O Estado de S. Paulo
Quantos séculos teremos de esperar para alcançar os franceses no que se refere a relações de gênero mais equilibradas?
O que me trouxe à mente o assunto deste
artigo foi a lembrança de uma matéria publicada, se não me engano, em 2012 (a
data precisa esvaiu-se em minha memória), baseada em dados do World Economic
Forum (WEF), assinada pelo jornalista Guga Chacra, à época correspondente deste
jornal em Nova York. Chegou a causar-me estranheza o contraste entre o que
escreveu Chacra com o que hoje lemos nas publicações diárias ou presenciamos a
olho nu. Em seguida mencionarei uma matéria anterior, para ressaltar que a
ascensão ocupacional das mulheres esbarra em preconceitos não só antigos, mas
generalizados.
Tomando como base um ranking de desigualdade
elaborado pelo WEF, informava Chacra que o Brasil ocupava a 82.ª posição no que
tocava à comparação da remuneração de homens e mulheres no exercício de uma
mesma função. Nesse aspecto, o Brasil ocupava o último lugar na América do Sul:
um vexame insuscetível de contestação.
Na política, mesmo com a eleição da presidente Dilma Rousseff, o Brasil não entrou em cena. Entre as mulheres em cargos ministeriais e parlamentares, estávamos entre o 103.º e 111.º lugares, respectivamente – um desempenho vergonhoso para um país que se orgulha de ser uma das maiores economias do mundo.
Em 2010, ao fazer uma pesquisa sobre
advogados, foi muito pouco o que encontrei, mas dois casos merecem destaque.
Nos registros da França, tudo faz crer que a remuneração por trabalho igual é
igual. Nos Estados Unidos, dados disponíveis no site da American Bar
Association (Associação Americana de Justiça, algo como a nossa OAB) mostram
que as diferenças eram acentuadas. As advogadas ganhavam menos que os advogados
no exercício de funções idênticas.
No Brasil, em altas funções executivas, foi a
partir de 1964, já no período dos governos militares, que a então deputada
Sandra Cavalcanti foi nomeada presidente do recém-criado Banco Nacional da
Habitação (BNH) pelo presidente Castelo Branco, e foi durante o governo Geisel
que
Maria Esther de Figueiredo Ferraz veio a
ocupar a pasta da Educação.
Como ministra da Fazenda do governo Collor,
Zélia Cardoso de Mello acumulou uma enorme soma de poder na área econômica. No
governo Itamar Franco, Luiza Erundina foi ministra-chefe da Secretaria da
Administração Federal; no governo Fernando Henrique, Ruth Cardoso não comandou
uma pasta específica, mas atuou de forma enérgica e inovadora na área das
políticas sociais. No governo Lula, Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente
e a própria Dilma Rousseff ocupou os ministérios de Minas e Energia e da Casa Civil.
Acrescente-se que o terceiro maior orçamento do País, o do município de São
Paulo, foi comandado por Luiza Erundina e por Marta Suplicy.
Sem dúvida, a posição da mulher era realmente
de total subordinação até os anos 50 do século passado. No mercado de trabalho,
sua presença mais visível limitava-se ao serviço público e ao magistério.
Naquela década, as mulheres começaram a marcar presença nos estádios de
futebol, primeiro como espectadoras e, agora, como juízas; e muitas, como
jogadoras, arrasam entre as quatro linhas. Muitas cruzam os céus pilotando
aeronaves comerciais, sem que os passageiros se deem conta disso.
O segundo autor que me ocorreu mencionar não
era jornalista, era ministro. Armand-Jean du Plessis, cardeal francês e
primeiro-ministro do rei Luís XIII, também mais conhecido como Cardeal
Richelieu, expunha com inusitada franqueza seu ponto de vista sobre essa
matéria. Logo nas primeiras páginas de seu Testamento Político, declarou que o
segredo e a diligência eram essenciais ao bom exercício de funções de governo.
“Portanto – prosseguiu – “(...) as mulheres, sendo por natureza indolentes e
incapazes de guardar segredos, geralmente não se saem bem em cargos públicos”.
Para reforçar seu ponto de vista, ele lembra que as mulheres são frequentemente
reféns de suas emoções.
Ponderado, lembrou que toda regra comporta
exceções, e “(...) esta época em que vivemos é pródiga em exemplos femininos
positivos”. Apesar disso, reiterou que “(...) as mulheres são frágeis, carecem
daquele vigor masculino imprescindível na administração pública, isto sem
mencionar que elas raramente conseguem governar sem apelar para uma exploração
baixa de sua condição feminina, ou sem cometer atos de injustiça e crueldade,
frutos de sua desordenada subordinação às emoções”. Extravagante, não?
Esse ponto de vista, entretanto não impediu
que, decorridos quase quatro séculos, a França tenha se tornado o país
admirável que é hoje, com relações de gênero mais equilibradas que na maioria
dos demais países. Não impediu – uma leitora exaltada poderá me interpelar –,
mas levou quase quatro séculos! Quantos séculos teremos de esperar para
alcançar os franceses? Bem, aqui devo confessar que não tenho uma estimativa
confiável, mas não creio que levemos quatro séculos. Um ou dois, quem sabe?
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é
membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
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