terça-feira, 11 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Chantagem golpista

Folha de S. Paulo

Bolsonaro flerta com adulteração do STF, que teria dificuldade em levar adiante

É difícil imaginar uma tese golpista que Jair Bolsonaro (PL) não esteja disposto a abraçar ou, no mínimo, a permitir que prospere. Assim se dá agora com o projeto para elevar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal.

A proposta foi retirada do baú autoritário na esteira das vitórias de bolsonaristas e assemelhados nas disputas para o Legislativo. Um desses casos foi o do próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos), um general da reserva saudoso dos confortos da ditadura e eleito senador pelo Rio Grande do Sul.

Se Mourão defendeu sem pudores a adulteração da principal corte do país, Bolsonaro entrega-se a rodeios desde sexta-feira (7), quando despejou mais uma saraivada de ataques sobre os tribunais superiores. Naquele dia, disse que examinaria o tema após o segundo turno da corrida presidencial.

O mandatário retomou o assunto neste domingo (9), em tom abertamente chantagista. "Se eu for reeleito e o Supremo baixar um pouco a temperatura", condicionou, em seu estilo tortuoso, "talvez você descarte essa sugestão".

Na hipótese de reeleição, recordou, terá a oportunidade de ampliar de 2 para 4 seus indicados entre os 11 ministros do STF; pelo projeto aventado, haveria outras 5 novas indicações a fazer.

Trata-se de um roteiro conhecido e celebrizado no continente pelo caudilho venezuelano Hugo Chávez —precursor da ditadura à qual Bolsonaro sempre associa seus arquirrivais petistas.

Em vez das velhas quarteladas, o governante se aproveita de momentos de elevado apoio popular ou congressual para enfraquecer, passo a passo, os freios a suas vontades —Judiciário, imprensa, oposição. Mesmo formalmente mantidos, os ritos democráticos vão se tornando mera fachada.

Ainda que consiga uma virada no segundo turno e conquiste nas urnas um novo mandato, Bolsonaro teria óbvias dificuldades em levar adiante tal empreitada infame.

Uma reforma do STF depende de mudança constitucional, o que demanda apoio de 60% da Câmara dos Deputados e do Senado. Por fortalecido que esteja, o bolsonarismo autoritário não dispõe de tantos votos, nem a precária popularidade do líder parece capaz de mover os parlamentares.

A sociedade brasileira tem dado mostras consistentes de defesa dos valores democráticos, ainda que com críticas compreensíveis ao desempenho dos Poderes. As instituições, do mesmo modo, resistem a investidas do populismo.

O que não se tem, infelizmente, é um presidente que rechace de pronto qualquer proposta capaz de aviltar o regime que garante as liberdades e o respeito à lei.

Perdão por fumar

Folha de S. Paulo

Indulto de Biden a condenados por porte de maconha ajuda a expor injustiças

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou perdão judicial a todos os condenados por porte de maconha em âmbito federal. O indulto tem mais valor simbólico, já que a maioria dessa prisões se dá nos estados. Por isso, Biden também fez um apelo para que os governadores sigam o exemplo.

A medida se ampara na visão de que não faz sentido criminalizar a maconha, que deveria ser regulada como o álcool. O proibicionismo, além de ineficaz, conflita com direitos como a soberania do indivíduo sobre o próprio corpo.

Ainda mais importante é o aspecto social da medida. O uso recreativo da maconha já é legalizado em 19 estados dos EUA, enquanto o uso medicinal é autorizado em 37. Entretanto condenados pelo porte têm dificuldade de acesso a emprego, moradia e educação.

Na prática, ser fichado é condição que prejudica sobretudo os pobres e a população negra —que, dadas as barreiras históricas, concentra-se nas camadas de renda mais baixa. Não raro se vê a legalização da maconha como mero desejo narcisista de jovens brancos de classe média e alta. A questão vai além, nos EUA ou no Brasil.

Aqui, pesquisa feita pela Agência Pública, que analisou cerca de 4.000 sentenças sobre crimes relacionados a drogas no estado de São Paulo em 2017, revelou que negros são condenados portando quantidades menores de drogas.

No caso da maconha, 71% deles foram condenados, em média, com o porte de apenas 145 gramas. Já entre brancos, 64% possuíam em média 1,14 kg —uma diferença, portanto, de quase oito vezes.

