deputados de 2015 a 2018 há uma descrição quase similar dos serviços: em resumo, gestão de redes sociais. No total, foram repassados R$ 193 mil no período.

"Gestão de mídias sociais e criação de conteúdo para divulgação de atividade parlamentar, interação e atendimento ao eleitor em mídias sociais, desenvolvimento e manutenção do sítio eletrônico www.marceloalvaroantonio.com.br", descreve nota de fevereiro de 2018, com valor cobrado dos cofres da câmara de R$ 9.000 naquele mês.

O Ministério Público começou na semana passada a investigação sobre o caso. O promotor Fernando Ferreira Abreu afirmou que não vai ouvir Álvaro Antônio agora, mas não descarta chamá-lo a depor no decorrer da apuração.

Procurado pela Folha, Von Rondon disse que criou a empresa para "prestar serviços de marketing digital" e que, além do ministro, atendeu "outros clientes das esferas pública e privada em contratos pontuais ou continuados, como no caso do então deputado".

Sobre as quatro candidatas, disse que ofereceu seus serviços "durante a convenção partidária e no decorrer da campanha" e que "o serviço prestado foi de planejamento de comunicação e elaboração dos materiais de campanha".

Von Rondon ainda afirmou que encerrou a empresa "para assumir função comissionada no governo federal como determina a lei".

Segundo a atual legislação, servidores, comissionados ou efetivos podem até ser sócios majoritários, mas não podem ter poder de gestão.

Ele não respondeu, porém, à pergunta se ele trabalhou para o ministro durante a campanha. Não há registro na prestação de contas. No Facebook de Von Rondon, porém, há várias postagens e vídeos durante a campanha de material político de Álvaro Antônio.

Além das quatro candidatas laranjas, só mais um candidato usou a empresa na eleição.

O ministro do Turismo tem negado sua participação no esquema de laranjas.

À Folha a ex-candidata Debora Gomes disse que conheceu o assessor de Marcelo durante a campanha, mas não soube explicar qual serviço ele teria lhe prestado.

As outras candidatas não atenderam a reportagem.

A Polícia Federal decidiu nesta sexta-feira (22) investigar o esquema de candidatas laranjas do PSL de Minas. O promotor Fernando Ferreira Abreu se reuniu com delegados federais para pedir parceria na apuração do caso.

O objetivo é que a PF ajude os promotores na busca de mais provas. Abreu pretende enviar à PF até quarta (27) os termos de depoimentos de pelo menos sete pessoas envolvidas —as oitivas estão marcadas até terça-feira (26).

De posse desses documentos, a PF vai abrir um inquérito. Paralelamente à conversa com o Ministério Público, a PF também recebeu uma representação da aposentada Cleuzenir Barbosa, candidata que diz ter se recusado a entrar no esquema dos laranjas.

O ministro do Turismo afirmou, por meio de sua assessoria, que não indicou Von Rondon para nenhum candidato e que o conheceu durante sua atividade parlamentar na Câmara de Belo Horizonte.

"Na Câmara dos Deputados, o profissional prestou serviços de elaboração de conteúdo de divulgação da atividade parlamentar, bem como gestão de suas redes sociais. O ministro não indicou este ou qualquer outro prestador de serviço para nenhum candidato", disse.

Sob pressão, o ministro Álvaro Antônio recorreu ao foro especial quando soube da investigação no Ministério Público e pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que a investigação passe a tramitar perante a corte.

A defesa do ministro quer que, até que o Supremo decida sobre a prerrogativa de foro, a apuração em Minas seja suspensa. Durante a campanha, Álvaro Antônio exaltava nas redes sociais ter apoiado projeto que estabelece o fim do foro privilegiado.

CRONOLOGIA DA ATUAÇÃO DA EMPRESA
nov.2013
Aberta a empresa Mateus Von Rondon Martins, com sede em Belo Horizonte

de 2015 a 2018
A título de divulgação do mandato parlamentar, a empresa recebe do gabinete de Marcelo Álvaro Antônio o valor de R$ 193 mil. As notas fiscais apresentadas pela empresa têm numeração bem próxima, o que indica que ela tem relação quase que exclusiva com o gabinete do parlamentar

campanha de 2018
Empresa aparece na prestação de contas de cinco candidatos de Minas Gerais, quatro deles candidatas a deputada estadual e federal com fortes indícios de terem sido laranjas do PSL, partido comandado à época por Marcelo Álvaro Antônio

Os valores declarados pelas candidatas de MG para a empresa
R$ 11 mil
Lilian Bernardino
R$ 9 mil
Naftali Tamar
R$ 7,6 mil
Debora Gomes
R$ 4,9 mil
Camila Fernandes

jan.2019
Martins vira assessor especial do ministro do Turismo. Receita Federal registra o encerramento das atividades da empresa em 21 de janeiro

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