sexta-feira, 22 de novembro de 2019

José de Souza Martins* – O menino e seu cavalo

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Neoliberalismo do Chile tem grande apelo entre seres totalitários

Milton Friedman, da Universidade de Chicago, mentor dos “Chicago boys”, que disseminam o neoliberalismo econômico nos países precários como o nosso, disse que uma economia livre só tem sentido em sociedades democráticas e livres. No entanto, esse neoliberalismo tem grande apelo entre os seres totalitários que transformam as reformas econômicas neoliberais em verdadeiros golpes de Estado de governantes ocultos que governam sem mandato, os técnicos que implementam as medidas que as efetivam.

No mais das vezes, com elas, revogam conquistas sociais preconizadas pelos próprios empresários, induzidos pelas inquietações e demandas dos trabalhadores, como técnicas políticas de racionalização das relações de trabalho e de incremento da produtividade do trabalho através da paz social.

O Chile é apresentado, na propaganda enganosa do neoliberalismo, como país em que as duras medidas que o caracterizam acabam resultando em crescimento econômico e modernização em benefício de todos. O protesto das ruas diz que não. É verdade que o Chile das grandes dificuldades econômicas de 1973 sofreu um crescimento econômico extraordinário de lá para cá, mas às custas de consequências sociais excludentes.

Economistas, e não só eles, têm dificuldade para lidar com a dimensão histórica do tempo, com as temporalidades sociais. O economismo de gente que pensa como os “Chicago boys”, como se vê no dia a dia, é o da economia de longo prazo pensada e reduzida a providências e consequências de prazo curto.

César Felício - Da correção para a mudança de rumo

- Valor Econômico

Combate à corrupção perde fôlego no Brasil

Em seu livro de memórias, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot relata uma conversa que manteve no Departamento de Estado dos Estados Unidos, em julho de 2017. “O senhor tem ideia da extensão do trabalho de vocês no Brasil? “, perguntou um funcionário americano. “Vocês viraram modelo de combate à corrupção, e isso terá efeitos duradouros no continente, porque todos os países vão querer replicar esse modelo a partir de agora. Todos estão de olho no trabalho de vocês”.

A previsão de Washington deu mais ou menos certo. A Lava-Jato brasileira influenciou os países vizinhos, mas de forma irregular. Foi disruptiva no Peru, bem menos efetiva na Argentina e na Colômbia e virtualmente nula no México.

É nítido para qualquer um que queira ver que houve uma mudança de clima no Brasil em relação ao combate à corrupção este ano. O declínio coincide, ainda que não se deva a essa razão, com a ascensão ao Ministério da Justiça de Sergio Moro e tem nas limitações criadas ao trabalho do Coaf e da Receita Federal, tema do julgamento que transcorre no Supremo Tribunal Federal, um de seus eixos principais.

Também contribuíram para a mudança de clima certos aspectos da Lei de Abuso de Autoridade recentemente aprovada pelo Congresso, os tropeços do pacote anticrime de Moro na Câmara, as substituições pouco explicadas em postos chave da Polícia Federal e a constatação de que os responsáveis pela mais ambiciosa investigação contra a corrupção no mundo cometeram excessos.

Claudia Safatle - Ajuste prescinde da reforma administrativa

- Valor Econômico

Não será problema grave deixar para o início do ano que vem o envio da PEC que mexe com carreira do funcionalismo

O ajuste fiscal de curto prazo prescinde da reforma administrativa, necessária para dar um novo e mais eficaz formato à política de RH do setor público e para melhorar o péssimo desempenho do Estado como prestador de serviços aos cidadãos. É a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que vai conter o crescimento quase autônomo das despesas de pessoal, a segunda mais pesada para os cofres públicos depois da Previdência Social.

A reforma administrativa é importante para estabelecer novas condições de contratação de servidores, sobretudo para o momento em que for permitida a renovação dos quadros do funcionalismo, dada a concentração de um grande volume de aposentadorias nos próximos anos.

A PEC Emergencial é que traz o instrumental para dar um freio de arrumação nas contas públicas, que já estão no quadro de deterioração necessário para o acionamento dos “gatilhos” nela previstos. No exercício de 2020, assim como em 2019, a União está desenquadrada da “regra de ouro”, que proíbe o aumento do endividamento para pagar despesas correntes.

A insuficiência da “regra de ouro” para 2020 é de R$ 367,031 bilhões - montante de despesas da proposta orçamentária do próximo ano que dependem de emissão de títulos pelo Tesouro. Para este ano, o Congresso aprovou lei que permite a União aumentar a dívida em até R$ 248,9 bilhões para cobrir despesas previstas na lei orçamentária.

