Folha de S. Paulo
Aumento de imposto de importação sobre
produtos de vizinhos pode ser coisa pouca
O começo da guerra
comercial de Donald Trump causa
sensação "pop". É assunto vívido, que pode ser traduzido em histórias
concretas, em dramas de empresas, em aumentos de preços de carros,
"avocados" ou "maple syrup" (xarope de bordo canadense,
aquele da panqueca). "Homens fortes", ditadores e cafajestes
poderosos em geral, dão audiência. Dados os riscos sérios, o que se passa agora
parece mera escaramuça de fronteira, porém.
Sabemos muito pouco. Nem mesmo a grande finança por ora acredita que Trump irá muito mais longe nessa "burrice", como diz o Wall Street Journal. Vide a reação ainda moderada nos mercados financeiros, de resto incerta: foi para o vinagre a previsão de que inflação, juros e dólar subiriam por causa das "tarifas". Por ora, o temor é de PIB e juros de longo prazo em queda.
De prazo marcado e decisivo, quanto a
relações econômicas internacionais, há abril. Trump ordenou que sejam
analisadas as políticas de outros países que possam afetar empresas americanas.
A lista vai de barreiras não tarifárias a impostos domésticos (como o nosso
ICMS), de subsídios a políticas de compras de governos ou mesmo restrições
jurídicas (como no caso da "liberdade" de "big techs").
Pode ser uma tentativa de abrir mercados, sob ameaça de retaliação via impostos
de importação ("tarifas"). Pode ser guerra total.
Em março, começa a se definir a política fiscal de Trump (gastos, impostos), se
haverá mais déficit e dívida, o que afeta moedas e juros do mundo —é tema
chato, ao qual se dá pouca atenção, e decisivo. Se Trump avacalhar a política
macroeconômica, ignorar o poder do Congresso sobre o Orçamento e criar risco
muito grande para aplicações financeiras nos EUA, mais um pouco do crédito
americano se vai —é algum risco para o financiamento dos déficits fiscal e
externo do país.
Quais as reações? Alguma inflação extra, setores afetados por retaliações e PIB
mais fraco podem derrubar o prestígio de Trump? Ou a maioria vai gostar de ter
um "Duce"? Qual a reação do Partido Republicano diante do risco de
perder votos? Nem todos os setores da elite econômica podem ganhar (indústria,
"big techs", agricultura, serviços outros) ao mesmo tempo. Vão entrar
em conflito? Os derrotados vão fazer oposição a Trump? Essa política pode ser
crucial, pois talvez determine duração, profundidade e danos da loucura, que
vai muito além de problemas econômicos, apenas pincelados aqui. Enfim, é
preciso saber quanto dessa "loucura" é Trump e quanto é política do
establishment.
Alguns efeitos não são dramáticos, demoram a aparecer, mas são sequelas
importantes. A epidemia de Covid suscitou o desejo ou a necessidade de manter
ou criar certas "indústrias nacionais", assim como o fez a guerra da
Ucrânia. O confisco das reservas internacionais da Rússia provocou medo e até
atitudes práticas quanto a deixar dinheiro guardado no "Ocidente". As
tarifas de Trump 1 mudaram atitudes na China etc.,
assim como a OMC zumbi animou o protecionismo. A ruína da Otan talvez leve a
Europa a, enfim, juntar exércitos e colocar a mão no bolso (meio vazio) para
bancá-los. Kaja Kallas, espécie de ministra das Relações Exteriores da União
Europeia, escreveu em rede social que "o mundo livre precisa de um novo
líder"; "cabe a nós, europeus, assumir esse desafio".
Imposto de importação, "tarifas", pode ser fichinha.
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