quarta-feira, 5 de março de 2025

Nação, Democracia e uma certa ideia de refúgio – Ivan Alves Filho*

Há uma frase atribuída ao escritor inglês Samuel Johnson, nascido no início do século XVIII, que correu mundo, sendo citada até por Vladimir Lenin, o líder da Revolução Russa de 1917. Ela diz o seguinte: "O nacionalismo é o último refúgio dos calhordas". Ou seja, o ditador manda matar, manda torturar, desdenha as instituições, rouba ou deixa roubar, mas é um nacionalista. Está desculpado. Ama o seu país e ponto final.  

Mas… de que nação estamos mesmo falando? De uma nação sem povo, só com hino e bandeira, muito provavelmente. Aí reside justamente a calhordice. Vários ditadores apelaram para essa fórmula, uma espécie de "mata, mas ama". Benito Mussolini, Juan Perón, Muammar Gaddafi são alguns desses ditadores. Quase todos acabaram mal. A vida deu o troco. 

Alguns políticos de várias partes do mundo pegaram carona nessa fórmula, com uma certa adaptação. Ou seja, procedem chantageando a população, querendo fazer crer que a polarização é inerente a toda e qualquer situação eleitoral e que, se ele, o bem-aventurado, perder as eleições, o seu amado país vai mergulhar nas trevas. Ou de uma forma menos metafórica: resvalar para uma ditadura, pura e simplesmente. Trata-se de uma atualização ou até "enriquecimento" da frase do pensador inglês, que poderia ficar assim: "a Democracia como último refúgio dos calhordas". Democracia nenhuma merece.

Estamos diante de uma espécie de etapa superior da calhordice. Não há vida útil sem o nosso herói e não dá para imaginá-lo fora do poder. E os calhordas têm uma atração toda especial pelo poder.  

Quem procede dessa maneira geralmente não possui projeto algum, além da sua própria perpetuação nas esferas de dominação. 

Triste, mas real.  Quem perde com isso é a Democracia, que vive de alternância, seriedade e transparência. Toda vez que a polarização se instala, aumenta - aí sim - o risco de aventuras autoritárias. Estamos vendo isso em muitos lugares. Todo cuidado é pouco.  

*Ivan Alves Filho, historiador. 

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