CartaCapital
No seu repertório sobressai o calote da dívida pública, que não passa de um conto da Carochinha
Goebbels, ministro da propaganda do regime
nazista, dizia que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Se uma
mentira é grande o suficiente e é repetida frequentemente, ela será acreditada,
em alemão große Lüge.
Os economistas do mainstream repetem as
ameaças do risco fiscal e calote da dívida. No repertório de mantras dos
sacerdotes da Crematística sobressai o calote da dívida pública.
Ao investigar os detentores da dívida pública
brasileira, nos deparamos com paradoxos interessantes. Vamos ousar
considerações sobre dialética para constranger o espírito positivista que
assola o pensamento único. As teorias econômicas convencionais estão
encharcadas de indagações binárias do tipo “é isto ou aquilo”.
Pedimos ao leitor que permita a dois modestos economistas invocarem um filósofo da estatura de Hegel, para arrostar as trapalhadas metodológicas dos sabichões da Ciência Triste. Na Introdução à Ciência da Lógica, o mestre de Iena asseverou:
“Quando as formas são tomadas como
determinações fixas e, consequentemente, em sua separação uma da outra, e não
como uma unidade orgânica, elas são formas mortas e o espírito que anima sua
vida, a unidade concreta não reside nelas… O conteúdo das formas lógicas nada
mais é senão o fundamento sólido e concreto dessas determinações abstratas; e o
ser substancial dessas abstrações é usualmente buscado fora delas”.
Os mantras anunciados pelos sacerdotes do
equilíbrio revelam que as determinações fixas invadiram as casamatas da Ciência
Triste. Os invasores buscaram destruir dimensões constitutivas da economia
monetário-financeira capitalista: à desconsideração do circuito gasto-renda
associa-se o tratamento da dívida pública. Ela é apresentada com os riscos e
percalços dos devedores privados, famílias e empresas.
Karl Marx observou: “Como a dívida
pública se respalda nas receitas estatais, que têm de cobrir os juros e demais
pagamentos anuais etc., o moderno sistema tributário converteu-se num
complemento necessário do sistema de empréstimos públicos… O grande papel que a
dívida pública e o sistema fiscal desempenham na capitalização da riqueza e na
expropriação das massas levou um bom número de escritores, como William Cobbett,
Doubleday e outros, a procurar erroneamente na dívida a causa principal da
miséria dos povos modernos”.
Em sua caminhada irreverente, John Maynard
Keynes disparou: “Se por algum motivo os indivíduos que compõem a nação não
estão dispostos, cada um em sua capacidade privada, a gastar o suficiente para
empregar os recursos com os quais a nação é dotada, então o governo,
representante coletivo de todos os indivíduos, deve preencher a lacuna. Os
efeitos das despesas governamentais são precisamente os mesmos que os efeitos
das despesas dos indivíduos. Assim, o aumento da receita fiscal fornece a fonte
das despesas públicas extras. Por isso, pode ser vantajoso para um governo
recorrer a um empréstimo do sistema bancário.
Os poderes estatais de tributar e de
administrar as condições de crédito e de liquidez estão intimamente associados.
Assim, os entes soberanos desfrutam de maior liberdade para financiar o gasto
ao emitir títulos públicos, ativos que frequentam os balanços dos entes
privados como forma de riqueza de maior qualidade, segurança e liquidez. Os
sistemas monetários e financeiros modernos estão ancorados nos ativos públicos
de ‘última instância’”.
O Conto da Carochinha do calote na dívida
pública busca iludir os cidadãos e cidadãs em todas as partes do planeta. Mas
os chefes de tesourarias, os administradores de fundos de investimento, de
fundos de previdência e seguradoras pensam e agem de forma muito diferente:
escapam dos arreganhos binários dos especialistas que rondam os arrabaldes dos
mercados financeiros.
Segundo os dados do Tesouro Nacional (ver
gráfico), quase 80% dos títulos públicos estão nas mãos do setor financeiro
nacional e apenas cerca de 10% nas mãos de não residentes.
Alguma coisa está fora de lugar, como diria
Caetano Veloso. Enquanto os economistas dos mercados financeiros ameaçam com o
calote, as tesourarias se empanturram de dívida pública. Garantidos pelo
Tesouro e pelo Banco Central, os títulos públicos possuem liquidez diária,
garantia de recompra.
Em qualquer lugar do mundo os títulos públicos são a garantia e o lastro de
todas as operações de crédito. Os grandes bancos americanos, Goldman Sachs,
J.P. Morgan, Bank Of America, detêm um porcentual elevado de Treasuries
(títulos públicos do Tio Sam) na composição de suas carteiras de ativos.
Duas indagações impõem-se aos catastrofistas:
quando na história das economias capitalistas ocorreu calote de dívida pública
denominada em moeda nacional? Quando o Tesouro brasileiro deixou de cumprir
seus compromissos e o pagamento de juros? Nunca.
Mas os sabichões da Crematística não sossegam
e repetem insistentemente que não se pode viver gastando mais do que se
arrecada! No mundo deles, a água (a renda) não escorre pelos canais da
circulação monetária.
Como ensina John Maynard Keynes na Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, as políticas econômicas que regulam o
orçamento público deveriam manter os gastos correntes sempre equilibrados. Os
gastos de capital estariam destinados à administração das flutuações da renda,
para assegurar expectativas favoráveis do setor privado em relação ao futuro de
seus negócios. É um gasto regulador da estabilidade das economias capitalistas
ao impedir a contração do gasto privado.
Como dizia Hegel: “O botão desaparece no
desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que
o fruto faz a flor parecer um falso existir da planta, pondo-se como sua
verdade em lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se
repelem como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida
faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem,
todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui
unicamente a vida do todo… Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim,
mas em sua atualização; nem o resultado é o todo efetivo, mas, sim, o resultado
juntamente com o seu vir a ser”.
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