Esses dados revelam uma grave lacuna da Lei de Drogas, de 2006, que impediu a prisão do usuário, mas não delimitou a quantidade que diferencia o uso do tráfico. Assim, juízes proferem sentenças baseando-se em elementos ditos "contextuais", como local do flagrante ou nível de escolaridade e condição econômica do acusado.

Esse mecanismo leva diretamente à prisão de mais negros e pobres, dado o racismo prevalente na sociedade brasileira e a presença do narcotráfico em comunidades carentes, nas quais a população parda e preta predomina.

O mundo está revendo o estatuto legal da maconha, mas aqui governantes e legisladores permanecem com medo do debate ou aferrados a tabus conservadores. Enquanto isso, o proibicionismo superlota prisões e fornece mão de obra para facções criminosas.

Carcomendo a democracia

O Estado de S. Paulo

Ao pretender aumentar número de cadeiras do Supremo para apinhá-lo de ministros que lhe sejam ‘leais’, Bolsonaro quer desidratar o Poder que ainda freia seus devaneios autoritários

O presidente Jair Bolsonaro cogita apoiar mudanças na Constituição para aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em indisfarçável tentativa de estabelecer naquela corte, caso ele seja reeleito, uma maioria capaz de tornar “constitucional” toda e qualquer iniciativa do governo. 

A ideia foi defendida pelo vice-presidente Hamilton Mourão, senador eleito pelo Rio Grande do Sul, e o presidente, quando questionado sobre o assunto, não desmentiu. Antes, confirmou que a discussão do tema é uma forma de pressão sobre o STF, tido e havido pelo bolsonarismo como grande foco de oposição ao governo – o presidente já chegou a dizer que o Supremo “interfere demais e atrapalha muito o destino do País”. Se o Supremo “baixar um pouco a temperatura”, disse Bolsonaro, o assunto poderá ser retirado da pauta bolsonarista em um eventual segundo mandato. Onde se lê “baixar a temperatura”, leia-se render-se às vontades golpistas de Bolsonaro.

A reforma do Judiciário é uma pauta relevantíssima, que este jornal inúmeras vezes defendeu. No entanto, o que Bolsonaro pretende não é reforma, e sim a desidratação de um dos freios constitucionais ao Poder Executivo – e talvez se torne o único, dado que o sucesso bolsonarista nas urnas deu ao presidente, caso se reeleja, uma confortável base no Congresso. Quando Bolsonaro diz que, se ganhar um novo mandato, “vamos trazer essa minoria que pensa que pode muito para dentro das quatro linhas da Constituição”, fica clara sua disposição de intimidar os ministros do Supremo que ousarem contrariá-lo. 

Sua vontade é pública: Bolsonaro chegou a encaminhar um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, um de seus principais desafetos no Supremo, e o processo só não foi adiante porque o comando do Senado não permitiu. Na próxima legislatura, com ampla presença bolsonarista no Senado, essa barreira possivelmente deixará de existir. Restariam poucos obstáculos para o projeto autocrático de Bolsonaro.

Seja qual for o cargo que ocupam, os políticos precisam entender que, no Estado Democrático de Direito, vigora o princípio da separação de Poderes. O Judiciário é independente. Nem o Executivo nem o Legislativo mandam na Justiça. A discordância de uma orientação do Supremo não é resolvida com a ameaça de aumentar o número de ministros do Supremo e, assim, obter um novo posicionamento do tribunal. Quem age assim afronta a Constituição de 1988 que, ao dispor sobre as cláusulas pétreas, estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes”.

A ameaça é muito grave, envolvendo aspecto central do funcionamento do Estado Democrático de Direito. Competência do Judiciário, a aplicação da Constituição não pode estar sujeita a pressões do Executivo ou do Legislativo.

Em função do princípio da separação dos Poderes, uma maioria parlamentar, circunstancial, deve ser rigorosamente incapaz para alterar uma orientação jurisprudencial. No entanto, o bolsonarismo afirma com todas as letras que, motivado pela votação nas urnas e a pretexto de acabar com o “ativismo judicial”, pretende “enquadrar” o STF, nas palavras do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), em entrevista à GloboNews.

