quinta-feira, 23 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Rever venda da Eletrobras é ideia sem cabimento

O Globo

Ao levantar o assunto, Lula semeia insegurança no mercado e deteriora ainda mais gestão da economia

Não tem cabimento a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que pretende entrar com ação na Justiça para que o Estado retome o controle da Eletrobras, privatizada no ano passado. Ela é contrária ao interesse do país por, pelo menos, dois bons motivos. Primeiro, há uma questão prática. As chances de sucesso são ínfimas. A privatização foi aprovada pelo Congresso Nacional e chancelada pelo TCU. Segundo, há uma questão de mérito. A reestatização tornaria a empresa de novo um cabide de empregos, com baixa capacidade de investimento e alta vulnerabilidade a interferências políticas. Seria, ao contrário do que diz Lula, péssimo para o Brasil.

Lula descreve a privatização como “loucura”, mas insanidade era a Eletrobras nas mãos do Estado, em especial nas administrações do PT. Quando o governo Michel Temer deu início à preparação da empresa para ser privatizada, os funcionários somavam 26 mil. Quando o controle passou a investidores privados, caíram para 12 mil. Em fevereiro, cerca de mil foram demitidos, e há ainda 1.500 inscritos no plano de desligamento voluntário. Quando concluída, só essa redução de 2.500 na força de trabalho gerará economia de R$ 95 milhões mensais. Quem pagava a conta de todos os empregos públicos desnecessários mantidos por décadas? Nós, contribuintes.

Nas mãos da iniciativa privada por poucos meses, a Eletrobras já retomou investimentos que andavam paralisados. Ao todo, R$ 5,6 bilhões foram aplicados em 2022, 20% a mais que na comparação com 2021. A expectativa é que esse valor cresça nos próximos anos para R$ 14 bilhões, patamar impossível de alcançar quando a empresa era estatal. Não há como o investimento público — consumido por demandas mais relevantes como educação, saúde ou combate à miséria — competir com o capital privado.

Em 2016, o endividamento era tão alto que a Eletrobras só não corria o risco de entrar em recuperação judicial porque a União bancava as perdas. Se continuasse estatal, sua participação de mercado derreteria ao longo dos anos. Longe de leilões de energia por muito tempo, ela agora volta a competir para crescer na comercialização. Neste ano, o foco será em transmissão, segundo declarações dadas pelo presidente da empresa, Wilson Ferreira Junior. O próximo leilão está previsto para junho e oferecerá projetos em Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.

Mesmo defensores da privatização da Eletrobras reconhecem que ela não ocorreu sem problemas. O principal ficou conhecido como “jabuti das térmicas”. Congressistas favoreceram empresários do setor do gás e incluíram na lei a obrigação de instalar termelétricas onde não há gás nem alto consumo de energia. Foi um erro, mas não justifica rever uma privatização de sucesso. Ao levantar a questão, Lula apenas semeia insegurança no estratégico mercado de energia e cria ainda mais turbulência na gestão da economia. Ele deveria esquecer o assunto e, se for adiante, o Supremo tem o dever de zelar pela sensatez.

Xi busca na Rússia apoio para nova hegemonia global da China

O Globo

Proposta de acordo de paz para guerra na Ucrânia é apenas pretexto para consolidar poderio chinês

Xi Jinping tem senso de oportunidade. Em seu inédito terceiro mandato consecutivo, o líder chinês mais poderoso desde Mao Tsé-Tung acaba de patrocinar uma reconciliação entre o Irã e a Arábia Saudita — inimaginável até há pouco tempo — e agora estreita os laços com a Rússia. Na visita que fez nesta semana ao isolado Vladimir Putin, em Moscou, não apenas consolidou sua influência sobre a Rússia, mas também tentou se credenciar como um mediador com chances concretas de negociar a paz na Ucrânia.

