É um erro excluir Bolsa Família do teto de gastos
O Globo
Proposta de separar ‘investimentos sociais’
das despesas não resolve o principal: de onde virá o dinheiro
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva parece ter começado a errar antes mesmo de assumir. Ganhou força a ideia
de retirar definitivamente a nova versão do Bolsa Família do teto de gastos.
Não haveria mais apenas um waiver, a licença para gastar mais excepcionalmente
em 2023, mas a criação de outro gasto permanente sem receita correspondente.
Seria um absurdo adotar tal medida de forma atabalhoada, sem antes ter uma
ampla discussão a respeito de como o novo governo pretende administrar a dívida
pública.
Desde o início da campanha, Lula fala em “dívida histórica” com os vulneráveis. Voltou a repetir ontem que investimento em programas sociais não é gasto. Marotamente, apresenta a questão como um embate entre os que querem mais atenção aos pobres e os que têm outras prioridades. Trata-se de uma falácia. O combate à pobreza e à desigualdade deve ser, indiscutivelmente, prioridade. A verdadeira discussão é outra. A adoção consistente ao longo do tempo de um programa de transferência de renda, seja lá o nome que tenha, e de melhorias nas áreas de educação e saúde depende de o governo dispor de recursos em caixa. Mas, quanto mais o Estado gasta para financiar sua dívida, menos recursos sobram. É justamente por isso que se enfatiza a necessidade de o governo ter responsabilidade fiscal. Sem uma âncora para o gasto, o governo paga mais caro para tomar dinheiro emprestado no mercado. Isso aumenta o custo do endividamento público e deixa menos dinheiro nos cofres para o governo, como quer Lula, “investir no social”.
Castigado no governo Jair Bolsonaro e
torpedeado pelo governo eleito, o teto de gastos não é um mecanismo imune a
críticas. Os economistas Fabio Giambiagi e Manoel Pires defendem uma nova regra
de controle de despesas, com ajuste fiscal, incremento do investimento público
e modesta elevação de tributos. Também há ideias de outros estudiosos para pôr
em prática a sugestão de Lula, separando os investimentos dos gastos
recorrentes. Mas isso não significa que o teto deva ser destelhado de modo
oportunista para abrir espaço a outros gastos de necessidade muito mais
política que social.
O perigo é o governo eleito já dar o
primeiro tropeço agora, retirando em definitivo do teto o novo Bolsa Família,
sem que o país tenha ideia de sua nova proposta para controle fiscal, prevista
agora para 2024. Se esse plano tiver sucesso, Lula começará seu governo com
dificuldades na área econômica. Como disse o presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, os mercados internacionais estão menos tolerantes a
deslizes na política fiscal. Um exemplo é o que acabou de acontecer no Reino
Unido, com o governo caótico e fulminante de Liz Truss, que lançou um programa
de corte de impostos sem redução de despesas — e caiu em 44 dias.
A política social no Brasil exige atenção e
cuidado — e a política fiscal também. Para que estejam disponíveis os recursos
necessários aos “investimentos sociais”, o governo precisa ter competência e
responsabilidade no trato das contas públicas. O país tem toda a liberdade de
adotar um sistema distinto do teto de gastos, cuja credibilidade foi corroída
por Bolsonaro e agora parece estar com os dias contados. Mas Lula tem o dever
de apresentar uma proposta com medidas críveis para a sustentabilidade da
dívida pública. Sem afobação nem oportunismo.
Situação das estradas brasileiras expõe
necessidade de privatizações
O Globo
Estudo da CNT comprova que vias
administradas por concessionárias privadas estão em estado melhor
A mais recente pesquisa da Confederação
Nacional do Transporte (CNT) sobre a situação das rodovias traça um quadro
preocupante sobre a malha rodoviária nacional. O
levantamento mostra que as condições pioraram. No ano passado,
61,8% dos trechos percorridos haviam sido classificados como regulares, ruins
ou péssimos. Neste ano, 66%.