Para “enquadrar” o Supremo, Bolsonaro planeja nomear somente ministros que respeitem o critério da “confiança de lealdade mútua”. Ou seja, devem trabalhar não em defesa da Constituição, mas em favor das pautas de interesse do governo e, em particular, do presidente. Com isso, o Supremo passa a ser uma extensão do Poder Executivo.

Não à toa, o regime militar, quando precisou “enquadrar” o Supremo, tratou de aumentar o número de ministros. E também não à toa, foi com esse mesmo princípio que o chavismo subjugou o Judiciário e instalou de vez sua ditadura na Venezuela. Bolsonaro, desde sempre inconformado com o fim da ditadura militar, sabe muito bem o que está fazendo – e é preciso urgentemente que os brasileiros que prezam a democracia saibam também. 

O teste de estresse da Justiça Eleitoral

O Estado de S. Paulo

O período eleitoral justifica medidas duras contra abusos da liberdade de expressão, mas, se publicações não forem inequivocamente inverídicas e descontextualizadas, é censura

O combate à desinformação nunca foi tarefa fácil, tanto mais na era das redes digitais e em momentos de comoção social, como na crise pandêmica ou em disputas eleitorais. Os oportunistas e liberticidas sabem disso, e manobram numa zona cinzenta, pressionando a liberdade de expressão ao limite da legalidade. Quatro anos após o último pleito, a presunção do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux – “falar que pode haver fake news já é uma fake news” –, soa ainda mais ingênua e arrogante. E temerária: a remoção de conteúdos é remédio excepcional, que na circunstância ou dosagem erradas se torna veneno. Em uma palavra: censura.

O ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino determinou a remoção de 31 publicações que associam o candidato do PT à Presidência, Lula da Silva, ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. O ministro afirma que as publicações continham “conteúdos manifestamente inverídicos em que se propaga a desinformação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a invasão de igrejas, perseguiria os cristãos, bem como apoiaria a ditadura da Nicarágua”.

O caso expõe os riscos de uma atmosfera volátil criada pela combinação de uma jurisprudência incerta com o apetite das campanhas por baixarias.

Em 2021, o TSE modificou sua resolução sobre condutas ilícitas em campanha eleitoral, incluindo o veto à divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados. Com base nisso, o Tribunal tem removido conteúdos divulgados por apoiadores das campanhas, em especial a bolsonarista e a lulopetista.

O próprio Jair Bolsonaro, por exemplo, compartilhou um suposto áudio do líder do PCC, afirmando: “Marcola, chefão do PCC, confessa que Lula é o melhor para o crime organizado”. Por outro lado, entre as redes petistas circula uma publicação que sugere que Bolsonaro vai acabar com o feriado de Nossa Senhora Aparecida. O deputado federal André Janones, que apoia Lula, postou uma imagem adulterada que atribui ao portal de notícias G1 a informação de que num governo Bolsonaro o ex-presidente Fernando Collor seria ministro da Previdência e confiscaria o benefício dos aposentados. Este é um exemplo evidente de conteúdo “inverídico e descontextualizado”. O vídeo publicado foi recortado e tirado do contexto original, em que Bolsonaro advertia justamente os supostos riscos de Collor se tornar ministro em outro governo.

Outro exemplo foi a postagem do senador Flávio Bolsonaro dizendo que “Lula e PT apoiam invasões de igreja e perseguição de cristãos”. A afirmação foi feita não com base em qualquer declaração de Lula a respeito de igrejas ou padres, mas simplesmente em manchetes de jornal citando a perseguição religiosa promovida na Nicarágua do ditador Daniel Ortega.

A postagem foi removida por ordem do TSE. Mas nesse roldão entrou também um post da Gazeta do Povo no Twitter. Nele, o jornal paranaense afirma que “ditadura apoiada por Lula”, em referência à Nicarágua, “tira sinal da CNN do ar” – e faz um link a uma matéria sobre o tema. Ora, é um fato que, sob qualquer padrão da comunidade internacional, o regime de Ortega é considerado uma ditadura. É um fato que Lula já manifestou apoio ao governo de Ortega. E é um fato que Ortega tirou a CNN do ar. Nada há de inverídico ou descontextualizado na publicação.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou nota protestando contra a “censura” e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo declarou que vê “com preocupação decisões que colocam o Judiciário na posição de decidir o que um veículo jornalístico pode ou não publicar”. Como lembrou a ANJ, “a legislação brasileira dispõe de uma série de mecanismos para dirimir eventuais abusos à liberdade de expressão, mas neles não inclui a censura”.