Xi apresentou-se em Moscou como homem da paz, ao contrário de seu anfitrião. Na bagagem levou sua proposta de 12 pontos para o entendimento entre russos e ucranianos. Na atual circunstância, ela jamais seria aceita pelos ucranianos, por não prever a retirada russa dos territórios ocupados. O jogo de cena serve a outro objetivo, como observou o analista Alexander Gabuev, um dos mais argutos observadores russos da China: aprofundar as relações com a Rússia que beneficiem Pequim.

O encontro dos dois autocratas serviu a ambos. As vantagens para Putin são claras: a Rússia ganhou acesso ao mercado chinês para escapar das sanções comerciais impostas por Estados Unidos, Europa e Austrália. Também ganhou apoio para desengavetar o projeto do duto de exportação de gás e óleo à China, essencial para compensar a perda do mercado europeu. Com a aproximação comercial, a Rússia tenta deixar a órbita do dólar e entrar na do yuan, que ganha espaço na tentativa de se consolidar como moeda global. Putin queria ainda apoio militar de Xi, demanda sem chance de ser atendida, por implicar custos pesados para a China e ferir a imagem de neutralidade de quem pretende mediar um acordo de paz.

Um Putin pressionado pelo apoio militar e financeiro do Ocidente à Ucrânia é útil para Xi no embate que trava com os Estados Unidos pela hegemonia global. Ele tenta usar a Rússia para criar um eixo antiamericano numa nova ordem mundial em que Pequim se torna centro de poder. Xi e Putin concordam que não interessa aos americanos e aliados que China e Rússia sejam fortes. Xi acusou os Estados Unidos de adotar uma política de “contenção, cerco e supressão” contra a China. Em artigo no Diário do Povo Chinês, Putin defendeu os mesmos pontos de vista e ainda afirmou que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “pretende penetrar na Ásia pelo Pacífico”.

Denunciado ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade na invasão da Ucrânia, Putin só pode contar com Pequim. Para Xi, convém uma Rússia dócil, garantia de paz na extensa fronteira dos dois países, palco de confrontos armados entre soviéticos e chineses no tempo do comunismo. A diferença é que, naquela época, os soviéticos eram mais poderosos, e a China tinha de se contentar com a posição do primo pobre. Agora os papéis se inverteram — e Xi não faz nenhuma questão de esconder isso.

Saúde nos rincões

Folha de S. Paulo

Mais Médicos volta com desafios como qualificação e permanência de profissionais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a retomada do Mais Médicos, que visa levar profissionais a unidades básicas de saúde de regiões mais carentes ou remotas do país. Neste ano, as 15 mil vagas ofertadas terão custo de R$ 712 milhões. Hoje, 13 mil médicos remanescem no programa.

Lançado em 2013 por Dilma Rousseff (PT), o programa é alvo de críticas de entidades de classe e apresenta distorções para as quais, após 20 anos, buscam-se soluções.

Podem se candidatar profissionais brasileiros, formados aqui ou no exterior, e estrangeiros. Cubanos podem participar, mas a antiga parceria com a ilha foi interrompida. O fato de a ditadura caribenha repassar apenas um quarto do valor pago pelo Brasil aos participantes gerou uma onda de críticas.

Como as de Jair Bolsonaro (PL), durante sua campanha eleitoral de 2018, ao dizer que os cubanos eram explorados. Na época, eles ocupavam mais da metade (8.332) das cerca de 16.200 vagas preenchidas.

Após a eleição daquele ano, Cuba deu fim à parceria, colocando em risco o atendimento à saúde de milhares de famílias.

Em dezembro, 7.120 brasileiros assumiram os postos desocupados. Apenas três meses depois, cerca de 15% (1.052) já haviam abandonado o programa. A maior taxa de desistências (31%) ocorreu em locais cuja população extremamente pobre perfaz 20% ou mais do total.

Contudo, o abandono sempre foi um obstáculo. Entre 2013 e 2017, cerca de 20% dos brasileiros que ingressaram no programa desistiram em até um ano —a duração do contrato era de três anos.

O modelo lançado agora tenta resolver esse problema com incentivos de fixação. Por um deles, o médico receberá adicional de 10% a 20% —a depender da vulnerabilidade do município— da soma das bolsas de todo o período em que esteve no programa. Poderá escolher se quer o incentivo completo ao final de 48 meses ou antecipar 30% do valor após 36 meses.

