O Globo
Deputados e senadores, na última semana, se
excederam no trabalho de demolir a confiança em deputados e senadores
A sessão estava tão vazia que o senador
Eduardo Gomes, um dos presentes, ironizou: “está difícil achar lugar no
plenário”. Nem os presidentes das duas casas compareceram. Naquela ausência, e
da maneira mais rápida possível, o deputado Marcos Pereira promulgou a PEC da
Anistia. Por ela um poder político, dominado por homens brancos,
perdoava-se por não ter cumprido a lei que mandou investir em candidaturas de
pessoas negras. De cambulhada, os partidos davam a si mesmos perdão de todas as
dívidas tributárias. Os partidos poderão pagar sem juros e sem multas o muito
que devem à Receita. Tudo havia sido aprovado à sorrelfa, em 20 minutos.
Eles escondem seus rostos, eles dissimulam
suas práticas, eles não comparecem à promulgação de seus próprios atos, mas
continuam com seu projeto 8 de janeiro. Deputados e senadores nessa última
semana se excederam no trabalho de demolir a confiança em deputados e
senadores. Foi uma semana de esforço concentrado, em que parlamentares
legislaram para si próprios e usaram o poder para ameaçar outros poderes.
A semana havia começado com um almoço em que o deputado Arthur Lira chegou enfezado e o senador Rodrigo Pacheco cooperativo. Isolado, Lira fez que cedeu no almoço servido no Supremo para pôr ordem na farra de emendas pix, pizza, rachadinhas, individuais, de bancada, de comissão, impositivas. Através delas e seus expedientes o Congresso tem subvertido o princípio de que, na divisão de papeis entre os três poderes, cabe ao executivo executar o Orçamento.
Ao voltar do almoço no STF que
traçou uma linha de recuperação da institucionalidade, Lira abriu sua caixa dos
horrores. De lá sacou duas propostas de ameaça ao Supremo. Uma delas chega a
ser bizarra de tão inconstitucional. Daria ao Congresso o poder de reverter
decisões do Supremo. A outra, que tem mais apoio, é a de limitar decisões
monocráticas dos ministros do Supremo. Para que ficasse claro que era uma
ofensa, e não uma proposta de aperfeiçoamento, a deputada Caroline de Toni
entregou a análise da admissibilidade a um investigado pelo Supremo por atos
golpistas, deputado Filipe Barros. Era uma provocação. Filipe Barros é suspeito
de quebrar sigilo de investigação federal para entregá-la ao ex-presidente Jair
Bolsonaro, de disseminar mentiras e promover ataques aos ministros do STF.
Caroline, por sua vez, foi escolhida para a honrosa Comissão de Constituição e
Justiça para tentar achar uma brecha que anistie Bolsonaro de seus ataques à
democracia. E, também, pelas suas posições extremistas contra as vacinas e a
favor favor do homeschooling.
O ato do Congresso sobre decisões
monocráticas poderá ter efeito bumerangue. São incontáveis os parlamentares já
beneficiados por decisões individuais dos ministros quando algo supostamente
fere os seus direitos e garantias. Em setembro de 2023, o ministro Gilmar Mendes determinou
à Polícia Federal que destruísse todos os áudios captados por ordem da Justiça
Federal em Alagoas que pudessem atingir Arthur Lira. A operação Hefesto
investigava suspeitas de irregularidades na compra de kits de robótica pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Gilmar havia anulado as provas
que mandou destruir. Monocraticamente. Seguiu entendimento do PGR de que se a
investigação envolvia deputado não poderia ter sido feita na instância
estadual.
O Congresso dedicou-se na semana passada ao
esforço concentrado em seus próprios interesses. A CCJ do Senado aprovou o mais
forte ataque à lei da ficha limpa, diminuindo o tempo da inelegibilidade de
políticos condenados. O projeto nasceu na Câmara e foi de autoria da deputada
Dani Cunha, filha de Eduardo Cunha, que a lei beneficiará, antecipando o fim do
seu tempo de afastamento da política, de 2027 para 2024. Assim, em causa
própria, ou usando os poderes para ameaçar outros poderes, o Congresso continua
o trabalho de desmonte interno. O prédio foi fisicamente atacado por golpistas
no 8 de janeiro. Lá dentro propostas têm frequentemente atacado um bem
imaterial, a confiança na instituição do Parlamento. Isso é mais demolidor.
Sou da geração que viu o Congresso ser
fechado por tropas e tanques. Trago na memória a sensação do ar grosso e seco
tentando chegar aos pulmões quando isso aconteceu. Tenho, por isso, uma enorme
paciência com os erros dos parlamentares. Mas a maioria do país é mais jovem e
pode achar que o Congresso não vale seu preço.
Um comentário:
Verdade.
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