A Justiça Eleitoral está sendo submetida a um teste de estresse pelo baixo nível das campanhas eleitorais. Por isso mesmo, precisa atuar com firmeza, mas sem abrir mão do máximo rigor técnico e prudência. Até para não justificar acusações, essas sim flagrantemente fraudulentas, que candidatos como Bolsonaro fazem à sua idoneidade, ela precisa aprender a separar o joio do trigo.  

Insistindo no erro

O Estado de S. Paulo

Ao prometer tirar as câmeras das fardas dos PMs, Tarcísio, que se apresenta como ‘técnico’, está só fazendo má política

O candidato a governador de São Paulo pelo Republicanos, Tarcísio de Freitas, voltou a afirmar que, se eleito, acabará com o uso de câmeras corporais por policiais militares (PMs). Mais uma vez, como já havia feito durante a campanha no primeiro turno, o candidato erra ao defender uma ideia completamente equivocada. O uso de câmeras de vídeo, conforme atesta a experiência já acumulada pela Polícia Militar paulista em mais de dois anos, produziu resultados positivos, em especial a redução da letalidade policial.

Eis um ponto crucial que o candidato Tarcísio parece não compreender. O bom trabalho policial é aquele que se faz sob escrutínio público, e as câmeras ajudam a garantir que a lei seja cumprida por aqueles que são pagos para fazê-la cumprir. As repetidas incursões policiais em favelas que terminam com elevado número de mortos podem ser tudo menos bons exemplos de atuação das forças de segurança. Como bem sabe todo profissional da área, investigações e operações bem conduzidas terminam com criminosos presos − e não executados.

Ao registrar toda a ação policial, a câmera no uniforme do policial cumpre diversas finalidades. A mais notória é a de contenção da truculência e da má conduta do agente. Mas há outras. Assim como servem para punir maus policiais, as gravações produzem provas que atestam a correção dos profissionais que estão na linha de frente e, por dever de ofício, se veem em situações em que devem puxar o gatilho.

Aqui reside a maior falácia do discurso endossado por Tarcísio: o uso de câmeras de vídeo por policiais, ao contrário do que apregoa o candidato do Republicanos, é fator de melhoria do policiamento. Ou seja, garante mais e não menos segurança pública, com profissionalismo e dentro da lei. Ademais, as gravações servem de acervo para o aperfeiçoamento das abordagens policiais. 

Os argumentos favoráveis ao uso das câmeras têm origem na experiência concreta de milhares de policiais que já utilizam o equipamento em seu trabalho rotineiro. Não apenas em São Paulo, onde a iniciativa foi adotada em 2020, mas em Estados como Santa Catarina e Rondônia, entre outros, conforme já noticiou o Estadão. A isso se soma a experiência internacional, considerando que as câmeras corporais não são uma invenção brasileira.

Tarcísio de Freitas cultiva a imagem de técnico bem preparado. Isso parece não se aplicar, no entanto, à área da segurança. Ao atacar uma política pública que, até aqui, produziu bons resultados, e que tem amplo apoio na própria corporação policial, o candidato demonstra estar mais preocupado com a agenda truculenta do bolsonarismo que o apoia do que em formular estratégias racionais de segurança. Faria bem o candidato se ouvisse o atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), seu mais novo aliado “incondicional” neste segundo turno das eleições. Garcia, corretamente, expandiu o uso das câmeras corporais e, recentemente, anunciou a instalação desse tipo de equipamento em viaturas policiais de São Paulo. A promessa de acabar com as câmeras, se efetivada, será um enorme retrocesso. 

TSE foi longe demais no combate à desinformação

O Globo

Intromissão no trabalho de veículos de imprensa — mesmo quando ruim — configura censura indevida

Está cada vez mais evidente que, no afã de combater a desinformação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem cometendo exageros que configuram censura descabida a veículos de imprensa, proibida pela Constituição. Os casos de intromissão indevida no trabalho de jornalistas têm se acumulado ao longo dos últimos dias.

