domingo, 19 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Recessão no radar

Folha de S. Paulo

Juro sobe pelo mundo para deter preços; no Brasil, risco fiscal agrava o quadro

Com a inflação nas alturas em quase todo o mundo, os juros globais sobem em velocidade não vista em pelo menos três décadas. Em poucos dias, alguns dos principais bancos centrais elevaram agressivamente o custo do dinheiro, num sinal de que a era de taxas perto de zero nos países desenvolvidos pode de fato ter ficado para trás.

O americano Federal Reserve lidera o movimento. Pressionado pela aceleração dos preços nos Estados Unidos, que chegou a 8,6% em 12 meses, a instituição decidiu elevar a taxa básica de 1% para 1,75% ao ano, o maior salto em apenas uma reunião desde 1994.

Não se trata de um evento único. Ao contrário, os membros do Fed indicaram que pretendem continuar a subir os juros de modo contundente, para até 4% no primeiro semestre de 2023. A pressa decorre da percepção de que o descontrole inflacionário, se persistente, acabará por contaminar expectativas de longo prazo e salários.

Nesse caso, haveria maior inércia no processo de formação de preços, um fenômeno bastante conhecido no Brasil que eleva o custo de trazer os índices de volta às metas oficiais. O risco de uma recessão cresce em tal cenário.

Outras autoridades monetárias seguem o mesmo caminho. Até mesmo nos países em que a inflação era quase uma desconhecida, casos da Suíça e do Japão, os juros disparam no mercado.

Apesar de o Fed sugerir que ainda espera estabilizar a moeda sem uma recessão, a crença de investidores e analistas nessa possibilidade é cada vez menor.

A queda aguda das Bolsas de Valores e o aumento do juro pago por famílias e empresas para se financiarem desde o início do ano já contrata uma significativa desaceleração da economia mais à frente, e a distância para uma contração pode não ser tão grande.

Foi nesse ambiente dramático que o Banco Central brasileiro decidiu por elevar mais uma vez a taxa Selic, de 12,75% para 13,25% ao ano. Tal como no exterior, a inflação continua a desafiar prognósticos de queda, mas ao menos aqui o ciclo monetário está mais adiantado e o nível atual já é restritivo.

Apesar de surpresas positivas nos últimos meses que indicam uma expansão do Produto Interno Bruto próxima a 2% neste ano, o prognóstico para o segundo semestre e o ano que vem é de piora.
Daí o BC ter indicado cautela adiante, ao mencionar a continuidade do movimento, embora em velocidade provavelmente menor.

Mesmo assim, houve menção aos riscos locais, notadamente os relacionados às iniciativas eleitoreiras para cortar custos de combustíveis ao custo de maior dívida pública. Diante do quadro global, não cabe flertar mais com o perigo.

Rede companheira

Folha de S. Paulo

'Brigadas digitais' da CUT, ligada ao PT, requerem cuidado da Justiça Eleitoral

Merece atenção das autoridades a iniciativa da Central Única dos Trabalhadores de organizar uma rede de apoiadores para aumentar seu alcance nas redes sociais na campanha eleitoral deste ano.

Como a entidade sindical anunciou, serão criadas "brigadas digitais", com a missão de disseminar conteúdos produzidos por sua área de comunicação em grupos de mensagens no WhatsApp.

Historicamente ligada ao PT, a central afirma não ter intenção de usar a ferramenta para pedir votos ou distribuir propaganda eleitoral, o que seria ilegal, e diz prezar sua autonomia ante os partidos.

Mas dirigentes da CUT não fazem mistério sobre sua motivação em eventos organizados para expor o plano, que foi apresentado em abril ao próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), num encontro na sede da entidade.

A central contratou agências especializadas em comunicação digital para organizar suas brigadas e diz que nada será feito em desacordo com a legislação eleitoral. Afirma que sua prioridade será combater a desinformação nas redes sociais, distribuindo notícias de veracidade comprovada para combater a propagação de falsidades.

Ainda que se aceitem os bons propósitos, restará sempre a dúvida sobre a capacidade que os sindicalistas terão de separar verdades e mentiras do que muitas vezes é apenas propaganda disfarçada.

A legislação brasileira proíbe empresas e sindicatos de financiar campanhas eleitorais, numa tentativa de inibir a influência de seu poder econômico na disputa política e assegurar que os pleitos sejam competitivos.

Na reta final das eleições presidenciais de 2018, empresários que apoiavam Jair Bolsonaro financiaram uma operação que usou o WhatsApp para disparar em massa mensagens contrárias a seus adversários, como esta Folha revelou.