Outra crítica diz respeito à validação dos diplomas estrangeiros. Esse é a principal divergência das entidades de classe, como o Conselho Federal de Medicina, que explicita motivações corporativistas.

Mas, enquanto brasileiros relutarem em atuar nos rincões mais pobres e as condições de trabalho não melhorarem, torna-se mais difícil exigir a validação. O Mais Médicos é uma intervenção paliativa sobre uma deficiência específica no mercado de trabalho que não tem solução imediata à vista.

Mas, por óbvio, ele não deve ser usado para eximir o poder público de buscar opções, criar infraestrutura e implementar novas tecnologias —como a telemedicina— para tentar resolver o problema de modo estável e duradouro.

Felicidade nota 6

Folha de S. Paulo

Brasil cai 11 posições em ranking, o que não é necessariamente motivo de alarme

Qual é o sentido da vida? A resposta mais próxima de um consenso, descartadas as fornecidas por religiões, é provavelmente a busca da felicidade —ainda que o termo possa significar coisas muito diferentes a depender da pessoa.

A ideia não é propriamente nova. Já no século 4 a.C., Aristóteles afirmou que a "eudaimonia" (felicidade) é o fim de toda ação humana. E, de uma forma bastante moderna, observou que a "eudaimonia" dependia tanto de fatores externos, como condições materiais e de saúde, quanto das disposições internas do indivíduo.

Mais de dois milênios depois, Jeremy Bentham (1748-1832) não só definiu que a meta das políticas públicas deveria ser promover a felicidade dos súditos como fez a primeira tentativa de calculá-la. O objetivo não passou despercebido a homens de Estado.

Thomas Jefferson (1743-1826), um dos pais fundadores dos EUA, incluiu a "busca pela felicidade" entre os direitos inalienáveis elencados na Declaração de Independência, ao lado da vida e da liberdade.

Nesta semana foi divulgada mais uma edição do ranking global de felicidade da ONU. Utiliza-se no trabalho um índice calculado a partir de uma pesquisa de opinião em que cerca de mil pessoas de cada país dão notas de 1 a 10 a suas vidas, além de dados relativos a PIB per capita, expectativa de vida saudável, liberdade, generosidade, apoio social e percepção de corrupção.

O Brasil caiu 11 posições em um ano, o que não é necessariamente motivo para alarme. O indicador brasileiro recuou de 6.293 pontos para 6.125, uma variação modesta. Nossa posição relativa mudou em larga medida porque outras nações nos ultrapassaram. Felicidade não é jogo de soma zero.

Uma crítica frequente a índices como esse e o IDH (de desenvolvimento humano), ambos da ONU, é que seus critérios acabam por medir quão escandinavo é um país —e os nórdicos, não por acaso, dominam as primeiras colocações.

Trata-se, é claro, de mérito dessas nações, que de fato oferecem excelentes condições de vida a suas populações. Mas há aí também algum nível de arbitrariedade.

Não há dúvida de que é melhor viver num país com menos corrupção, mas essa dimensão poderia perfeitamente ser substituída por uma outra —integração com a natureza, por exemplo— e ainda estaríamos medindo felicidade. Nessa hipótese, países de outras regiões talvez se saíssem melhor.

Militantes do atraso

O Estado de S. Paulo.

Lula quer retomar poder sobre a Eletrobras na Justiça, ato que só trará prejuízos à empresa e afastará investidores, ampliando incertezas e a percepção de risco sobre seu governo

Lula quer retomar poder sobre a Eletrobras na Justiça, ato que só trará prejuízos à empresa e afastará investidor.

Ogoverno estuda uma forma de retomar os mandos e desmandos sobre a Eletrobras. Com pouco mais de 40% dos papéis da empresa, a União detém hoje 10% do poder de voto nas assembleias, conforme definido no estatuto da companhia, limitação que vale para todos os demais acionistas e que foi fundamental para viabilizar sua privatização. Na avaliação do presidente Lula da Silva, no entanto, isso seria um “crime de lesa-pátria”.