Na sexta-feira, a ministra Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro ordenou a remoção de um episódio do programa “Jovem Pan News” em que a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) respondia a perguntas levantando suspeitas de vínculo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel. Na quarta-feira, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino ordenou que uma rede social removesse uma nota do jornal Gazeta do Povo informando que o ditador nicaraguense Daniel Ortega bloqueara a transmissão em espanhol do canal americano CNN, sob o título “Ditadura apoiada por Lula tira sinal da CNN do ar”.

A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) acertaram ao condenar as decisões. A Abraji também criticou o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, por ter mandado retirar do ar no domingo do primeiro turno um artigo do site O Antagonista sugerindo que o líder da principal facção criminosa dos presídios brasileiros apoiava Lula.

Nenhum desses conteúdos está imune a críticas do ponto de vista editorial. As acusações da senadora tucana contra Lula carecem de provas. Não tem cabimento mencioná-lo numa notícia sobre a Nicarágua sem relação com o Brasil. E os diálogos apresentados não sustentavam o elo entre petistas e criminosos. Mas isso não significa que façam parte das campanhas de desinformação que o TSE deveria combater.

Não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas. As partes que se sentirem ofendidas deveriam acionar a Justiça comum, onde os veículos têm o direito de se defender, caso já não tenham reparado o próprio erro. O inaceitável é confundir o trabalho jornalístico — mesmo ruim — com a desinformação deliberada que em geral emana das campanhas eleitorais.

No mês passado, o TSE acertou ao mandar a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apagar seu post numa rede social acusando Bolsonaro de ser mandante da morte de um petista em Mato Grosso. Antes, ordenara a exclusão de conteúdos falsos do deputado federal André Janones (Avante-MG) fazendo uma conexão descabida entre Bolsonaro e a suspensão do piso salarial da enfermagem. A Corte também barrou inúmeros abusos bolsonaristas.

A eleição presidencial de 2018 provou que era necessária a ação do Judiciário contra a proliferação de fake news. Mentiras sempre foram usadas para conquistar votos, mas o advento das redes sociais tornou fácil e barato alcançar milhões de eleitores com conteúdos fraudulentos. Daí a necessidade de o TSE ser atento e ágil, sobretudo no que diz respeito aos aplicativos de mensagem, como WhatsApp ou Telegram. Mas é preciso não exagerar na dose. A Corte tem de tomar cuidado para não desrespeitar o direito constitucional mais essencial à democracia: a liberdade de expressão.

Próximo governo terá desafio de reconstruir os programas sociais

O Globo

Combate à pobreza retrocedeu 14 anos sob Bolsonaro, constata um dos criadores do Bolsa Família

A Constituição de 1988 definiu como objetivo de Estado acabar com a pobreza e reduzir a desigualdade. Passados 34 anos da promulgação, não só ainda há muito a fazer, como o Brasil retrocedeu, no governo Jair Bolsonaro, pelo menos uma década nessa missão. Falta foco aos programas sociais, além de uma rede de proteção social segura e estável. “O Estado se afastou do pobre”, constatou em entrevista ao GLOBO o economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, um dos idealizadores do Bolsa Família.

A história dos programas sociais na redemocratização começa com o vale-leite no governo José Sarney, passa pela adoção do Bolsa Escola e de outros benefícios no governo Fernando Henrique e pela unificação dos programas sociais no governo Luiz Inácio Lula da Silva sob o nome de Bolsa Família. O estipêndio mensal era suficiente para distribuir uma renda mínima às famílias mais necessitadas, porém exigia contrapartidas como frequência escolar, vacinação e visita periódica aos postos de saúde. O objetivo era quebrar a cadeia de transmissão da pobreza às próximas gerações. O filho da família assistida pelo Estado idealmente precisa estudar para ter uma profissão que o retire da rede de proteção.

Um dos pilares do programa é o Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico), cuja finalidade é identificar com precisão os beneficiários, para evitar vazamentos de recursos e fazer ajustes diante de imprevistos. Nem sempre isso funcionou a contento, como revelaram denúncias de fraudes. Mesmo assim é inegável o valor estratégico do CadÚnico. A proximidade com os pobres é requisito básico para qualquer programa social ter sucesso.