A pesquisa expôs a disparidade entre a
situação das rodovias concedidas à iniciativa privada e as administradas pelo
poder público. De acordo com o levantamento, entre as privatizadas, 69% foram
avaliadas como boas ou ótimas, e apenas uma minoria (31%) foi enquadrada como
regular ruim ou péssima. Entre as mantidas pelo Estado, 75,3% foram
consideradas regulares, ruins ou péssimas, e somente 24,7% puderam ser
enquadradas como boas ou ótimas. De acordo com o diretor-executivo da CNT,
Bruno Batista, a discrepância está ligada à falta de recursos.
Realizada desde 1995, a pesquisa da CNT
avalia não só as condições do pavimento, mas também a qualidade da sinalização,
o traçado das vias e fatores como a existência de faixas marginais ou curvas
perigosas. O diagnóstico corrobora a experiência de motoristas país afora,
obrigados a trafegar por rodovias esburacadas, mal sinalizadas, obsoletas e
inseguras. Claro que as condições das estradas não são o único fator que
interfere nos acidentes, mas é óbvio que uma rodovia malconservada e mal sinalizada
aumenta os riscos.
A negligência mata. Em setembro, uma ponte
na BR-319, no Amazonas, desabou, deixando ao menos quatro mortos e 14 feridos.
A estrutura, sob administração do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT), do governo federal, dava sinais de que poderia ruir a
qualquer momento. Dez dias depois, outra ponte na mesma rodovia também foi ao
chão.
A condição das estradas não está
relacionada apenas à segurança de motoristas e passageiros. É preciso
considerar também os aspectos econômicos e os danos ambientais. Segundo o
estudo da CNT, o mau estado de conservação das rodovias brasileiras gerou um
gasto extra de 1 bilhão de litros de combustível neste ano, um custo
desnecessário de R$ 4,9 bilhões. Sem falar no desgaste de pneus, amortecedores,
freios etc.
Lamentavelmente, durante a campanha eleitoral não se discutiram propostas para eliminar os gargalos da infraestrutura no Brasil. O próximo governo precisará ampliar as concessões de estradas e as parcerias público-privadas, pois está comprovado que as vias administradas pelas concessionárias estão em melhores condições. O Estado, por mais que queira, não terá os recursos necessários para investir em rodovias que se degradaram ao longo de décadas. Os motoristas não precisam de demagogia barata, mas sim de estradas onde possam trafegar com suas famílias em segurança.
O óbvio sobre a urna
Folha de S. Paulo
Defesa não vê fraude, e fim do caso
possibilita a acomodação institucional
Em 31 de agosto de 2021, o então presidente
do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, fez valer uma
resolução aprovada dois anos antes e convidou militares para integrar uma
Comissão Externa de Transparência que fiscalizaria a eleição deste ano.
Era a época de uma das mais intensas
sístoles do golpismo bolsonarista, antes do 7 de Setembro de multidões nas
ruas. Barroso achou que desarmaria a campanha contra as urnas eletrônicas.
O efeito foi contrário, e questionamentos
enviados pelo Ministério da Defesa se tornaram munição para ataques infundados
ao processo eleitoral. Após uma crise militar em reação a tentativas de Jair
Bolsonaro (PL) de instrumentalizar as Forças Armadas, a pasta mostrava-se
aliada ao chefe.
Cumpre, nesse caso, diferenciar o ministério,
o serviço ativo das Forças e a usualmente radical reserva fardada. Na cúpula do
Exército, por exemplo, nunca houve apoio majoritário aos arroubos de Bolsonaro
contra as instituições.
Assim se chegou ao nanismo do
relatório enfim entregue na quarta-feira (9) sobre o sistema
eletrônico de votação. A Defesa o isenta de fraudes ou falhas graves,
enterrando o discurso golpista como muitos generais gostariam.
Mas o diabo gosta de detalhes, e eles
abundam na forma de dúvidas colocadas sobre o quão auditável é o processo. Nada
que mude a conclusão, mas sinaliza que a pressão de Bolsonaro por um texto mais
contundente logrou ao menos alimentar a retórica de redes sociais e portas de
quartéis. É lamentável.