“Eu espero que um dia, se a gente tiver condições, a gente volte a ser dono da maior empresa de energia que esse país já teve”, disse Lula, em entrevista ao portal Brasil 247. Para concretizar esse plano, o governo analisa apresentar uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que o limite de 10% para o poder de voto da União fixado no estatuto é inconstitucional, segundo noticiou o jornal O Globo.

A atitude é lamentável e inconsequente, mas não surpreende. Ainda na campanha eleitoral, Lula deixou claro não se conformar com a privatização da Eletrobras, posição que ele, enquanto candidato, tinha todo o direito de explorar. Como presidente, no entanto, Lula parece perdido e muito mal assessorado, pois essa estratégia embute inúmeros equívocos.

Em primeiro lugar, trata-se de explícita quebra de contrato. A privatização da Eletrobras seguiu um modelo consagrado conhecido como corporation, que se baseia justamente no fato de não haver um dono para comandar a empresa. Essa configuração, vista como uma forma de proteger a companhia de ingerências políticas, foi essencial para trazer novos investidores ao negócio, inclusive trabalhadores que aplicaram parte de seu FGTS confiando nesse processo.

A União não foi lesada, mas muito bem remunerada para deixar de cometer atos que causaram prejuízos bilionários à Eletrobras, sobretudo durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Porém, se ainda assim o governo quiser retomar o controle da empresa, há alternativas previstas no próprio estatuto. Basta abrir o cofre e pagar aos acionistas o triplo do valor das ações, drenando recursos em detrimento de outras políticas públicas nas áreas de educação, saúde e de transferência de renda, por exemplo.

Nem parece que foi o mesmo Lula que instou lideranças a contribuírem para o fim da judicialização da política. Em reunião realizada com governadores no fim de janeiro, o presidente pediu a eles que parassem de recorrer ao Judiciário para invadir competências do Legislativo. Se ouvisse a si mesmo, o presidente deveria propor a alteração do estatuto da Eletrobras ao Congresso, correndo o risco de sofrer uma derrota acachapante. Se não o faz, é somente porque sabe que a privatização da companhia é fato consumado e que suas bravatas não mobilizam ninguém além dos membros de seu próprio partido.

A proposta que permitiu a capitalização da companhia foi aprovada por ampla maioria no Legislativo. Como alertamos neste mesmo espaço, longe de ser a melhor alternativa, o texto recebeu inúmeros jabutis, entre os quais o que obriga a construção de termoelétricas em locais onde não há reservas de gás, gasodutos ou linhas de transmissão para escoar a energia até os centros de consumo.

Viabilizar essas usinas no interior do País, em vez de construí-las na costa, próximas das reservas e da carga, é um exemplo de projeto caro e ineficiente, mas contra esse aspecto perverso da privatização da Eletrobras o governo Lula não se insurgiu. Pelo contrário: tudo indica que pretende obrigar outra estatal, a PPSA, a construir, operar e manter gasodutos, um projeto que o setor estima que possa desperdiçar até R$ 120 bilhões.

É impressionante o quanto Lula tem trabalhado contra si mesmo e seu próprio governo. Em vez de aproveitar o início de seu terceiro mandato para articular uma maioria parlamentar e aprovar a âncora fiscal e a reforma tributária, o presidente perde tempo com uma verborragia que só contribui para afastar investidores, aumentar o risco associado ao setor elétrico e ampliar incertezas no cenário econômico como um todo. Um presidente assim nem precisa de oposição.

Rússia, peão chinês

O Estado de S. Paulo.

Em tese, a China é neutra e quer a paz. Na prática, extrai benefícios da guerra, favorecendo a Rússia para ter um vassalo no confronto com Ocidente e em suas pretensões sobre Taiwan

Analistas definem a posição da China em relação à guerra na Ucrânia como uma “neutralidade pró-Rússia”. A ambivalência foi comprovada na visita do presidente Xi Jinping à Rússia. De jure, a China é neutra e Xi foi a Moscou em missão de paz. De facto, o encontro com Vladimir Putin foi uma enfática demonstração de solidariedade, crucial para as ambições geopolíticas chinesas: consolidar a narrativa de um Ocidente em declínio e um Oriente em ascensão e substituir a “ordem internacional baseada em regras” liderada pelos EUA pela “Iniciativa de Segurança Global” do Partido Comunista Chinês.

