O Estado de S. Paulo
Um acordo, não bombardeios, é a única maneira real de conter o programa nuclear do Irã
O debate sobre a eficácia militar dos ataques
aéreos dos EUA contra o Irã deixa de lado um ponto mais profundo: o sucesso
brilhante no campo de batalha, por si só, não garantirá um Irã livre de armas
nucleares.
Os ataques dos EUA encerraram uma campanha
israelense de mais de um ano que expôs totalmente o “eixo de resistência” do
Irã como um tigre de papel. Os ataques foram altamente eficazes. As instalações
de enriquecimento de urânio dependem de maquinário elaborado, fornecimento
constante de energia e ambientes estruturalmente robustos.
É provável que tudo isso tenha sido comprometido pelas 14 bombas destruidoras de bunkers que atingiram seu alvo com precisão. Mas, mesmo supondo que os danos tenham sido graves, a maioria dos especialistas com quem conversei estima que os ataques teriam atrasado o programa nuclear do Irã em um ou dois anos. Por outro lado, o acordo nuclear com o Irã de 2015 colocou o programa nuclear do país sob controle por 10 a 15 anos.
Os ataques israelenses podem, na verdade, ter
feito mais para atrasar o programa nuclear do Irã do que as bombas antibunker
dos EUA. Em menos de duas semanas, Israel matou pelo menos 14 dos principais
cientistas nucleares iranianos, oficiais militares de alto escalão e destruiu
cerca de metade de todos os seus lançadores de mísseis, segundo o
primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu. As defesas aéreas do Irã
estão quase neutralizadas e o país está vulnerável a um ataque a qualquer
momento.
RECONSTRUÇÃO. A ação militar contra o Irã,
mesmo que não tenha sido provocada e seja unilateral, pode ser justificada se
levar a um fortalecimento da não proliferação nuclear. Mas, como apontou o
chefe da Agência Internacional de Energia
Ataque ao Irã pode ser justificado se levar
ao fortalecimento da não proliferação nuclear
Atômica (AIEA), Rafael Grossi, o Irã tem
know-how para reconstruir. O Irã parece ter transportado grandes quantidades de
urânio enriquecido que, se intactas, poderiam ser facilmente transformadas em
armas. Esse urânio não pode ser bombardeado sem causar vítimas em massa.
Isso significa que a única maneira de
garantir que o Irã não se torne um país com armas nucleares seria por meio de
negociações e inspeções – em outras palavras, assinando outro acordo. Às vezes,
a caneta é realmente mais poderosa do que a espada.
Apesar de toda a sua fanfarronice, Donald
Trump parece entender isso e agora está pedindo diplomacia. Ele está em uma
posição crucial: tem o capital político nos EUA e em Israel para fazer um
pacto. O Irã pode e deve ser solicitado a fazer mais do que foi solicitado pelo
governo Obama em 2015.
A república islâmica está em uma posição
muito mais fraca do que esteve em décadas. As exigências devem incluir
restrições reais a um programa nuclear que fornece apenas cerca de 2% da
eletricidade do Irã, mas também restrições ao apoio a milícias no Oriente
Médio. Os iranianos se beneficiariam muito se seu governo se concentrasse em
apoiar seu próprio povo em vez de suas credenciais revolucionárias.
URÂNIO. A questão crucial será o
enriquecimento de urânio. O Irã, com base no Tratado de Não Proliferação (TNP),
diz que tem direito ao enriquecimento para fins pacíficos. Israel quer que o
Irã não tenha nenhuma capacidade de enriquecimento.
Inicialmente, Trump propôs um consórcio
regional que poderia enriquecer urânio enquanto estivesse sendo monitorado e
fornecer aos iranianos urânio de grau muito baixo para ser usado em armas.
Mas, quando Trump viu o sucesso dos ataques
de Israel, decidiu endurecer sua posição. Ele deveria considerar voltar à
posição anterior. A maioria dos especialistas diz que o consórcio regional
seria viável e seguro. A diplomacia que terminasse em um acordo teria outra
grande vantagem. Independentemente do que se especule sobre as futuras
intenções do Irã, o país não tinha um programa que funcionasse como arma. A
inteligência dos EUA tem sido clara quanto a isso.
Portanto, os EUA lançaram um ataque não
provocado contra um Estado soberano, sem a sanção da ONU ou do Congresso. Esse
tipo de ação unilateral não deve ser realizado levianamente. É fácil aplaudir
quando Washington faz isso, mas como nos sentiremos quando a China fizer o
mesmo? Ou com relação à Rússia na Ucrânia?
A ordem internacional baseada em regras é um
palavrão, uma abstração estranha sobre a qual a maioria das pessoas nunca
pensa. Mas estamos vivendo o mais longo período de paz e estabilidade da
história moderna entre os principais países do mundo. Essa paz é o que permitiu
a construção de uma economia global, de comércio e viagens, e de um mundo no
qual as rivalidades nacionalistas não terminam em uma guerra nuclear.
A ação militar contra o Irã poderia ser justificada se levasse a um fortalecimento da não proliferação nuclear – um aviso para aqueles que poderiam cruzar a linha. Mas isso requer uma solução política para a questão, de forma estável e aceitável para ambos os lados, caso contrário, teremos apenas um cessar-fogo.
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