Paes de Barros acaba de apresentar um painel de 30 indicadores nos segmentos de trabalho, saúde, segurança, habitação e assistência referentes a 5.500 dos 5.570 municípios brasileiros. É pelo seu acompanhamento, com o uso de ferramentas como o CadÚnico, que se pode chegar com precisão aos mais necessitados. Ele defende um “atendimento personalizado da família pobre”. A transferência de renda deve ser um complemento dentro de uma estratégia. O agente público precisa entender os problemas da comunidade para criar oportunidades.

Tudo muito diferente de programas inflados para atender a objetivos eleitoreiros, como o Auxílio Brasil de Bolsonaro. Distribuir dinheiro às cegas, de modo desarticulado, é comparável a “receitar um remédio genérico a todos os doentes”. É sintomático que o governo não se preocupe em atualizar o CadÚnico nem use os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) para atender as famílias de baixa renda. Prefere dar dinheiro via Caixa Econômica, sem criar vínculo com os pobres.

Com a pandemia e a conversão do Bolsa Família em programa meramente assistencialista, a pobreza voltou ao nível de 2007, um recuo de 14 anos. Paes de Barros defende recriar uma rede de proteção social decente. A própria instabilidade do sistema causa insegurança alimentar. Na política social haverá um enorme trabalho de reconstrução a fazer depois deste governo.

Concentração bancária tem discreta diminuição

Valor Econômico

Rentabilidade do sistema bancário voltou para perto do nível pré-pandemia

O Banco Central (BC) ressaltou a redução da concentração bancária no Relatório de Economia Bancária (REB) de 2021, divulgado na semana passada. Ainda é cedo para comemorar, porém. A diminuição é tímida e consequência basicamente da retração dos bancos estatais, cuja atuação o presidente Jair Bolsonaro prometeu conter no início de governo, aproveitando para tomar de volta em dividendos o capital injetado nessas instituições durante o governo petista.

Apesar disso, os bancos estatais dominam negócios estratégicos como o financiamento imobiliário, o crédito rural e o consignado, e devem crescer mais com a abertura dada pelo governo para os empréstimos garantidos pelo Auxílio Emergencial. Além disso, estão entre os líderes em lucro. As fintechs, festejadas pelo BC como promotoras da inclusão financeira, operam preferencialmente na prestação de serviços e em negócios menos arriscados.

Segundo o relatório, a concentração no mercado brasileiro levando em conta os ativos totais entrou na faixa em que é considerada reduzida, quebrando a barreira de 0,10 do Índice Herfindahl-Hirschman -- em 2020, e manteve-se assim no ano passado. Mas está acima da marca quando se analisam as operações de crédito e os depósitos totais, embora venha declinando ligeiramente. O próprio relatório pontua que foram avaliados 12 atos de concentração em 2021, quatro deles envolveram diretamente pelo menos um banco e alguma modalidade de crédito entre os mercados relevantes impactados, entre eles a compra pelo Itaú Unibanco de participação na XP, e pelo BTG Pactual no Banco Pan.

O BC também aponta menor concentração ao calcular a domínio de mercado dos maiores bancos. Esse referencial, que antes levava em conta os cinco maiores bancos e, a partir de agora, os quatro maiores, mostra pequenos progressos. A lista, que inclui Itaú e Bradesco, e os estatais Banco do Brasil e Caixa, mostra que concentravam 59,3% das operações de crédito em 2021, praticamente o mesmo que os 59,4% de 2020; e 60,1% dos depósitos, abaixo dos 62,7% do ano anterior.

Os bancos estatais podem até ter reduzido sua fatia de mercado total, mas mantêm o domínio em alguns segmentos. Como mostrou o Valor (7/10) é o caso do reinado do Banco do Brasil no financiamento à agricultura, segmento em que a fatia do setor público era de 61,4% no ano passado, praticamente estável em comparação com os 61,6% de 2019 e acima dos 61% de 2020. A Caixa domina 72,9% do estoque de crédito imobiliário, fatia que era de 79,3% em 2019. É também importante no crédito consignado e deve ampliar sua fatia com as operações lastreadas em Auxílio Brasil.

Significativo foi o recuo do BNDES no investimento de grandes projetos, acompanhado da troca da TJLP pela TLP, que encareceu os recursos e estimulou a maior procura pelas empresas de dinheiro no mercado de capitais.