Para piorar, nesta quinta
(10) a Defesa se prestou, em nota, a um malabarismo retórico segundo
o qual a ausência de fraude não implica sua inexistência.
O fato incontornável é que não restou um
fiapo de argumento capaz de sustentar algum questionamento ao resultado
eleitoral, e o próprio Bolsonaro —cuja votação o mantém, em tese ao menos, como
ator político relevante— parece ter compreendido a inutilidade de qualquer
esperneio.
Não por acaso, as conclusões da Defesa
mereceram resposta rápida e sagaz do presidente do TSE, Alexandre de Moraes,
dando o caso, na prática, por encerrado.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), que vinha mantendo silêncio prudente, defendeu os militares do que
considerou uma manipulação bolsonarista. Se não houver mais marola, o campo
está semeado para uma acomodação.
Fundamental para tanto será a escolha do novo ministro da Defesa e a aplicação de critérios de antiguidade básicos para os comandos de Força. Dos militares, espera-se apenas o que juram fazer: respeitar a Constituição, deixando o palco que ocupam desde 2019.
Jabuti do barulho
Folha de S. Paulo
Prefeitura de SP usa lei das dark kitchens
para elevar limite de som para shows
Trata-se de manobra recorrente:
Legislativos e Executivos, em todos os níveis, fazem uso da propositura de uma
lei para aprovar a reboque outro tema de interesse não exatamente relacionado
ao projeto inicial. É o chamado "jabuti".
O expediente entrou em ação na Câmara
Municipal de São Paulo, que aprovou na
quarta-feira (9) projeto do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que prevê a
regulamentação do funcionamento das dark kitchens —as cozinhas industriais de
restaurantes, muitas delas compartilhadas e direcionadas apenas ao atendimento
por delivery.
A regulação do serviço já não era sem
tempo. Dark kitchens proliferaram desordenadamente pela cidade durante a
pandemia.
Se por um lado reduzem custos de produção e
prazos de entrega, boa parte dessas cozinhas tornou-se um tormento à
vizinhança. São comuns, noite adentro, relatos de barulho de carga e descarga;
fortes odores, fumaça e imóveis próximos impregnados de gordura; vaivém
frenético de entregadores sem qualquer estrutura de apoio.
O bem-vindo regramento, contudo, acabou
eclipsado por um jabuti polêmico. A peça aprovada, que ainda aguarda segunda
votação, inseriu um limite de 85 decibéis —o equivalente a um secador de
cabelos— nas cercanias de grandes shows e eventos. O índice é superior ao que
vigora no zoneamento de certas regiões da capital.
A ampliação aparenta ter sido delineada sob
medida para resolver imbróglio envolvendo o Allianz Parque, estádio do
Palmeiras.
A prefeitura paulistana tem tentado
afrouxar o ruído permitido no entorno da arena. Além de jogos de futebol, o
complexo é palco de grandes espetáculos musicais e tem recebido multas devido a
infrações ao limite sonoro da região, cujo teto é de 55 decibéis.
O artifício legislativo da gestão Nunes
também provocou reações estrepitosas na oposição. Vereadores argumentam
que não há
correlação entre um assunto e outro e prometem levar o caso à Justiça.
Fábio Riva (PSDB), líder do governo, rechaçou as críticas e argumenta que as
duas pautas fazem sentido, já que "regulam a sociedade e as atividades
econômicas".
São Paulo se firmou como sede de grandes
eventos, inclusive internacionais, e decerto impactos financeiros devem ser
observados.
O que causa espécie é a forma açodada com que se lida com tema sensível, que exige debate e afeta a qualidade de vida dos paulistanos.
