Folha de S. Paulo
Lula raramente acerta nos improvisos, mas seu
governo neste ano é inequivocamente positivo
O presidente Lula raramente
acerta nos improvisos. Foram muitos os despropósitos que perpetrou durante o
ano, de microfone em punho e nenhum texto a guiá-lo. Governante algum, porém,
deve ser avaliado pelo que diz sem pensar, mesmo que se dê à retórica a devida
importância política. Melhor olhar para o que realizou, nas circunstâncias
dadas.
Isso feito, o resultado do primeiro ano de Lula 3 é inequivocamente positivo. Começando pelo que é fundamental. O teto fiscal desabado foi substituído pelo chamado Novo Arcabouço Fiscal, um conjunto de regras que dão instrumentos para a gestão responsável dos recursos públicos, colocando no horizonte a diminuição do déficit fiscal. A esse avanço seguiu-se a aprovação pelo Congresso de medidas necessárias para assegurar sua viabilidade. E, já com o ano por terminar, deputados e senadores emplacaram a primeira fase da reforma do sistema tributário —na agenda do país há quatro décadas.
Nenhum desses feitos foi trivial.
Representaram, cada qual a seu modo, uma vitória sobre ideias enraizadas na
esquerda em geral —e no PT em
particular—, opostas à noção de equilíbrio fiscal. Implicaram também em
enfrentar interesses poderosos de todos quantos, na esfera privada ou no
sistema político, fartaram-se de pôr o Estado a serviço de benefícios
particularistas, com pencas de vantagens e recursos para alimentar clientelas
eleitorais.
Foi ainda uma vitória de um estilo político
democrático —encarnado pelo ministro Fernando Haddad—que
se assenta no diálogo, no convencimento e na negociação em busca de
convergências. Esse, de resto, é o único estilo político capaz de dar frutos
para um governo de coalizão tão ampla, a ponto de percorrer o espectro
político, da direita à esquerda, e que precisa se entender com um Congresso
partidariamente fragmentado e majoritariamente conservador.
O governo foi bem, ainda, no que teve de
reconstruir na área social. Aí estão um Bolsa Família vitaminado
e mais bem focalizado, aumento real do salário-mínimo, restauração do Minha
Casa, Minha Vida, reconstituição dos instrumentos e agências de monitoramento e
proteção ambiental, sem esquecer os programas e iniciativas em saúde e
educação. A novidade ficou por conta do Desenrola, para aliviar a vida da
legião de pequenos devedores.
Com o Plano de Transição Ecológica, da
dupla Marina
Silva e Haddad, o governo hasteou as promessas de um futuro
sustentável e de um papel internacional ativo para o país.
Decerto, nada do que foi feito —ou proposto—
é sólido e pode adernar no mar de carências, iniquidades e do atraso que cerca
o país. A ver em 2024.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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