Maria Cristina Fernandes – A premonição de Freyre e a paisagem bolsonarista

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Biblioteca do Exército reedita conferência,de 70 anos atrás, em que Gilberto Freyre alerta contra os riscos de se terceirizar todas as soluções da República às Forças Armadas

“Por que o Exército, que é forte e tem armas, não acaba com as favelas, expulsando, do alto dos morros, as multidões que hoje vivem, nos barracos, vida de bichos imundos? Por que o Exército, que tem tanks e metralhadoras, não acaba com o Comunismo? Por que o Exército não acaba com o jogo de “pif-paf ”? Por que o Exército não resolve o problema da falta de carne? Ou o da falta de leite? Ou o da exploração do peixe e dos legumes? Ou o dos muitos suicídios? Ou o dos muitos assassinatos? Ou o do tráfego do Rio de Janeiro?”.

Quando proferiu, em 1948, a conferência “Nação e Exército”, a convite da Escola de Estado-Maior do Exército, Gilberto Freyre não tinha como imaginar que sua provocação um dia se tornaria realidade. Quando deu início às tratativas para a reedição da conferência, publicada como livro em 1949, o general Richard Nunes, então diretor da escola, não tinha como imaginar que deixaria aquele cargo para assumir a Secretaria de Segurança do Rio e realizar a profecia anunciada por Freyre como caricatura do que aconteceria se o país não parasse de terceirizar para o Exército a solução de todos os males.

Entre a decisão de reeditar o livro e seu lançamento, em setembro passado, pela editora Biblioteca do Exército, o vaticínio de Freyre se incorporou num capitão do Exército que, eleito presidente, levou para o primeiro escalão de seu governo um número maior de generais do que quaisquer dos governos militares. A saída de um a um do ministério não tem privado Jair Bolsonaro de fazer remissão às Forças Armadas como recurso de um governo desaparelhado para enfrentar desde as queimadas na Amazônia até o risco de contágio do continente sublevado.

Quando Freyre fez a conferência, o Exército havia sido protagonista do fim tanto da monarquia quanto da República Velha. O sociólogo teve uma relação tensa com o governo Getúlio Vargas. Chegou a ser preso depois de bater de frente com o interventor do Estado Novo em Pernambuco, Agamenon Magalhães. Depois virou um interlocutor de Getúlio e de suas intervenções no patrocínio de manifestações culturais, das festas da padroeira às ligas das escolas de samba. O sociólogo pernambucano apoiou o golpe de 1964, mas, nos derradeiros anos da ditadura, tornou-se um crítico do regime.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro já mira a reeleição

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A criação do Aliança pelo Brasil sinaliza uma reorganização do quadro partidário, ainda que num primeiro momento à custa de mais fragmentação, pois nasce de um racha no PSL”

O presidente Jair Bolsonaro já tem um partido para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, cujas principais bandeiras são a livre iniciativa, a posse de armas, o combate ao comunismo e ao globalismo e a defesa da família e da infância, segundo o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga, principal estrategista da criação da legenda. Na presidência de sua comissão provisória, Bolsonaro conta com o apoio dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos para cumprir as exigências da legislação eleitoral, entre as quais a coleta do mínimo de 491.967 assinaturas, em nove unidades da Federação, até março, para poder participar das eleições municipais.

Entretanto, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não autorizar a coleta de assinaturas eletrônicas, ou seja, pela internet, Bolsonaro não pretende participar das eleições municipais do próximo ano.Trocando em miúdos, Bolsonaro lançou um partido com objetivo de com ele disputar a reeleição à Presidência. Essa é a missão principal do Aliança pelo Brasil, que busca unificar a extrema direita brasileira, tendo como núcleo central os parlamentares das bancadas evangélica, ruralista e da bala. Há um ideário político por trás dessa definição, sem dúvida, mas também há um cálculo eleitoral estratégico: com o governo federal nas mãos e um partido que represente os setores mais conservadores da sociedade, Bolsonaro acredita que estará no segundo turno das eleições, na pior das hipóteses.

Dora Kramer - Huck na cabeça

- Revista Veja

O centro já se move nos preparativos da alternativa aos extremos em 2022

Aquele espaço eleitoral localizado entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva por onde transitam políticos identificados com correntes do centro à direita civilizada já conta com um plano de ocupação e o nome de um favorito para representá-lo. É Luciano Huck. Ele concorre na preferência com o governador João Doria, mas no momento está em alta no certame dos aprontos preliminares às eleições de 2022.

O processo corre (mais ou menos) em segredo de política, a fim de não queimar etapas nem atrair atritos desnecessários, mas o objetivo está definido: afastar o PT da jogada e conquistar o lugar de antagonista de Bolsonaro, na canoa de quem a maioria desse pessoal embarcou por conveniência em 2018 e de quem se distancia desde o início do governo tido como “tosco” e, por isso mesmo, fator que facilita a aglutinação do centro.

Em público, os artífices da construção daquilo que já esteve em moda chamar de terceira via dizem que é cedo para falar em nomes e assumir candidaturas. Em privado, no entanto, atuam com afinco e o fazem com base em um cenário com os prováveis concorrentes: Bolsonaro, Fernando Haddad ou quem Lula escolher, João Amoêdo, Luciano Huck, João Doria e Ciro Gomes. Rodrigo Maia só entra na lista como possibilidade para vice.