Lula ainda está no palanque
O Estado de S. Paulo
Como se estivesse em campanha, o petista desdenha da ‘tal da responsabilidade fiscal’. É hora de parar de fazer comício e demonstrar compromisso com a racionalidade econômica
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva conseguiu acabar com o clima de lua de mel que havia se criado em torno
de sua eleição. Com o fim antecipado do calamitoso governo Jair Bolsonaro,
todas as atenções se voltaram para os trabalhos da equipe de transição, a
escolha dos nomes que farão parte desses grupos técnicos e, sobretudo, a
política econômica que vai nortear a administração petista. Mas a chegada de
Lula a Brasília pôs por terra as ilusões de que a responsabilidade fiscal será
um marco de seu terceiro mandato.
A nomeação de Geraldo Alckmin como chefe do
gabinete de transição havia gerado expectativas positivas sobre o futuro
governo, a ponto de conter a desconfiança gerada pela onipresença dos
ex-ministros Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante na coordenação dessas
atividades. A escolha do grupo que fará as propostas para a área econômica foi
bem recebida, ainda que insuficiente para sanar as incertezas a respeito da
condução da economia. As articulações em torno da elaboração de uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) para retirar os gastos do Bolsa Família do teto de
gastos, no entanto, foram malvistas. A tudo isso se somou a dura realidade, com
a divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de outubro
comprovando a força e a consistência da inflação.
Depois de se reunir com autoridades do
Legislativo e do Judiciário, num esforço para resgatar a institucionalidade das
relações entre os Poderes, Lula foi ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB)
para encontrar parlamentares. Era o momento para aproveitar a visibilidade que
a eleição lhe conferiu para se apresentar como um estadista à altura dos
desafios do País que assumirá em menos de dois meses. Suas falas, no entanto,
lembraram o período de campanha, quando os candidatos abusam do pensamento
mágico para prometer o que podem e o que não podem cumprir. Esse é um papel que
Lula perdeu o direito de interpretar a partir do momento em que se sagrou
vencedor da disputa presidencial, em 30 de outubro.
“Por que as pessoas são levadas a sofrer
por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse país? Por que toda
hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer
superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que
discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste
país?”, questionou Lula. O presidente eleito fez comparações descabidas,
chegando a criticar a existência de metas de inflação e a ausência de um regime
de metas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Voltou também a
defender a ideia de que há gastos que precisam ser encarados como investimento,
como se questões semânticas fossem capazes de resolver o descalabro fiscal em
que o País se encontra. “É um discurso de PT pelo PT, que ignora os apoios
recebidos”, definiu a economista Elena Landau, em entrevista ao Valor.
O mercado financeiro reagiu imediatamente.
A bolsa despencou, a curva de juros subiu e o câmbio disparou. Em menos de dez
dias, toda a boa vontade com o governo eleito acabou. Se Lula pensava em adiar
a escolha da composição de sua equipe econômica e dos futuros ministros da
Fazenda e do Planejamento para conter brigas entre aliados, seu próprio
discurso o emparedou perante os investidores. Agora, somente o anúncio de um
nome efetivamente comprometido com a responsabilidade fiscal poderá reverter as
péssimas expectativas que se formaram a respeito de seu futuro governo.
Se a construção da narrativa de uma frente
ampla funcionou para a eleição, ela é insuficiente para montar um governo de
coalizão. Ao insistir em manter um clima de campanha, comportamento que, aliás,
lembra muito o de seu antecessor, Lula desmoraliza os esforços de seu próprio
gabinete de transição, que vinham sendo bem conduzidos por Alckmin.
Responsabilidade fiscal, afinal, não é capricho: é condição obrigatória para
reconstruir as políticas públicas devastadas por anos de bolsonarismo. É hora
de descer do palanque.
Inflação, um alerta ao novo governo
O Estado de S. Paulo
Acabou a deflação provocada como lance político de Bolsonaro, e a equipe do novo governo deveria ver na desordem de preços um estímulo a mais para cuidar bem das contas públicas
A trégua acabou e a inflação real voltou a
aparecer em outubro, depois de três meses de recuo dos indicadores. Puxado
principalmente pelos preços de alimentos e bebidas, o custo de vida subiu 0,59%
no mês passado, acumulando alta de 4,70% no ano e de 6,47% em 12 meses.
