quarta-feira, 5 de março de 2025

Carro-pipa, o emergencial que virou permanente - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Possivelmente, seria melhor construir mais cisternas no semiárido nordestino e deixar os carros-pipa para atendimentos complementares

Às vésperas do Carnaval, na última quinta-feira, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MDIR) anunciou a liberação de recursos para a Operação Carro-Pipa. A paralisação do programa, por falta de pagamento aos “pipeiros”, ameaçava o abastecimento de famílias e dava combustível à oposição num dos principais redutos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o sertão nordestino.

Com o Orçamento de 2025 ainda em análise no Congresso Nacional, os recursos disponíveis para a pasta foram insuficientes para manter os pagamentos em dia, informou o MIDR em nota.

A expectativa da pasta é que o orçamento seja aprovado agora em março, evitando novos atrasos.

O entendimento entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito das emendas parlamentares ao Orçamento, homologado por unanimidade pela corte em pleno feriadão, deverá destravar as votações.

No ano passado, o custo da contratação de pipeiros ficou em R$ 458,9 milhões. É um valor que se mantém mais ou menos no mesmo patamar desde 2018, mas já esteve na casa dos R$ 700 milhões em anos com estiagem mais rigorosa.

Uma lupa lançada sobre a operação concluiu que se trata de um programa emergencial que, contraditoriamente, opera de forma quase permanente. Sendo assim, a pergunta é se a população que dele necessita tem sido atendida da melhor forma, e da maneira mais econômica. Possivelmente, seria melhor construir mais cisternas na região e deixar os carros-pipa para atendimentos complementares.

Essa é a mensagem central do documento "Relatório de Avaliação - Operação Carro-Pipa”, coordenado por Jossifram Almeida Soares, da Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (SMA) do Ministério do Planejamento. O documento foi publicado no ano passado, como parte de um ciclo de avaliações de gastos que abarcou outros programas voltados à questão climática: o Fundo Amazônia, a política de combate ao desmatamento e o uso de usinas térmicas.

A análise da Operação Carro-Pipa deixou evidente a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre como os vários programas da União, dos Estados e dos municípios interagem para mitigar o problema da seca no semiárido nordestino. Pode haver sobreposições, como pode haver vazios.

Esse raio-x mais aprofundado está em curso, coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). A ideia é formular uma política estrutural para o abastecimento do semiárido nordestino - que se torna cada vez mais necessária, diante do aquecimento global e dos fenômenos climáticos extremos.

O relatório mostra que, de 2012 até 2022, 47% dos municípios atendidos utilizaram a Operação Carro-Pipa por 80% ou mais do tempo.

“A solução emergencial é cara, porque é emergencial”, comentou o subsecretário de Gestão, Formulação e Uso de Avaliação de Políticas Públicas, Rodrigo de Castro Luz.

“A avaliação questionou se não se deveria investir em uma infraestrutura que tornasse a região mais resiliente às secas”, completou Soares. “As cisternas são opções preferenciais porque dão autonomia às famílias.” Nessa alternativa, as águas das chuvas são coletadas pelos telhados das casas e armazenadas em caixas d’água.

O relatório comparou o custo do carro-pipa com o da construção das cisternas e concluiu que, na maior parte dos casos, a segunda alternativa é mais econômica. A Operação Carro-Pipa se mostrou mais vantajosa apenas nos cenários em que o uso do programa emergencial é curto, por até quatro meses. No entanto, os registros mostram que 76,6% dos municípios utilizam a operação por mais de oito meses no ano.

O trabalho conclui com algumas recomendações de melhoria na governança do programa. Por exemplo: aprimorar o sistema de monitoramento.

Questionado, o MIDR informou que o sistema de monitoramento é aprimorado constantemente. “Cabe destacar o tamanho excepcional que a operação possui, bem como a elevada sensibilidade dessa ação junto à população do semiárido”, comentou. A pasta informou sobre outras ações em curso para melhorar estruturalmente o abastecimento de água no Nordeste, sendo a principal a integração de bacias do rio São Francisco.

A avaliação é uma ferramenta que dá critérios para “entender se as políticas estão bem estruturadas em relação à relevância que elas têm”, comentou o secretário-adjunto de Monitoramento e Avaliação, Wesley Matheus de Oliveira.

“Mas, para além disso, podemos perceber políticas que não operam adequadamente e trabalhar a qualidade alocativa”, informou. No caso do carro-pipa, uma possibilidade seria migrar gradualmente os recursos para a construção de cisternas, disse.

Menor do que R$ 1 bilhão num orçamento contado em trilhões, a Operação Carro-Pipa é uma despesa muito pequena no conjunto da União. Ainda assim, a avaliação demonstra que há como melhorar o uso daqueles recursos. Se o objetivo é buscar um Estado eficiente, a avaliação de políticas públicas precisa ser expandida e fortalecida.

 

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