Para Xi convém figurar como pacificador. Por um lado, para abastecer a acusação aos EUA – apta a vencer a batalha de opinião no “Sul global” – como uma potência belicosa que divide o mundo entre amigos e inimigos. Ao mesmo tempo, o repúdio a expedientes nucleares, a evasiva ao pedido de armas pela Rússia e as promessas de um telefonema ao presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, foram projetados para reabilitar a reputação da China na Europa, seu principal parceiro comercial ao lado dos EUA. A mediação da reaproximação entre Irã e Arábia Saudita edulcorou as credenciais pacifistas de Xi e seu “plano de paz” foi elogiado pelos russos.

Mas, na prática, Xi tem pouco interesse em uma mediação neste momento. Primeiro, porque nem Rússia nem Ucrânia a querem – ambas creem poder conquistar posições no campo de batalha. Além disso, seu plano é impraticável para os ucranianos – ele advoga o fim das sanções ocidentais sem dizer nada sobre a desocupação de territórios pelos russos. De resto, como resumiu Alexander Gabuev, um pesquisador russo exilado especialista em China, os chineses “entendem que o momento é muito propício para enfiar a Rússia mais fundo em seu bolso”.

Em 2022, as exportações de petróleo e gás russo para a China quase dobraram. As exportações chinesas para a Rússia cresceram 12,8%. No confronto da China com os EUA, que poderia ser acirrado por hostilidades a Taiwan, a Rússia é fonte crucial de energia, tecnologia militar e apoio diplomático.

Se o fim da guerra interessa pouco a Xi, uma derrota russa interessa ainda menos. Ela pesaria a balança do poder em favor dos EUA e da Otan e o que eles representam: a democracia liberal. Concomitante às generalidades de Xi sobre a neutralidade da China, seus diplomatas e a mídia oficial repercutem a narrativa de Putin de que a culpa pela guerra é a expansão da Otan e o hegemonismo dos EUA. Se há tratativas para o envio de armas à Rússia, são sigilosas, mas seriam uma alarmante inflexão na estratégia de ambivalência da China.

Esse é só mais um ponto volátil no equilíbrio de forças entre China e EUA. As perspectivas de uma estabilização nas relações bilaterais após o encontro entre Xi e o presidente americano, Joe Biden, em novembro passado foram, por ora, esvaziadas quando um balão de espionagem chinês foi abatido nos EUA em fevereiro. Ainda assim, o mundo precisa desesperadamente que as duas potências oxigenem sua comunicação e criem anteparos para garantir competição e trocas no plano econômico, cooperação em desafios globais (como as mudanças climáticas) e convivência no plano geopolítico. Neste último ponto, a antiga guerra fria tem lições úteis a oferecer. Mas o alinhamento entre Rússia e China não é alvissareiro.

Após a 2.ª Guerra Mundial, a aproximação dos americanos à China para aprofundar seu cisma com a União Soviética foi fundamental para encerrar a guerra fria. Agora, mesmo que a parceria entre China e Rússia não seja “sem limites”, como alegam, é cada vez mais estreita. Ao mesmo tempo, é cada vez mais distante de uma “amizade” entre iguais e cada vez mais próxima à relação entre um suserano – uma China menos preocupada com as “reformas e aberturas” econômicas das últimas décadas do que com “segurança e controle” geopolíticos – e um vassalo – uma Rússia com ambições de restaurar um império eslavo. Isso só aproxima o mundo de uma 3.ª guerra mundial. Evitá-la a qualquer custo é o grande desafio desta geração.