Disfarçada por algum tempo, a evolução dos preços no varejo continua apertando
a maior parte dos brasileiros – famílias já empobrecidas, endividadas e
assombradas pelo risco da inadimplência, do nome sujo e da perda de crédito. A
redução de impostos sobre combustíveis, uma jogada essencialmente política,
escondeu por algum tempo a gravidade do quadro inflacionário. Mas os números de novo retratam os fatos claramente, como comprova o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A alta de 0,59% mostrada pelo índice
oficial é muito mais que um mero repique setorial, depois de um recuo
passageiro. Aumentos de preços foram observados em oito dos nove grandes grupos
de bens e serviços cobertos pela pesquisa. Quase todos os componentes do
orçamento familiar foram afetados. Com elevação de 0,72% em outubro, o item
alimentação e bebidas teve um impacto de 0,16 ponto porcentual, o mais
significativo, na formação do IPCA. O grupo vestuário encareceu 1,22%, mas seu
efeito no índice final foi de apenas 0,06 ponto. A diferença é facilmente
explicável: a comida tem um peso muito maior no dia a dia das famílias e,
portanto, na composição do indicador geral.
Não há como avaliar de forma realista a
situação das famílias, diante da inflação, sem levar em conta os aumentos
acumulados no período recente. O custo da alimentação, por exemplo, subiu
10,32% em dez meses, enquanto o indicador geral, o IPCA, só aumentou 4,70%.
Vale a pena lembrar: o encarecimento da
comida é mais sensível, para a maioria das famílias, que a redução de preços
(queda de 6,12%) do conjunto TV, som e informática. Esses itens afetam a
qualidade de vida, o trabalho e a educação, mas o acesso a alimentos é um
desafio imediato. No mesmo período, os preços dos combustíveis de veículos
caíram 25,63%, mas as tarifas do transporte público aumentaram 10,36%. Gasolina
mais barata pode ter sido um belo presente para quem tem carro ou trabalha com
automóvel, mas esse benefício ficou longe da maior parte das pessoas.
A onda inflacionária bastaria para
prejudicar milhões, mas outros problemas graves têm pressionado os
brasileiros. No mês passado, 79,2% das famílias estavam endividadas, segundo a
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Um
ano antes esse grupo equivalia a 74,6%. O endividamento pode sinalizar expansão
do consumo e da economia, mas hoje é preocupante. Em 12 meses, a parcela de
famílias com dívidas em atraso passou de 25,6% para 30,3%, numa situação
agravada por juros altos.
O aumento de juros tem sido usado pelo
Banco Central (BC) como ferramenta anti-inflacionária. Frear o consumo, a
formação de estoques e até o investimento em bens de produção é uma forma
consagrada – e dolorosa – de conter os preços.
Mas o efeito é defasado. Pelas projeções do
mercado, a alta de preços ao consumidor deve ficar na faixa de 5,60% a 5,80%
neste ano e recuar em 2023 para 4,94%. Os juros básicos devem manter-se em
13,75% ainda por algum tempo e encerrar o próximo ano em 11,25%. Essas
estimativas deveriam preocupar a equipe do presidente eleito e incentivá-la a
ser muito cautelosa no gasto público.
Será difícil baixar os juros mais
velozmente no Brasil enquanto as taxas permanecerem elevadas nos Estados
Unidos, porque o custo do dinheiro afeta os fluxos de dólares. A inflação
americana em 12 meses caiu de 8,2% em setembro para 7,7% em outubro, mas falta
saber como a autoridade monetária reagirá a essa novidade, em Washington. De
toda forma, o BC brasileiro deverá concentrar-se, prioritariamente, nas
perspectivas internas, levando em conta, de modo especial, o comprometimento do
novo governo com a gestão prudente de suas contas. Não há notícia clara, por
enquanto, desse comprometimento.