Em julgamento realizado no ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu que um esquema ilícito tinha sido organizado para tal, mas considerou as provas reunidas insuficientes para cassação da chapa do presidente.

Ainda assim, a corte apontou os riscos criados por ferramentas como o WhatsApp para o processo eleitoral e definiu critérios para avaliar a gravidade de abusos que vierem a ser praticados neste ano.

A capacidade de conter a desinformação nas eleições está por ser testada. Iniciativas como a da CUT indicam o tamanho do desafio.

Na OMC, o Brasil fica do lado certo

O Estado de S. Paulo

Ao contrário de muitas potências, o País adota na OMC atitude que combina a defesa do livre-comércio global, da segurança alimentar e da sustentabilidade

O Brasil se tornou signatário das Discussões de Comércio e Sustentabilidade Ambiental, iniciativa da Organização Mundial do Comércio (OMC), comprometendo-se a uma série de práticas sustentáveis no plantio. Durante a 12.ª Conferência Ministerial da OMC, o País se uniu a outras 15 nações latino-americanas em um compromisso por reformas do comércio agrícola contra posições protecionistas. Num momento particularmente crítico para o livre-comércio global e a principal organização destinada a promovê-lo, o Brasil felizmente parece ter escolhido o lado certo nesse conflito.

Desde sua criação, em 1995, a OMC tem derrubado barreiras e aplainado o caminho para a globalização. Os volumes do comércio global quase dobraram e a média das tarifas globais caiu para 9%. Bilhões de pessoas foram inseridas na economia global e, assim, alçadas da pobreza.

As dissonâncias nesta “hiperglobalização” começaram com Donald Trump e suas guerras comerciais contra a China e disputas tarifárias com a Europa. A pandemia precipitou uma queda aguda no comércio global. Agora, a guerra de Vladimir Putin exacerba tendências protecionistas. 

O economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, alertou para a fragmentação entre “distintos blocos econômicos com diferentes ideologias, sistemas políticos, padrões de tecnologia, pagamentos e sistemas de comércio transfronteiriços e reservas monetárias”. A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, falou em “policrise”.

A amplitude da pauta da Conferência – sustentabilidade agrícola, subsídios à pesca, segurança alimentar, equidade nas vacinas, governança da OMC – refletiu o tamanho do desafio. Mas os avanços modestos mostram quão difícil será superá-lo.

Nos EUA, o Partido Democrata, agora no poder, mantém as tendências isolacionistas do republicano Trump, advoga mais subsídios à indústria e sustenta a recusa a restabelecer um dos pilares da OMC: o painel de resolução de disputas.

Os maiores entraves à globalização entre os países em desenvolvimento vêm precisamente de alguns dos que mais enriqueceram com ela. Sob Xi Jinping, a China distribui mais subsídios e créditos baratos às suas empresas e a economia de serviços permanece fechada. A Índia insiste em manter privilégios reservados a países pobres e na prerrogativa de comprar grãos de seus fazendeiros a preços majorados, estocá-los e impor barreiras à exportação.

Nesse contexto de fragmentação das alianças multilaterais, políticas isolacionistas e uma eventual “desglobalização”, os posicionamentos do Brasil são louváveis.

No setor agrícola, em especial, preços subsidiados e restrições alfandegárias têm crescido no mundo. Ao prejudicar a alocação eficaz de recursos domésticos, debilitar a oferta de alimentos de regiões superavitárias para as deficitárias e contribuir para a volatilidade dos preços, essas políticas impactam a segurança alimentar global.

No Brasil, a tendência é inversa. Os subsídios são baixos e vêm caindo. Os que existem focam cada vez mais nos produtores vulneráveis ou em pesquisa e desenvolvimento e estão condicionados a indicadores ambientais e boas práticas agropecuárias. Num ambiente global de políticas agrícolas altamente distorcidas, o agro brasileiro prova que é possível ser, a um tempo, produtivo e sustentável sem prejuízo aos princípios do livre mercado.

Às vésperas da Conferência da OMC, a Câmara de Comércio dos EUA e a Confederação de Negócios Europeia emitiram um comunicado afirmando que o seu “objetivo primário” deveria ser “reafirmar o multilateralismo e um comércio baseado em regras como o caminho preferencial para impulsionar o crescimento econômico global” e exortando a OMC a “demonstrar que pode responder aos desafios mais prementes de nosso tempo, particularmente a saúde, as mudanças climáticas e a segurança alimentar”. Por mais debilitado que o Brasil esteja na cena internacional por causa da indigência diplomática de seu presidente, ao menos nessa ocasião o País se mostrou mais à altura desses desafios do que muitas potências do mundo desenvolvido e em desenvolvimento.

