O Globo
Grupos que presidente tentou subordinar
darão resposta a ele domingo
Quando o domingo de segundo turno chegar ao fim, o líder que assentou discursos e atos na supremacia de uns contra outros terá recebido dos grupos que tentou subordinar, no mínimo, um recado robusto; se as pesquisas se confirmarem, uma derrota retumbante. Jair Bolsonaro passou carreira política e mandato presidencial subvertendo o fundamento constitucional da igualdade ao declarar, e repetir, que “as leis existem para proteger as maiorias; as minorias têm de se adequar” — esse exemplo é de julho passado, em ato da campanha à reeleição, em Imperatriz (MA). A Carta de 1988 consagra o direito à diferença; proíbe discriminação por sexo, raça, etnia, religião. A corrida eleitoral de 2022 foi também sobre isso. Minorias feridas, quando juntas marcham, maiorias se tornam.
Ao longo da interminável campanha, muito se
criticou a falta de profundidade das propostas sobre mazelas que envergonham e
oprimem filhas e filhos do Brasil. Em diferentes ocasiões, o debate sobre
saúde, educação, trabalho e renda, habitação, meio ambiente, desenvolvimento,
relações internacionais, de tão raso, coube num pires. A defesa do sistema
eleitoral e do Estado Democrático de Direito e o repúdio à violência política
marcaram pronunciamentos e declarações de voto — precoces ou tardios — de
personalidades e instituições. Máscaras caíram. A esta altura, todos sabemos
quem são os democratas, quem flerta com a autocracia.
A eleição de 2022 foi sobre repúdio ao
autoritarismo e restituição da democracia. Mas foi também sobre identidade — ou
sobre os identitários, como repetia Ciro Gomes,
candidato do PDT, quarto colocado no primeiro turno (3,04% dos votos). O
levante das minorias não pode passar em branco. A candidatura de Jair Bolsonaro
enfrentou, do início ao fim, a resistência firme de segmentos da população
desprezados ou secundarizados, por convicção ou gestão, pelo mandatário e por
seu campo político. Mesmo despejando recursos em ajuda financeira de última
hora, o presidente nunca liderou entre mulheres, pretos, pardos, pobres,
beneficiários de políticas sociais. As pesquisas não foram capazes de medir,
mas é certo que tampouco foi o preferido de indígenas, pessoas LGBTQIA+ e
religiosos de matriz africana.
Bolsonaro passou a campanha atrás do
eleitorado feminino. Usou a mulher, Michelle, e a ex-ministra e senadora
eleita Damares Alves.
Em palanques e púlpitos de igrejas, a dupla apelou à retórica de guerra
espiritual, à demonização do adversário, ao assédio religioso e até à submissão
conjugal.
— A mulher é uma ajudadora do esposo —
disse a primeira-dama num evento da campanha do marido, no Rio Grande do Norte.
Michelle e Damares esqueceram que as
brasileiras somos trabalhadoras, mães solo, provedoras do lar, alvos da
misoginia, de abusos, do feminicídio, da desigualdade salarial. A
senadora Simone Tebet e
a ex-ministra e deputada eleita Marina Silva entraram na campanha do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dirigindo-se às mulheres da vida real.
Ontem, penúltima edição da pesquisa Datafolha, o petista liderava, como em toda
a corrida de 2022, entre as mulheres, maioria do eleitorado, com 52% das
intenções de voto, ante 41% de Bolsonaro. O ex-presidente também mantinha
preferência entre autodeclarados pretos (60% a 34%), pardos (51% a 42%). Negras
e negros brasileiros não esquecemos o racismo contido nas referências ao peso
medido em arrobas, o esfacelamento da Fundação Palmares, os ataques às
políticas de cotas, a ausência de titulação de territórios quilombolas.
Bolsonaro ousou depreciar nordestinos,
encampando a associação entre taxa de analfabetismo na região e o voto no
candidato do PT. Ofendeu favelados ao declarar num debate que, na visita ao
Complexo do Alemão, o adversário desfilou com traficantes. Desagradou
católicos, ao fazer da festa de Nossa Senhora Aparecida evento político. Não
condenou apoiadores que, Brasil afora, andam interrompendo missas e ofendendo
sacerdotes. Se lidera entre evangélicos (62% a 32%), eleitores do Sul (58% a
36%), do Centro-Oeste (53% a 40%) e entre quem ganha acima de dois salários
mínimos (54% a 40%), Lula está à frente entre católicos (55% a 39%), no
Nordeste (67% a 28%), no eleitorado de baixa renda (61% a 33%) e de menor
escolaridade (60% a 34%). Bolsonaro teve a preferência dos autodeclarados
brancos (54% a 40%) e dos homens (48% a 46%), em linha com um modelo de
sociedade incompatível com a diversidade dos novos tempos.
— Há muita identificação com uma ideia de
masculinidade forte, heteronormatividade, hegemonia cristã. No bolsonarismo,
assim como na branquitude, não cabe a diversidade, porque eles se consideram
universais — explica Thales Vieira, coordenador executivo do Observatório da
Branquitude.
Fabiana Dal’Mas Paes, promotora de Justiça
no MP-SP, especialista em direitos das mulheres, diz que posições políticas
mudam à medida que as minorias tomam consciência da própria condição:
— Os grupos que alcançam essa consciência,
principalmente as mulheres, reconhecem que não podem escolher candidatos que as
subjuguem, que as mantenham em subordinação.
No último domingo, a liturgia católica
apresentou aos fiéis o Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas (18, 14):
— Pois quem se eleva será humilhado, e quem
se humilha será elevado — repetiu numa rede social o cardeal arcebispo de São
Paulo, Dom Odilo Scherer.
É por aí.
2 comentários:
Mais de 70% dos gays rejeitam Bolsonaro.Eu faço oração pra ele e sua família todos os dias,mas nunca o vi como alguém que pudesse ser presidente.
Os identitários também foram os grandes derrotados nessa campanha. Fizeram protestos em plena pandemia reproduzindo as ações do presidente. O sectarismo foi contra Alckmin e Tebet. Caso não haja a cota do umbigo não é democrático. A valorização da diferença vem do fascismo. Dizer que é uma vitória com o Congresso que teremos é dourar a pílula. Bola fora, Flávia. Dois derrotados: Bozo e identitários.
Postar um comentário