Americanos escolhem equilíbrio
O Estado de S. Paulo
Ao punir os democratas sem referendar os republicanos, eleitores mostram que sua democracia vai bem
Enquanto a apuração das eleições de metade
do mandato nos EUA é concluída, a disputa pelo Senado segue apertada e deve ser
decidida só em dezembro, num segundo turno na Geórgia. Na Câmara, os democratas
devem perder a maioria. Apesar disso, os republicanos estão frustrados. Pela
conjuntura econômica e por padrões históricos – o partido do presidente sempre
é punido –, seu desempenho deveria ter sido bem melhor.
A questão do aborto – após a Suprema Corte
devolver a decisão sobre sua legalização aos Estados – ajudou os democratas em
alguns lugares. Sobretudo, a estratégia de denunciar o radicalismo dos
republicanos Maga – Make America Great Again, o movimento de Donald Trump –
rendeu dividendos. Com efeito, candidatos trumpistas fracassaram em Estados
onde a vitória era plausível. No dia das eleições, Trump tripudiou: “Se os
republicanos ganharem, eu deveria receber todo o crédito; se perderem, ninguém
deve me culpar”. Mas muitos devem estar pensando se não é o contrário. Sua
reputação de rolo compressor eleitoral está desmoronando.
De fato, desde que venceu a impopular
Hillary Clinton em 2016, Trump só perdeu: primeiro, o controle do Congresso em
2018; depois, a reeleição em 2020. Seus militantes no partido ainda lhe dão
alavancagem nas primárias, mas as urnas provaram que ele é incapaz de vencer a
desconfiança de republicanos moderados e eleitores independentes, muito menos
de virar votos democratas. Durante sua escalada à presidência, muito se falava
dos apoiadores envergonhados. Agora, é possível que entre os quadros do partido
esteja emergindo o fenômeno inverso: dos opositores envergonhados. Mas eles
podem perder a vergonha se encontrarem um adversário competitivo, como o
governador da Flórida, Ron DeSantis: combinando populismo conservador com
competência administrativa, ele conquistou enclaves democratas e maiorias
negras e hispânicas em uma campanha de reeleição esmagadora que transformou um
Estado historicamente dividido em republicano.
Enquanto os democratas celebram seu
desempenho, o risco é de complacência. Eles acusam os republicanos de exagerar
problemas como a economia, a criminalidade e a imigração ilegal, e com razão.
Mas exageros só rendem votos quando há algo a exagerar: a inflação de fato está
alta; a violência, escalando; e as fronteiras, um caos. E, se os exageros
democratas sobre ameaças à democracia também têm base na realidade, é
questionável a viabilidade eleitoral de continuar a se apresentar como bastião
das liberdades contra o trumpismo, sem que os eleitores comecem a desconfiar de
exaustão e oportunismo. Em coletiva após as eleições, o presidente Joe Biden,
questionado sobre o que faria diferente nos próximos anos, respondeu: “Nada”.
Ao dividir o governo entre uma presidência democrata e uma Câmara republicana, o eleitorado mostrou mais pragmatismo do que o tribalismo em Washington e nas mídias sugere. Ele forçou as lideranças partidárias a uma solução de compromisso, atando as mãos de um lado e de outro, enquanto busca melhores opções para 2024.
Sinalizações do novo governo inquietam os
mercados
Valor Econômico
Abandonar regras fiscais, pedir mais gastos
e não indicar rumos é um mau começo
Ao contrário do que se esperava em uma
eleição muito polarizada, os mercados financeiros permaneceram em geral calmos
durante todo o período eleitoral. Com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, começam a se agitar agora, com sinais ruins vindos de
declarações de Lula e das pretensões manifestadas por membros da equipe de
transição. A bolsa chegou a cair mais de 4% ontem (fechou com perda de 3,35%),
enquanto o real se desvalorizou 4,1%. A origem da turbulência é a perspectiva
de piora da situação fiscal.