Mais médicos onde eles são necessários

O Estado de S. Paulo

Não faltam médicos. Desafio é estimulá-los a ir cuidar dos cidadãos há muito esquecidos nos rincões do Brasil

A Constituição de 1988 trouxe avanços em muitas áreas, mas em poucas representou um salto civilizatório como na área da saúde. Até a sua promulgação, os serviços de saúde eram tratados no País sob a lógica mercantil, vale dizer, eram vistos como produtos – aos quais, evidentemente, a maioria da população não tinha acesso. Ao passar a tratar a saúde como direito de todos e dever do Estado (art. 196), a Constituição promoveu uma revolução no setor. Dois anos depois, esse primado humanista se materializou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Sem prejuízo do reconhecimento de suas inolvidáveis qualidades – a pandemia que o diga, apenas para citar um exemplo ainda vivo na memória coletiva –, o SUS, mais de três décadas após seu advento, ainda tem deficiências que precisam ser superadas para que, de fato, todos os brasileiros tenham acesso à saúde, como lhes garante a Constituição. O subfinanciamento do sistema é a principal delas.

Se o governo Lula da Silva trabalhar bem, duas outras carências do SUS – a má distribuição de médicos pelo território nacional e a baixa oferta de serviços especializados – poderão ser supridas pelo novo programa Mais Médicos, lançado oficialmente pelo Ministério da Saúde no dia 20 passado.

De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o Mais Médicos reformulado privilegiará a contratação de médicos formados no Brasil, além de promover ações de estímulo à permanência desses profissionais em áreas remotas ou periféricas do País. Entre as políticas de retenção anunciadas estão o pagamento de bônus aos médicos que se dispuserem a trabalhar onde ninguém quer e a facilitação de ingresso em programas de especialização, com apoio de centros de excelência em medicina. Uma das razões alegadas por médicos brasileiros que desistiram do Mais Médicos era justamente a ausência de meios para sua qualificação profissional.

Em uma segunda fase, o novo Mais Médicos também promoverá a presença de especialistas em pontos remotos ou periféricos do País. A Medicina de Família e Comunidade, sem dúvida, é uma especialidade relevantíssima, mas, por óbvio, não dá conta de cobrir a miríade de serviços de saúde necessários nessas localidades.

Tal como foi apresentado, o novo Mais Médicos traz avanços significativos em relação ao modelo original do programa, lançado por Dilma Rousseff em 2013. Àquela época, o foco não era atrair brasileiros, era povoar os rincões do País com médicos cubanos. Pouco importava se esses profissionais tinham condições para exercer a medicina, menos ainda o tratamento que recebiam da ditadura de Cuba, interessada no acordo com o governo brasileiro como fonte de financiamento de seu regime de exceção.

A falta de médicos deixou de ser um problema entre nós há tempos. Hoje, o País tem médicos em proporção similar à de países desenvolvidos, como EUA e Canadá (cerca de 2,6 por mil habitantes). O desafio é estimular esses profissionais a não se concentrar nos grandes centros e ir cuidar dos cidadãos que têm sido esquecidos nos rincões do Brasil.

Fed eleva juro e abrevia o aperto; BCB mantém taxa

Valor Econômico

Segundo Powell, é possível que o que parecia ser uma crise a caminho dos bancos seja um episódio isolado

Apesar das pressões do governo Lula, o Banco Central manteve a taxa de juros em 13,75% e deu sinal tênue, no balanço de riscos, de que pode reduzi-la, menos pelo ajuste fiscal prometido, que ninguém sabe qual é, e mais por restrições ao crédito provocadas pelo aperto monetário.

Apesar das turbulências no setor bancário americano, o Federal Reserve aumentou os juros em 0,25 ponto percentual e indicou que o ciclo de aperto monetário está perto do fim, com mais uma alta possível em maio, da mesma magnitude, se tudo correr bem e novas ondas de saques bancários não arruinarem seu cenário básico. Jerome Powell, presidente do banco, foi claro e interrompeu a festa dos investidores que começava: não cogita cortar juros este ano.