Se a fatia dos bancos públicos no crédito diminuiu, de 47,6% em 2019 para 43,5% em 2021, a das cooperativas subiu de 4,3% para 6,1%. Já a das fintechs segue inexpressiva, mas elas continuam uma aposta do BC de estímulo à concorrência no futuro. O BC reconhece que as fintechs têm sido mais eficientes até agora como instituições de pagamento, que colocam novos clientes no sistema financeiro, e têm tido maior sucesso na oferta de cartão de crédito e antecipação de recebíveis.

A assimetria regulatória, idealizada para incentivar o surgimento das fintechs e suas ideias inovadoras, pode, por outro lado, desestimular a expansão dessas empresas que não deixarão de calcular quanto precisarão investir para desbravar novos mares. O open finance é uma iniciativa promissora no sentido de estimular a concorrência, mas também precisa de tempo para dar resultados. Já o PIX ganhou adesão imediata e também contribui para a competição.

Acredita-se que o aumento da concorrência levará a serviços mais baratos e dinheiro mais acessível. Isso não é necessariamente verdade, dada a influência no spread bancário do patamar de juro básico, risco e tributos. A taxa do crédito livre estava em 33,4% ao ano no fim de 2019, chegou a cair para 25,3% em 2020, voltou para 33,8% em 2021 e, em agosto, estava em 40,6%.

O relatório mostrou que a rentabilidade do sistema bancário em 2021 retornou a níveis próximos aos de antes da pandemia. O lucro líquido somou R$ 132 bilhões em 2021, 49% superior ao registrado em 2020. O retorno sobre o patrimônio líquido foi de 15%, próximo aos níveis pré-pandemia. Nessa conta, a concentração também é elevada.

 

7 comentários:

Anônimo disse...

"difícil imaginar uma tese golpista que Jair Bolsonaro (PL) não esteja disposto a abraçar"

Tudo q se relaciona com o genocida, TUDO, é fraudulento.
O canalha meeeeeeeeente.

E o gado: muuuuuuuuuuuuu!

Anônimo disse...

"Ao pretender aumentar número de cadeiras do Supremo para apinhá-lo de ministros que lhe sejam ‘leais’, Bolsonaro quer desidratar o Poder que ainda freia seus devaneios autoritários"

Pois é, estadinho, a escolha entre Haddad e o canalha da República não era tão difícil, né?

Anônimo disse...

"O período eleitoral justifica medidas duras contra abusos da liberdade de expressão, mas, se publicações não forem inequivocamente inverídicas e descontextualizadas, é censura"

Entendo a preocupação do estadinho. Mas quem diz se é inequívoco é o STF. De minha parte, seu editorial "uma escolha difícil: referindo-se ao professor Haddad e o genocida, era inequivocamente propaganda.
Pagamos caro por isso.

Anônimo disse...

"Ao prometer tirar as câmeras das fardas dos PMs, Tarcísio, que se apresenta como ‘técnico’, está só fazendo má política"

Puxa, até "quenfim" uma crítica do estadinho contra a quadrilha do genocida.

Anônimo disse...

"Próximo governo terá desafio de reconstruir os programas sociais"

Bobagem, Globo. Desafiar o genocida a reconstruir programas sociais é de uma inocência inaceitável. BOZO QUER DESTRUÍ-LAS.

Por outro lado, políticas sociais são a praia do LULA. NINGUÉM É TAO EFICIENTE.

Em outras palavras, articulista, sua equivalência entre LULA e o biroliro, nas políticas sociais, demonstra seu despreparo e desequilíbrio. Vc não é um bom jornalista porque vc tem lado e afinidade com o bozo.

Anônimo disse...

"Combate à pobreza retrocedeu 14 anos sob Bolsonaro, constata um dos criadores do Bolsa Família"

O Brasil piorou muuuuuuuuuuuito (isso é gadez, a língua do gado) com o palerma da República.

Anônimo disse...

"Intromissão no trabalho de veículos de imprensa — mesmo quando ruim — configura censura indevida"

Qd a imprensa admite q seu trabalho pode ser ruim, é porque está péssimo e carece de intromissão por parte da autoridades legalmente constituídas.
Jovenpano record band globo sbt etc tem lado, os próprios. Precisam de controle por isso.