Valor Econômico
Pesquisa dois dias após o 8 de janeiro registra que 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no Brasil
A rápida e desafiadora transformação
econômica e social da China sob um regime político centralizado tem se dado em
paralelo à ascensão de políticos “anti-establishment”, que se colocam acima das
instituições, nos EUA e em países da Europa. Com isso, avança o fortalecimento
da visão de que o modelo político predominante no Ocidente representa um
obstáculo para o desenvolvimento econômico.
Na essência deste argumento, está a conjectura de que a chamada democracia liberal impõe processos decisórios lentos devido à necessidade de maiorias e convergências institucionais, dificultando a implementação de reformas estruturais. Além disso, políticos eleitos podem priorizar medidas populistas de curto prazo em vez de políticas econômicas sustentáveis com retornos apenas no longo prazo. Em contraste, regimes baseados no centralismo do poder têm melhores condições de agir rapidamente, promovendo transformações aceleradas e investimentos em projetos com altos retornos no curto e longo prazo.
Por outro lado, existe a hipótese de que a
democracia liberal, modelo dominante na ordem institucional dos Estados Unidos
e dos países europeus a partir da segunda metade do século XX, seja um fator de
grande peso positivo para o desenvolvimento econômico. Isto porque gera
estabilidade institucional, segurança jurídica e transparência, fatores
essenciais para viabilizar investimentos privados. De acordo com alguns
pesquisadores, este modelo reduziria riscos de decisões arbitrárias,
favorecendo políticas econômicas mais sustentáveis. Ademais, ao buscar maior
participação popular, incentivaria investimentos em educação, saúde e
infraestrutura, pilares do desenvolvimento de um país. Neste modelo, a
liberdade de imprensa tem papel fundamental ao ajudar na fiscalização da
sociedade, reduzindo a corrupção e aumentando a eficiência do setor público.
Se o voto universal estivesse em vigor no
início do seculo XX, a extrema pobreza estaria extinta em 1960
É importante ressalvar que a democracia
liberal nos EUA e na Europa é relativamente um sistema político jovem, a
exemplo de que apenas a partir de 1965 os negros americanos ganharam
efetivamente o direito ao voto e o direito ao sufrágio feminino na Suíça foi
permitido apenas em 1971. No entanto, o que a evidência empírica mostra a
respeito dos impactos do modelo institucional político do Ocidente sobre o
desenvolvimento dos países? Seria o caso da China uma exceção?
Em um influente artigo de 2019, publicado no
Journal of Political Economy, Daron Acemoglu, Prêmio Nobel de Economia do ano
passado, com colaboradores, investiga, em uma amostra de 175 países, exatamente
como a democracia liberal influenciou o progresso econômico dos países.
Usando diferentes técnicas estatísticas, os
economistas estimam o impacto sobre a economia da expansão deste modelo ao
redor do mundo entre 1960 e 2010. As estimações corroboram a hipótese de que a
democracia liberal impulsionou positivamente o desenvolvimento econômico dos
países. Os resultados indicam que, na média, um país que fez a transição para
este modelo, no período analisado, alcançou uma renda per capita
aproximadamente 20% maior no longo prazo do que um país que permanece sob um
regime centralizado.
Os pesquisadores mostram ainda que a
democracia liberal contribui para o crescimento ao aumentar o investimento,
incentivar reformas econômicas estruturais, melhorar a educação, a saúde e
reduzir a instabilidade social. Portanto, os resultados corroboram a hipótese
de que o modelo ocidental prevalecente proporcionou estabilidade institucional
e ajudou em reformas que incentivaram a provisão de bens públicos.
E quais são as lições para o Brasil? Segundo
a Polícia Federal (PF), há fortes indícios de que o ex-presidente Jair
Bolsonaro orquestrou um golpe de Estado após a eleição do presidente Lula em
2022. A investigação da PF tem provas de que reuniões foram realizadas no
Palácio do Planalto e na residência oficial da Presidência para discutir
estratégias para reverter o resultado da eleição de 2022. Conversas gravadas e
depoimentos de comandantes do Exército estão sendo utilizados como provas
contra o ex-presidente e alguns de seus aliados.
Sem entrar no mérito da operação “Hora da
Verdade” da PF, uma pesquisa recente do instituto AtlasIntel mostrou que 36,3%
dos brasileiros eram favoráveis a um golpe de Estado após o segundo turno das
eleições presidenciais de 2022, quando o presidente Lula derrotou Jair
Bolsonaro. Esse número é parecido com a entrevista de 10 de janeiro de 2023,
dois dias após a invasão e depredação da sede dos Três Poderes em Brasília.
Nesta entrevista de 2023, 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no
Brasil.
Em um trabalho recente que realizei com Pedro
Cavalcanti Ferreira, Filipe Fiedler, Luciene Pereira e Cezar Santos,
investigamos, por meio de um modelo econômico em que os indivíduos votam na
distribuição dos gastos públicos em educação nos diferentes níveis de ensino,
como a restrição ao voto influenciou profundamente a nossa história. Mostramos
que, se o sufrágio universal tivesse sido implementado no início do século XX,
em vez do final dos anos 1980, teríamos investido uma parcela
significativamente maior dos nossos gastos educacionais no ensino fundamental e
médio, em detrimento do ensino superior. Nesse caso, a extrema pobreza estaria
praticamente extinta em 1960, enquanto, ainda hoje, mais de 20% da população do
país vive em condições de extrema pobreza.
Alguns pensadores argumentam que a democracia
liberal tem um valor intrínseco. Alexis de Tocqueville, influente no pensamento
liberal americano, afirmou no século XIX que a liberdade individual e a
igualdade de condições na política são princípios fundamentais deste modelo. A
liberdade de expressão e a descentralização administrativa são, para o pensador
francês, essenciais para preservar a institucionalidade e garantir a
prosperidade social e econômica a longo prazo. O trabalho empírico de Acemoglu
com coautores sustenta fortemente esta hipótese.
Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, afirmou, em artigo de 1999, que, em um futuro distante, as pessoas terão dificuldade em não considerar a democracia liberal como a forma de governança preeminentemente aceitável. Dado o percentual de apoio ao golpe de Estado no Brasil, parece que a previsão do Prêmio Nobel de Economia de 1998 ainda está longe de ser concretizada.
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