O presidente eleito e sua equipe mostraram
muito pouco de seu programa econômico durante as eleições e seguem sem
apresentar definições essenciais agora. As intenções de consertar o péssimo e
inadministrável orçamento de 2023, deixado por Jair Bolsonaro, com cortes
gigantescos em saúde, educação e programas sociais parecem ter se transformado
em outra coisa. Na prática, não se discute o orçamento em si, mas uma licença
para gastar que preencha as lacunas atuais da peça orçamentária.
Lula e sua equipe parecem querer cumprir
suas promessas eleitorais quase todas de uma vez e antes mesmo de tomar posse.
A maneira de fazer isto é mais uma vez, como Bolsonaro já fizera com fins
eleitorais, furar o teto de gastos, com uma Proposta de Emenda Constitucional
que retire uma série de despesas dos limites estabelecidos. É unanimidade que o
Auxílio Brasil, para o qual não há dotação para pagar os R$ 600 atuais, mas R$
405, deveria ter complementação de recursos de qualquer forma. Mas outras
promessas de campanha poderiam esperar ou serem reformuladas ao longo do novo
governo, como é o caso da isenção do Imposto de Renda até a faixa dos 5
salários mínimos, e a política de aumento real para o mínimo.
Com R$ 100 bilhões é possível suprir não só
o Auxílio Brasil (R$ 52 bilhões) como R$ 150 por filho de famílias inscritas no
programa (R$ 18 bilhões), prometidos por Lula. Mas a equipe do governo eleito
parece estar decidida a pedir cobertura de R$ 175 bilhões - retirando o novo
Bolsa Família definitivamente do teto de gastos. Com isso, os R$ 105 bilhões
inscritos no orçamento para o programa, para pagamento de R$ 405, ficariam
livres para impulsionar gastos gerais. Ontem, o senador Wellington Dias,
responsável pela negociação do orçamento pelo governo eleito, disse que há a
pretensão de elevar para R$ 100 bilhões os investimentos, para os quais estão
alocados R$ 22,4 bilhões na peça atual.
As emendas parlamentares somam R$ 38
bilhões e as do relator, o orçamento secreto, joia da coroa do Centrão
duramente atacado por Lula em campanha, são R$ 19 bilhões. Após encontro com o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Lula disse que sequer vê o “centrão”
- são todos deputados eleitos, iguais aos outros -, enquanto a presidente do
PT, Gleisi Hoffman, se apressou em afirmar que o PT não terá candidato à
sucessão na Câmara. A PEC de Transição é também uma forma de fugir do problema
e manter transferência de recursos nas sombras para políticos dos partidos
fisiológicos nas mãos de Lira.
O governo abdicou assim de discutir o
orçamento e de tentar a via dos créditos extraordinários, tida como
juridicamente insegura. Parece ter deixado para depois a isenção do IR e a
correção do salário mínimo, mas todos esses movimentos ocorrem sem dar
indicações do formato de sua política fiscal após derrubada do teto. O
presidente eleito disse anteontem que, se depender dele, “no dia 2 de janeiro a
gente já está colocando obra para funcionar... Muitas coisas que as pessoas
falam que é gasto, eu acho que é investimento”.
Ontem, em discurso que provocou
instabilidade nos mercados, Lula indagou: “Por que as pessoas são obrigadas a
sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal deste país?”. Antes,
criticou a reforma da previdência, para dizer depois que, para ele, a regra de
ouro “é garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e
acordar sem ter o que comer”.
Todos os sinais somados indicam que para o
governo eleito parece não haver restrições orçamentárias relevantes ou
fragilidades fiscais. E despreocupação com o fato de a inflação estar ainda
fora da meta (6,47% em 12 meses até outubro) e que uma política fiscal
expansionista impedirá que ela caia logo ou obrigará o Banco Central a manter
juros muito elevados por mais tempo.
Lula deveria indicar para aonde vai sua
política econômica ou apontar seu ministro da Fazenda. Abandonar regras
fiscais, pedir mais gastos e não indicar rumos é um mau começo.
Um comentário:
Qualquer um pode perceber que o Lula quer atingir o prêmio Nobel por ter acabado com a fome no Brasil. Por que a dúvida se está na cara?
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