Os endividados e o desarranjo econômico

O Estado de S. Paulo

Em meio a inflação e desemprego, o endividamento atingiu, em maio, 77,4% das famílias, um dos aspectos mais dramáticos de uma política econômica errática

Mais dívidas e mais pagamentos atrasados complicam a vida já difícil das famílias brasileiras, num ambiente de alto desemprego e perda de renda. Sem perspectiva de rápido recuo da inflação e de atividade mais vigorosa, a inadimplência deve continuar elevada, enquanto se espera a definição mais clara de um rumo para a economia. Essa definição deve incluir um compromisso mais confiável de boa condução das contas oficiais e de contenção da dívida pública. Enquanto se esperam essas mudanças, permanecem as condições favoráveis à multiplicação do “devedor crônico”, sempre em dificuldade, mesmo quando consegue resolver ou equacionar um problema financeiro.

A tendência de piora é evidente, mesmo com alguma oscilação dos indicadores. Em maio, 77,4% das famílias estavam endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Houve recuo de 0,3 ponto porcentual em relação ao número de abril, com aumento de 9,4 pontos sobre o nível de maio do ano anterior (68%). Em maio de 2019, no início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, as famílias endividadas eram 63,4%. Nesse intervalo de três anos, a parcela das inadimplentes cresceu de 24,1% para 28,7%.

No mesmo período, o comprometimento médio da renda familiar com dívidas passou de 29,3% para 30,4%. A parcela das famílias autodeclaradas sem condição de pagar aumentou de 9,5% em maio de 2019 para 10,6% em 2020 e a partir daí pouco variou, atingindo 10,8% em maio deste ano.

O agravamento da maior parte dos indicadores de endividamento, nos últimos três anos, coincidiu com um período de inflação crescente, de baixo nível médio de atividade econômica e de más condições no mercado de emprego. Para tentar conter a alta de preços, o Banco Central (BC) aumentou os juros a partir de 2021, tornando mais difícil a obtenção de crédito e a redução dos problemas dos endividados. O alívio mais notável foi proporcionado, nesse período, pelas campanhas de renegociação promovidas por algumas entidades ligadas ao comércio.

A intensa alta de preços de bens e serviços muito importantes, como alimentos, energia elétrica, transporte público e gás de cozinha, ampliou a pressão sobre os orçamentos familiares, num quadro de desemprego muito elevado. O cenário melhorou ligeiramente nos primeiros meses deste ano, mas ainda houve 11,3 milhões de desocupados no trimestre móvel de fevereiro a abril. Nesse período, a renda média habitual foi 7,5% menor que a de um ano antes, descontada a inflação.

Entre janeiro e março, quando os desempregados eram 11,9 milhões, 1,5 milhão procurava emprego há mais de um ano e 3,5 milhões, há mais de dois. Quanto mais longa a desocupação, maior a dificuldade para encontrar uma vaga, como têm mostrado pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e análises de especialistas.

O quadro do endividamento e da inadimplência contém, portanto, muito mais do que a história de indivíduos e de famílias com dificuldades para controlar seu orçamento. Educação financeira, frequentemente recomendada como forma de evitar ou de corrigir esses problemas, responde apenas a uma parcela minúscula, e nem de longe a mais importante, desse conjunto de problemas.

O quadro geral corresponde a questões macroeconômicas só passíveis de enfrentamento por meio de ações políticas. Essas ações devem abranger definição de rumos e medidas para o crescimento econômico, a defesa e a promoção do emprego, a contenção da alta de preços e o amparo aos mais necessitados. Não basta, no caso dos preços, uma ação corretiva do Banco Central por meio da alta de juros, se faltar uma eficiente e séria gestão das finanças públicas. Inadmissíveis em quaisquer circunstâncias, gastos eleitoreiros e aberrações como um orçamento secreto são quase inimagináveis quando um governo se defronta com enormes problemas de emprego e de inflação. Em resumo, famílias com endividamento crescente e indesejado e forçadas à prática de calotes são basicamente personagens de uma história sinistra de macrodesajustes.