O Copom acrescentou aos fatores que poderiam reduzir a taxa de juros a “desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária”. Também importante, substituiu um fator potencial de alta da inflação, o “hiato mais estreito” do produto - sinal de que não há mais dúvida sobre a direção da desaceleração da economia - pela desancoragem da inflação em prazos longos. A inflação no cenário de referência subiu.

Já a decisão do Fed sobre os próximos passos da política monetária foi a mais difícil e delicada nos últimos meses. Powell havia sinalizado há pouco mais de duas semanas que o Fed caminhava para um aumento do ritmo de aperto e altas sucessivas de juros. A quebra de três bancos foi suficiente para que o Fed cogitasse encerrar as altas.

O comunicado da reunião de ontem não muda muito a avaliação da economia - consumo e investimentos estão esfriando, mas o mercado de trabalho continua quente e a inflação, muito elevada. Os efeitos da guerra da Ucrânia deixaram de ser mencionados, dando lugar a possíveis efeitos da quebra de bancos. O sistema financeiro, segundo o Fed, é seguro e resistente, mas os fatos recentes “provavelmente resultarão em condições de crédito mais apertadas para famílias e empresas e pesarão na atividade econômica, no emprego e na inflação”.

Com base nesses efeitos, cuja extensão é “incerta”, o Fed mudou sua principal orientação futura, de “aumentos contínuos” para apenas um aumento adicional que leve a instância da política monetária a ser “suficientemente restritiva”. O Fed tomou essa decisão por unanimidade. No mapa do que os membros do Fomc esperam para o futuro, esse será o último aumento de juros, levando a taxa terminal do ciclo a 5,25% - pelas sinalizações anteriores, ela poderia ir mais longe, até 6%. Dez dos 18 membros do comitê previram esta taxa, enquanto mais 3 queriam levá-la a 5,5% e outros 3, a 5,75%.

O cenário mediano do comitê mudou pouco. O PIB este ano será de 0,4%, o desemprego, 4,5% (4,6% na projeção de dezembro), a inflação, medida pelos gastos pessoais de consumo, será maior (3,3% agora, ante 3,1%), assim como seu núcleo (3,6% ante 3,5%). A mediana dos juros em 2023 não variou, mas cairão um pouco mais devagar em 2024 (4,3% ante 4,1%).

Em entrevista, Powell disse que as condições financeiras já estão mais apertadas do que aparecem nos índices e que isso tem o mesmo efeito de um aumento de juros pelo Fed. Relatório do Goldman Sachs estima que essa restrição pode equivaler a algo como 0,25 a 0,5 ponto de alta nos fed funds, enquanto outros analistas projetam algo mais intenso, em torno de 1,5 ponto.

Qual será a extensão e a duração da piora das condições financeiras é impossível saber, disse Powell. Mas o peso das instituições de médio e pequeno porte nos EUA é relevante, em especial no financiamento de imóveis comerciais (perto de 80%), que certamente se contrairá. Elas concentram cerca de 40% dos ativos do sistema financeiro.

Segundo Powell, o futuro segue cheio de incertezas. Uma das possibilidades é que o que parecia ser uma crise importante dos bancos seja só um episódio isolado e as restrições financeiras, temporárias. Então, com uma inflação ainda alta, o Fed precisaria usar mais os juros para levá-la à meta de 2%.

A outra possibilidade é que os abalos no sistema financeiro sejam intensos e desaqueçam muito a economia, o mercado de trabalho e a inflação, de forma que só mais um aumento nos juros complete o serviço de derrotar a inflação. Por isso, as decisões dependentes dos dados continuam obrigatórias na orientação futura. Mas, a julgar pelas reviravoltas seguidas em poucos meses, esse roteiro será modificado pela realidade.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Russia, peão chinês.

Difícil comentar uma bobagem dessa sem perder as estribeiras ou pensar na real vassalagem mundial ao poderio americano como sempre seguiu esse jornal. O engraçado dos liberais é que eles defendem a "competição" desde que nao entre em jogo novos adversários, pq senao titio sam pega a bola e diz que a bola é dele e vai embora. A liberais.... livre mercado e soft power só se atenderem os seus propósitos não?