O Globo
É preciso mirar nos financiadores,
mostrando que a atividade política ilegal não é tolerável para além de 8 de
janeiro
A invasão e depredação das sedes dos Três
Poderes da República — levada a cabo por bolsonaristas radicalizados no dia 8
de janeiro — foi somente o clímax de uma cruzada contra as instituições
democráticas que Bolsonaro e seus seguidores mais próximos vêm conduzindo desde
a eleição de 2018. Quem não se lembra da ameaça do “cabo e soldado”, proferida
por um de seus porta-vozes, o filho Eduardo?
Durante o mandato, o bolsonarismo mirou
principalmente no STF,
uma vez que ocupava o Executivo e conseguiu pacificar o Legislativo à custa de
um acordo altamente danoso à administração pública federal. Ao longo da
campanha de 2022, o TSE foi
incluído na mira do ódio extremista.
Uma vez perdida a eleição, o Executivo, agora ocupado pelo PT, tornou-se o alvo primordial, e o Congresso — em via de celebrar mais um acordo de sustentação da governabilidade — já não poderia ser contado como aliado. Agora, o governo como um todo, o regime mesmo, tornou-se alvo da extrema direita. A invasão da Praça dos Três Poderes —imitação tosca da invasão do Capitólio há dois anos — parecia uma consequência lógica para quem vive no mundo de fantasias criado pelo bolsonarismo.
É compreensível que tal evento mobilize o
debate público no momento atual. Mas ele somente atualiza e torna ainda mais
óbvio e urgente um desafio que já estava posto para Lula e para a democracia
brasileira como um todo antes de sua ocorrência: o desmonte do bolsonarismo, da
maneira como se estruturou até o momento.
Não há alternativa para a democracia
brasileira a não ser combater unida as atividades antidemocráticas da extrema
direita. Isso deve ser feito atentando para sua estrutura comunicacional, que é
sua espinha dorsal. Avessa às instituições, incapaz mesmo de fundar um partido
político, a extrema direita se organizou como um sistema de comunicação entre
lideranças e base, complexo e mais ou menos informal. Esse sistema se assenta
em três pilares: o gabinete do ódio, as mídias tradicionais cooptadas e o
púlpito do cristianismo ultraconservador.
O gabinete do ódio é o nome da cabeça de
uma organização de influenciadores e produtores de conteúdo para as redes
sociais, que estava instalada no Palácio do Planalto. A partir de janeiro, não
mais pode contar com os recursos e a força de trabalho dos cargos comissionados
do Executivo, mas ainda tem à disposição o financiamento ilegal provido por
empresários ultradireitistas ou com interesses escusos na sublevação golpista.
Sobrevive, mas está enfraquecido. É preciso, portanto, focar as lentes das
instituições democráticas nos financiadores, mostrando que a atividade política
ilegal não é tolerável para além do evento de 8 de janeiro.
A conversão das mídias cooptadas e dos
líderes do cristianismo ultraconservador à legalidade democrática é também uma
questão política. A coalizão democrática que ora passa a governar tem canais de
comunicação com esses agentes e deve trabalhar ativamente para que deixem de
ser divulgadores de conteúdo antidemocrático. Ademais, eles também estão
sujeitos ao aparato legal do Estado, que tem mecanismos para coibir abusos.
Por fim, é necessária uma ampla negociação
do governo com as empresas que administram as redes sociais e serviços de
mensageria, para que critérios mais eficazes de combate às notícias falsas e ao
discurso se ódio sejam implantados, como já feito em outros países.
A tarefa é enorme, mas o custo de não a
fazer é muito maior. Ironicamente, a reação das instituições e atores políticos
aos atos terroristas de 8 de janeiro cria oportunidades para fazermos enormes
avanços em direção a esse objetivo. Para alguns especialistas, a extrema
direita é, por definição, uma força política antidemocrática. Se for esse o
caso, que pereça a extrema direita.
*João Feres Júnior é cientista político da Uerj e coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública
2 comentários:
Excelente análise. O autor tem plena razão ao afirmar que a estrutura comunicacional é a espinha dorsal do bolsonarismo ilegal, e que é necessário as instituições do Estado a combaterem.
Isto é um aspecto inovador do bolsonarismo, que ainda não foi bem entendido e muito menos controlado no país.
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