A Argentina de sempre

O Estado de S. Paulo

Inflação mais alta em 30 anos mostra um país mergulhado em velhos problemas e sem capacidade de enfrentar os novos

Com inflação de 60,7% em 12 meses até maio, a mais alta em 30 anos, a Argentina mostra uma rara e pouco invejável característica. Trata-se de sua capacidade de conseguir não apenas persistir nos erros em decisões políticas e econômicas cruciais, mas de aperfeiçoá-los. De uma das mais importantes economias do mundo até o fim da 2.ª Guerra Mundial, tornou-se um exemplo das mazelas que políticas públicas equivocadas, mas ainda assim com apoio popular, podem provocar. Estima-se, por exemplo, que de 2011 a 2019 a economia argentina tenha encolhido mais de 10%. Os anos da pandemia aprofundaram a longa crise em que o país está mergulhado. Até o ano passado, a perda pode ter chegado a 16%.

A mais recente projeção de instituições internacionais, de que o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina pode crescer 3,6% neste ano, talvez consiga instilar algum ânimo. Mas os argentinos ainda terão de esperar muito tempo para recuperar a qualidade de vida que tinham no início da década passada. Já a vida de que desfrutava o país nas primeiras décadas do século passado, uma das melhores do mundo, hoje é apenas um registro histórico surpreendente para os mais jovens.

O dia a dia do país é marcado por insegurança financeira da população, que procura no dólar um refúgio contra a alta acelerada dos preços na moeda local (o peso), incertezas sobre o amanhã, dúvidas sobre a capacidade do país de honrar os compromissos financeiros externos – várias vezes renegociados e várias vezes não cumpridos – e, sobretudo, incapacidade do governo de dar respostas adequadas aos graves problemas que precisa enfrentar.

O governo, hoje chefiado por Alberto Fernández – em crise com a vice-presidente Cristina Kirchner, com quem compartilha a origem peronista –, ao contrário de articular uma solução, pode ser, em si mesmo, um dos problemas mais imediatos que afligem os argentinos.

Sem especificar ou detalhar seus componentes, o ministro da Economia, Martín Guzmán, atribuiu a inflação a um fenômeno “multicasual”. Na essência dessa multiplicidade de fatores está a política fiscal, caracterizada por forte expansão dos gastos governamentais. A contrapartida tem sido a excessiva emissão de moeda pelo Banco Central.

A isso, reconheça-se, se juntam os problemas internacionais, como a guerra na Ucrânia, que fez subir exponencialmente os preços dos combustíveis e dos alimentos. Mas a inflação decorrente dos problemas causados pela guerra – e também pela pandemia, que provocou rupturas na cadeia mundial de suprimentos – tem sido muito menor nos demais países.

Na tentativa de amenizar o problema da inflação, o governo até observou que a alta mensal dos preços está se reduzindo. É verdade. Em março, a inflação medida pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censo alcançou 6,7% e, em abril, baixou para 6,0%. Em maio, caiu mais um pouco. Mas o resultado acumulado em 12 meses está subindo. Estava em 50,5% em janeiro, subiu nos meses seguintes, até ultrapassar 60% na medição mais recente. Há projeções de 75% para todo o ano.

Crime na Amazônia é maior risco à soberania na região

O Globo

A morte brutal do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, com a crueldade mostrada pelas investigações, revela de forma inequívoca a situação de anomia na Amazônia. Na flagrante ausência do Estado, bandos de narcotraficantes, pescadores, grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais se apossaram da região, onde, sob a mira das armas, passaram a impor leis perversas aos povos da floresta e a todos aqueles que, como Bruno e Dom, tentam defendê-los.

É sintomático o desembaraço da bandidagem para dar as cartas num território que deveria estar sob controle do Estado. Servidor licenciado da Funai, Bruno já mapeara as quadrilhas num dossiê entregue às autoridades. Um dos presos como suspeito do assassinato da dupla era citado. Resultou em alguma coisa? Não. Ao contrário, criminosos sempre se sentiram livres para desafiar a lei. Não surpreende que o próprio Bruno e líderes indígenas tenham recebido bilhetes com ameaças inaceitáveis de morte. “Melhor se aprontarem. Tá avisado”, dizia um deles. Como se viu, não era blefe.

Se os irmãos presos como suspeitos dos assassinatos se sentiram estimulados para barbarizar, é porque tinham a certeza da impunidade. A gigantesca repercussão do caso dentro e fora do país pode ter contribuído para mudar o roteiro que caminhava para um final conhecido. Em 2019, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, que atuava na proteção dos indígenas do Vale do Javari (onde Bruno e Dom foram mortos), também foi assassinado com dois tiros na cabeça depois de receber ameaças. Três anos depois, as investigações pouco avançaram. Por enquanto Maxciel é só mais um número no ambiente sem lei da Amazônia.

