O Globo
O risco está claro: no ritmo atual, em
determinado momento, talvez já em 2027, toda a arrecadação será consumida pelos
gastos obrigatórios
O governo federal arrecadou nada menos que R$ 230 bilhões em maio, um ganho real, acima da inflação, de 7,7% sobre o mesmo mês do ano passado. No período de janeiro a maio deste ano, a arrecadação alcançou R$ 1,2 trilhão, ganho real de 4% sobre o mesmo período de 2024. Fiquemos com esse último indicador — o governo federal arrecadou 4% acima da inflação. Como o arcabouço fiscal determina que o gasto de um ano deve ser igual ao do período anterior mais 2,5%, a conclusão simples é que a receita deveria dar para o gasto.
Entretanto o governo luta com o Congresso
pelo aumento do IOF, que levaria mais uns R$ 12 bilhões aos cofres federais
neste ano. Além disso, o ministro Fernando
Haddad tem outras propostas de aumento de arrecadação para 2025 e
2026. Sem entrar nos detalhes, chegamos à conclusão mais simples possível
quando se analisa o desempenho das contas públicas: o governo gasta mais do que
arrecada. Quando isso acontece, toma dinheiro emprestado para cobrir o rombo e,
com isso, aumenta sua dívida. Logo, gasta ainda mais com juros.
Como notam diversos analistas, o governo
federal gasta, em termos anuais, algo como 19% do PIB. E não é suficiente para
o tamanho dos compromissos. Todos os analistas, inclusive os do governo, sabem
onde está a crise fiscal: gastos obrigatórios — Previdência, benefícios
sociais, pessoal, Educação e
Saúde— crescem mais que os 2,5% além da inflação permitidos pelo arcabouço.
Isso comprime os demais gastos, aqueles que mantêm a máquina pública em
funcionamento.
É preciso, pois, cortar esses gastos. Isso
tem sido feito aqui e ali, nas agências reguladoras, mas tem sido claramente
insuficiente. O risco fiscal está claro: no ritmo atual, em determinado
momento, talvez já em 2027, toda a arrecadação será consumida pelos gastos
obrigatórios, e o governo simplesmente parará de funcionar. Daí a vontade
arrecadadora. Não tem limite.
O ministro Haddad, ecoando a linha política e
eleitoral de seu governo, tem dito que se trata de cobrar dos ricos, do pessoal
da “cobertura”. Mas, quando se olha por onde cresce a arrecadação, fica claro
que se cobra mais de todo mundo. Um exemplo: não são apenas os ricos que pagam
IOF, mas todas as pessoas físicas e empresas, grandes ou pequenas, que tomam
financiamento.
Há previsão de novos impostos só para os mais
ricos, mas está claro que isso não será suficiente para equilibrar as contas.
Daí o aumento da carga tributária que incide sobre toda a atividade econômica,
aumentando o custo de fazer negócios no Brasil. O Congresso impôs pelo menos um
limite quando derrubou, por ampla maioria, o decreto que aumentava as alíquotas
do IOF.
Ok. Mas fez a coisa certa pelas razões
erradas. Entre outros motivos, deputados e senadores estavam de bronca pela
demora na liberação das emendas parlamentares. Trata-se de dinheiro do
Orçamento gasto por indicação exclusiva dos parlamentares. Eis aonde chegamos:
o Congresso veta um aumento de imposto com a conversa de que o governo precisa
cortar gastos; mas o próprio Congresso faz isso, veta o IOF para que o governo
libere os gastos deles, parlamentares.
A crise fiscal transforma-se numa aguda crise
política. Está claro que pequenos cortes de gastos e aumentos de impostos não
levam ao equilíbrio das contas. Há limites nas duas pontas — e são limites que
só podem ser superados com uma ampla reforma estrutural dos gastos públicos.
Essa reforma, de sua vez, depende de sólida liderança do presidente da
República, que consiga obter maioria no Congresso para aprovar as medidas
necessárias.
Não há ambiente para isso. O presidente Lula acha
que não precisa de reforma alguma. Quer mais dinheiro para gastar e ganhar as
eleições de 2026. A oposição e o Centrão, no Congresso, também não querem
reforma nenhuma. Querem gastar o “seu” dinheiro, das emendas e dos fundos
partidário e eleitoral. A população paga a conta, na forma de serviços públicos
ruins e mais impostos.
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