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Aposta no quanto pior, melhor
Sabe Deus o que se passa na cabeça do presidente Jair Bolsonaro. Ou nem Deus sabe, talvez só o dono da cabeça. No último sábado, autorizado por Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, apareceu na televisão e disse que o isolamento social deve ser mantido enquanto não passar a pior fase da pandemia.
Ontem, menos de 12 horas depois, Bolsonaro desfilou por galerias e ruas de Taguatinha, Ceilândia e Sobradinho, cidades do entorno de Brasília, atraiu gente, posou para fotos com seus admiradores e até com crianças, apertou mãos, e anunciou que cogita de um decreto mandando todo mundo trabalhar.
Que ordem valerá? A dada por Mandetta? Ou a que Bolsonaro poderá tomar? Qual será a reação das pessoas país a fora? Se o presidente volta a circular e diz que o coronavírus não é tão feio como parece, é razoável que muitos acreditem nele. E que o imitem. Consequências? Mais infectados, mais aspirantes à morte.
É fato que de 10 dias para cá, os brasileiros vem tapando os ouvidos ao que ele diz. No fim de semana dos dias 14 e 15, as praias do Rio, a Avenida Paulista e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, estiveram atulhadas de gente. Foi no dia 15 que Bolsonaro recepcionou seus devotos à entrada do Palácio do Planalto.
De lá para cá, na contramão dos seus equivalentes no resto do mundo, Bolsonaro tornou-se um grave problema sanitário para o país. Chefes de Estado, que a princípio vacilaram diante de um inimigo desconhecido contra o qual carecem de armas, aos poucos foram se ajustando à realidade. Até Donald Trump.
Sem essa de que o tempo foi curto para perceberem o que estava por vir. No dia 31 de dezembro último, jornais chineses publicaram que um novo tipo de pneumonia fora identificado em Wuan, a sétima cidade mais populosa daquele país, com cerca de 11 milhões de habitantes. O avanço da doença foi rápido.
Dali a 17 dias, o governo chinês informava que o vírus já contaminara 62 pessoas, matando duas. No dia 19 de janeiro, o número de casos de infecção saltara para 198, com quatro mortes. Um jornal francês publicou que havia cerca de 1.7 mil pessoas na China com sintomas da doença, e duas na Tailândia.
No dia 20 de janeiro, 291 chineses contaminados e seis mortos. Três dias depois, os moradores de Wuan acordaram com o comunicado de que ninguém sairia mais da cidade nem entraria. Confinamento geral e obrigatório. Exército nas ruas. Médicos de prontidão. Só funcionariam os serviços essenciais.
Aqui, estávamos a um mês do carnaval, esquentando os tamborins, lubrificando as engrenagens dos trios elétricos e costurando as últimas fantasias. Os sambas-enredo, escolhidos há três meses, eram cantados por dançarinos e torcidas. Bolsonaro já aprontava. Dava bananas para a imprensa. Mas quem ligava? Evoé, Momo!
Apronta desde o primeiro dia no cargo. Seu discurso de posse contém todas as sementes do ódio que germinava dentro dele e dos filhos e que ele desejava inocular na maior quantidade possível de brasileiros para garantir sua reeleição em 2022. Ele, agora, luta para que não se disperse o núcleo mais resistente do seu bloco.
Daqui para frente, como será? Bolsonaro dobrará sua aposta, triplicará, com a esperança de que o coronavírus mate menos brasileiros do que indicam os cálculos do Ministério da Saúde e os estudos de duas universidades britânicas. O sistema de saúde do país poderá entrar em colapso em meados de abril.
A melhor arma de combate ao coronavírus é testar, testar, testar o maior número de pessoas. Foi o que aconselhou há algum tempo a Organização Mundial de Saúde. Mandetta discordou. Na semana passada, cedeu e anunciou a compra de 22 milhões de kits de teste que levarão dias para estarem disponíveis.
“Todos nós morreremos um dia”, saliva Bolsonaro. Ele que morra se quiser – os outros, não.
No esforço de guerra contra o coronavírus faltam os militares
E as Forças Armadas, hein? Onde estão no momento em que o país se arma com atraso para sobreviver à primeira grande onda do coronavírus? O poderoso Pentágono, sede em Washington, do Estado de Defesa norte-americano, trabalha com a hipótese de que o mundo será atingido por três ondas a intervalos regulares.
Os militares estão sendo vistos nas principais cidades dos países mais devastados pela pandemia. Patrulham ruas, aplicam as ordens de confinamento, transportam caixões com mortos. Espera-se que por aqui nada disso seja necessário. Mas quem garante? E enquanto não se souber, o que eles poderiam fazer?
Não poderiam estar sendo empregados em ações de prevenção à doença – como? Eles sabem como. Falta uma ordem do alto? Do ministro da Defesa? Ele espera uma ordem mais do alto? Do presidente Jair Bolsonaro? Mas esse não parece interessado em dar. Do ministro da Saúde? Ele não dá ordens aos militares.
Em sua recente, moderada e neutra ordem do dia, o comandante do Exército elogiou médicos e enfermeiras aos quais chamou de guerreiros da linha de frente no combate ao coronavírus. Os militares não poderiam formar linhas de trás? Eles são bem treinados para agir em situações ainda piores.
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