Curioso é que o presidente Jair Bolsonaro nutre uma obsessão pelo que chama de “soberania” da Amazônia. Em discursos na ONU, no encontro com o presidente americano, Joe Biden, na Cúpula das Américas ou nas conversas com apoiadores nos cercadinhos do Planalto, o tema virou um mantra. Atordoado por teorias conspiratórias que atribuem as críticas de potências estrangeiras aos desmandos na Amazônia apenas ao desejo inconfessável de conquistá-la, Bolsonaro vocifera contra ambientalistas, demoniza organizações não governamentais (ONGs), tortura dados sobre desmatamento e veta financiamentos internacionais em nome dessa pretensa “soberania”. Numa entrevista em 2019, chegou a repreender de forma grosseira o próprio Dom Phillips, que perguntara sobre a preservação da região: “Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não de vocês”.

Bolsonaro não enxerga é que a grande ameaça para a soberania da Amazônia é a leniência com o crime, incentivada por ele próprio. Evidentemente a situação não começou agora, mas o afago do atual governo a predadores do meio ambiente, o afrouxamento da legislação e o desmonte da fiscalização criaram um ambiente acolhedor para criminosos. Estão tão à vontade que operam dezenas de aeroportos clandestinos, incendeiam caminhonetes e helicópteros do Ibama para mostrar quem manda no pedaço. A verdade inconveniente para Bolsonaro é que, como o assassinato de Bruno e Dom lamentavelmente mostrou, o país já não tem o controle da Amazônia. Precisa recuperá-lo com urgência.

Maior aperto monetário do Fed é necessário, mas pode ser insuficiente

O Globo

Na esteira da pandemia e da guerra na Ucrânia, a inflação provoca alta de juros no mundo todo para conter os preços. Já elevaram sua taxa neste ano cerca de 45 países, entre eles Brasil e Estados Unidos. Por ser o banco central da maior economia do mundo, o Federal Reserve (Fed) é acompanhado com lupa. Ao elevar os juros em 0,75 ponto percentual na quarta-feira, para a faixa entre 1,5% e 1,75%, o Fed puxou com mais força as rédeas da economia (em maio, aumentara 0,5 ponto). Foi a maior alta desde 1994. De acordo com o presidente do Fed, Jerome Powell, poderá haver ajuste semelhante em julho.

O Comitê Federal do Mercado Aberto (FOMC), o Copom americano, titubeou em maio diante dos indicadores. A economia crescia perto do pleno emprego, e a inflação anual estava em 8%, (hoje está em 8,6%, ante a meta de 2%). Mesmo assim, o Fed foi moderado no aperto monetário. Segundo a ata de sua reunião, antecipou que buscaria postura “neutra” diante do quadro. Na quarta-feira, mudou de ideia. A hesitação do Fed remonta ao ano passado, quando acreditava que a inflação era passageira e arrefeceria assim que se desatassem os nós na logística global. No início do ano ficou claro que tinha errado, mas a mudança de rumo ficou aquém do desejável, e os preços continuaram a subir além das previsões.

O Fed não foi o único banco central a vacilar. O Banco da Inglaterra e o Banco Central Europeu também demoraram a reagir enquanto a economia rumava para o superaquecimento. Na Zona do Euro, o desemprego foi de 6,8% em abril, a taxa mais baixa desde julho de 1990. No Brasil, o Copom enfrenta inflação anual perto de 12%. A incúria fiscal do governo Bolsonaro e do Congresso não ajuda. Não demora muito para os mecanismos de indexação alimentarem a espiral de preços e salários, tornando inatingíveis as metas inflacionárias. Pior: ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil tem desemprego alto (10,5%).

Não é simples o manejo da política monetária. Um erro no ajuste dos juros pode forçar uma recessão maior que a necessária para que os preços percam o fôlego. Mas ser tíbio quando o momento exige firmeza só faz aumentar a necessidade de um aperto maior no futuro. Costuma ser lembrado nesses momentos o exemplo dos Estados Unidos no início dos anos 1980, quando a inflação chegou a 14,7%. Assim que assumiu o Fed, o economista Paul Volcker elevou os juros de uma tacada para 20%. Países devedores em dólar, como o Brasil, quebraram. Os Estados Unidos enfrentaram uma recessão brutal. Até que a inflação cedeu.

É imponderável saber se será necessária energia semelhante desta vez. De todo modo, é bem-vinda a manifestação de Powell, ao afirmar que o Fed fará “o que for necessário” para conter os preços. No mundo, os bancos centrais deixam para trás as fantasias sobre juros negativos de pouco tempo atrás. Até o Banco Nacional da Suíça aumentou seus juros pela primeira vez em 15 anos, em 0,5 ponto percentual. O tempo do dinheiro fácil e barato chegou ao fim.

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