O Estado de S. Paulo
O Supremo faz democracia a portas fechadas.
Regime chinês admirável. O Supremo onipresente nos salva – nos protege –
deliberando em gabinetes trancados, à margem do escrutínio republicano. O
Supremo fez democracia – e ninguém pôde ver.
Será sempre pela democracia. Sempre em nossa defesa – nós, os bárbaros incapazes, necessitados das luzes dos barrosos, aqueles, os que não têm votos, editores das nossas liberdades. Dias Toffoli, o anulador-geral: o nosso editor. Nós, os “213 milhões de pequenos tiranos soberanos” de Cármen – ex-cala a boca já morreu – Lúcia.
Todo mundo está pela democracia. Né?
Importante é caçar o rato – talvez o mesmo que a “censura colateral” a que se
referiu Fachin em seu voto adulto. Em nome da democracia, sob a República, na
sala do presidente do STF, o tribunal – Corte constitucional – definiu as
regras para responsabilização das chamadas big techs sobre conteúdos gerados
por terceiros. Legislou.
Importa menos o que tenha legislado. E mais
que o tenha feito – sobretudo a forma como o fez. A portas fechadas
explicitamente, como se não houvesse lei – o Marco Civil da Internet existe.
Como se não houvesse o Legislativo – a nomeada “omissão parlamentar” sendo
prerrogativa do Congresso. O modo planta os precedentes. Foi mesmo um
julgamento histórico.
Importa imensamente que passe como cousa
natural o presidente do STF nos informar que suspenderia um julgamento para que
os 11 togados, “internamente”, discutissem as teses, cada um com uma proposta
de regulação, e chegassem a um acordo. Chegaram, assim como pactuam consensos
as bancadas dos partidos. Ninguém viu. Tese é como os legisladores togados
chamam a regra que criariam. Criaram. E então Dias Toffoli, chorando de emoção,
veio nos apresentar a legislação.
O Marco Civil da Internet, de 2014, resultou
de um longo e saudável processo, que mobilizou a sociedade, debate público
plural e transparente que afinal teria expressão e materialidade, como lei, no
lugar correto: o Congresso. O marco supremo da internet, de 2025, resultou de
um processo autoritário, que usurpou a prerrogativa parlamentar, ação viciada
que afinal teria expressão, com força de lei, no lugar desviado: o gabinete de
Barroso. Não é normal.
O marco supremo da internet é produto do
assalto à atividade de outro Poder, como se não lhe fosse legítimo querer não
tratar de algo; da forja artificial de uma desconstitucionalização de lei
perfeitamente constitucional, para que sua reforma pudesse ocorrer fora do
Parlamento; e – afinal declarada a inconstitucionalidade do texto – de uma
reunião privada, vedada à fiscalização pública, em que um conjunto de juízes
legislou pelo esvaziamento da mediação judicial, donde pela guerrilha de
notificações extrajudiciais, poder de decidir na mão das plataformas mais do
que nunca, paraíso à prosperidade da censura e da autocensura.
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