- Valor Econômico
Qual é a proximidade dos Bolsonaro com os acusados dos crimes?
O desolador desastre ambiental no Nordeste - que os governadores da região nominam de crime - já oferecera elementos suficientes para esgarçar a imagem do governo federal, seja pelo imobilismo, seja pela falta de ação coordenada para uma reação urgente ou pelo flagrante desinteresse político em tratar o fato com a seriedade e a maturidade que exige. Mas além dos dois meses de óleo derramado e de 2,5 mil quilômetros de costa litorânea contaminada, o Executivo Federal voltou a lidar com outra mancha tão viscosa e densa como o petróleo cru que se alastra: as milícias cariocas.
Em 17 de setembro deste ano, a então procuradora-geral Raquel Dodge, em seu último dia no cargo, enviou um pedido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que fosse aberto novo inquérito para apurar os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Dodge denunciou o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão, por suposto envolvimento no assassinato e por desvirtuamento das investigações em curso, o que explicaria a necessidade de abertura de novos inquéritos. Trata-se de um IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), ou, em outras palavras, um pedido de transferência da competência de investigação de uma esfera judicial a outra. O que a PGR solicitou ao STJ foi a federalização das investigações para que autoridades locais - leia-se polícia, Legislativo e Judiciário do Rio - não possam interferir na delicada apuração desses homicídios. Esse IDC do caso Marielle tramita no STJ em segredo de justiça e a relatora Laurita Vaz é da Terceira Seção. Cabe, a ela, pedir informações sobre o processo e definir seu voto. Finalizada essa etapa, a relatora submeterá o voto aos colegas da Terceira Seção.
Nas horas seguintes à revelação do “Jornal Nacional”, na noite de terça-feira, sobre depoimentos do porteiro do condomínio em que morava o presidente Jair Bolsonaro, parlamentares do Congresso já faziam cálculos de ação política. O porteiro citou que Élcio Queiroz, ex-militar acusado de matar Marielle e Anderson, preso desde março, entrou no condomínio horas antes do crime. Em depoimento, o porteiro disse que Élcio teria pedido para ir até a casa de número 58, de Bolsonaro. No entanto, teria se dirigido, de fato, à casa de Ronnie Lessa, o outro acusado pelos homicídios da vereadora e do motorista.
Seria extrema leviandade fazer qualquer insinuação sobre um suposto envolvimento de Bolsonaro com a morte de Marielle, e parlamentares experientes reagiram com grande cautela diante do fato. Bolsonaro nem sequer estava no condomínio no dia, é fato. Já pela manhã havia uma avaliação política de grupos ponderados de que, no Supremo Tribunal Federal, nenhuma investigação prosperaria, ainda que, de fato, esbarrasse no presidente. Enxergava-se no novo procurador-geral da República, Augusto Aras, um anteparo.
O filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, morador do mesmo condomínio, apressou-se para acessar o sistema de áudios da cabine de controle de acesso da portaria com as casas do condomínio e mostrou que não havia registro nenhum de que o porteiro tivesse interfonado à casa de Bolsonaro. Mas há, sim, um registro de chamada para a casa de Ronnie Lessa.
O que as revelações apontam até aqui é que Élcio e Ronnie estiveram juntos no condomínio, horas antes do crime, e teriam saído de lá também juntos. Tudo, obviamente, terá que ser investigado com rigor, em especial as circunstâncias do depoimento do porteiro, que, segundo afirmou ontem a promotora Simone Sibilio, do Ministério Público do Rio, teria mentido. Nas planilhas preenchidas à mão pelo porteiro, para controlar as entrada, há o registro com pedido de Élcio Queiroz para ir até a casa 58. Foi enfurecida e com promessa de vingança a reação do presidente Bolsonaro e de sua “entourage”.
Ainda que os decibéis de agressividade e deselegância sejam compreensíveis aos que se julgam injustiçados, há lacunas na história que os Bolsonaro não querem explicar: qual é, de fato, a proximidade da família com os personagens acusados de assassinar Marielle e Anderson? A federalização das investigações, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, como pediu Dodge, talvez seja o único caminho, necessário, para elucidar esse crime bárbaro e as manchas que surgem no caminho do presidente.
Falta de ação
Sobra à Marinha e ao Ministério da Defesa a seriedade ausente nas ações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para tratar do desastre ambiental no Nordeste. O comandante da Marinha, Ilques Barbosa Júnior, disse ontem que é antiético e ilação perigosa responsabilizar o governo venezuelano pelo vazamento de óleo no litoral. Adepto das conspirações bolsonaristas, Salles tem atuação crítica e lamentável nesta crise. A consequência pode ser a abertura da CPI do Vazamento de Óleo no Câmara, contida até agora por ação do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Os nove Estados do Nordeste informaram que já retiraram 5 mil toneladas de óleo das praias ou do mar. Os dados da União apontam para pouco mais de 1 mil toneladas. Na terça-feira, dirigentes estaduais de meio ambiente, integrantes de sociedade civil e ONGs, pesquisadores acadêmicos e Ministério Público Federal debateram em ampla reunião os impactos da crise ambiental.
Os governos estaduais consideram que “um crime ambiental sem precendentes” não está sendo combatido e mitigado de forma adequada pelo governo federal e seus órgãos competentes”. O Consórcio do Nordeste cobra que seja colocado em operação, imediatamente, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por óleo. Até o momento, alegam as autoridades locais, esse plano não foi totalmente efetivado. “Isso só se dará de forma concreta se o governo federal se dispuser a uma gestão integrada da crise com total transparência nos dados e ações, inclusive com apoio da Marinha Brasileira, universidades e demais pesquisadores para a definição de metodologia para identificação da origem do óleo e efetivo monitoramento dos impactos a longo prazo”, diz nota divulgada pelos Estados.
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