Murillo de Aragão - Os bons frutos da polarização

- Revista Veja

O melhor dos mundos: reformas com democracia

Muitos no Brasil de hoje se preocupam, corretamente, com as narrativas belicosas e a polarização ideológica. Devem também se preocupar com os ataques à imprensa e o tom raivoso que predomina nas redes sociais. São tempos exacerbados que, sem dúvida, merecem a atenção de todos. Mas o Brasil não é só polarização. E, diferentemente do que se viu em outras épocas, o extremismo que se instalou aqui com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, veio acompanhado de um virtuoso ciclo de reformas e de modernização, iniciado no governo de Michel Temer (MDB) e com o apoio decisivo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

De forma inusitada, as eleições de 2018 trouxeram as reformas estruturais para o centro das discussões. Os principais candidatos presidenciais, em especial Jair Bolsonaro, abordaram temas que antes soavam impopulares e seriam vetados nas campanhas, como a reforma da Previdência, a diminuição do Estado e a redução da burocracia. Houve uma mudança de mentalidade no mundo político.

Ricardo Noblat - Em cena, o Partido do Três Oitão

- Blog do Noblat | Veja

Enfim, a nossa jabuticaba

O nome oficial é Aliança pelo Brasil. Mas pode chamá-lo de Partido da Família Bolsonaro. Ou Partido do Três Oitão. Na hora de votar, se preferir, crave 38. “Acho que é um bom número, né?” – perguntou o presidente Jair Bolsonaro no ato de lançamento da nova legenda. E justificou: “Mais fácil de gravar”.

De fato, mais fácil. E coerente com o programa do partido que fala no “direito inalienável dos brasileiros de possuir e portar armas de fogo”. O programa chama aborto de “assassinato de criança”. E condena o “ativismo judiciário – bandidos que estejam no poder munidos de armas ou de canetas”.

Nada a ver com caneta azul, azul caneta com a qual Bolsonaro assina seus despachos. Ontem mesmo, ele assinou mais um que, se aprovado pelo Congresso, facilitará a vida de militares e policiais destacados para restabelecer a ordem pública. Estarão liberados para “atirar na cabecinha” de bandidos.

Se o nome Partido do Três Oitão inspira medo em almas sensíveis, o outro é mais acolhedor e faz sentido. O presidente do Partido da Família Bolsonaro será Jair, o pai. O vice, Flávio, seu primogênito. A Comissão provisória será formada por dois assessores de Bolsonaro, um de Eduardo e dois advogados da família.

Reinaldo Azevedo - Mas cadê esse tal centro?

- Folha de S. Paulo

Quem quer se tornar liderança política tem de se apresentar para o debate

Estamos vivendo um Pirandello ao contrário no Brasil. O autor italiano criou “Seis Personagens à Procura de um Autor”. Nunca vi a encenação da peça. O texto é uma delícia. Por aqui, temos “Seis Autores à Procura de uma Personagem”. O texto é uma porcaria. Faço a inversão exata para apelar a alguma graça. Na verdade, não são seis, mas uns seiscentos...

Ando fugindo de textos que tratam da necessidade de um “centro”. Virou conversa de quem busca o selo de qualidade de analista neutro, que rejeita os extremos: “Nem Bolsonaro nem Lula”. Como nem um nem outro tiranizam meu pensamento por intermédio do amor ou do ódio, não são medidas da minha neutralidade. Essa busca virou uma espécie de angústia. Não misturo política com sentimentos...

Andam à espera do Godot centrista. Que as personagens que postulam esse lugar se apresentem para o debate público. Com quem eu falo? Quem se apresenta como esse tertius com aspirações superiores, distante do mundo real onde pulsam bolsonaristas e lulistas? Quero me apresentar ao líder.

Anuncio que sou uma pessoa boa e sensata, a exemplo de outras que olham para o céu em busca de discos voadores da conciliação. Mas estou preso à Terra. A propósito: qual foi o extremismo vocalizado por Lula até agora? Discordei de quase tudo do que consegui entender de seu discurso sobre economia. Mas é fala de um extremista? Ora...

Bruno Boghossian - Partido de Bolsonaro revela desprezo por evolução e diversidade

- Folha de S. Paulo

Parece apropriado que sigla tenha voltado cinco séculos para formular bandeiras

Parece apropriado que o novo partido de Jair Bolsonaro tenha retrocedido cinco séculos para formular suas bandeiras. O programa da Aliança pelo Brasil faz uma distorção grosseira dos valores conservadores para revelar seu desprezo pela evolução, pela diversidade e pelas transformações da sociedade.

O panfleto ultraconservador lido no lançamento da sigla, nesta quinta (21), não apresentou um projeto para o Brasil real. Sua visão sobre políticas públicas ficou reduzida a quatro pilares genéricos: respeito a Deus, resgate de tradições culturais, proteção da vida e defesa da ordem.

Os autores do texto viajaram a 1500 para anunciar que o partido seguirá os “valores fundantes do Evangelho”. Motivos: o primeiro ato oficial celebrado no Brasil foi uma missa e o primeiro nome atribuído ao território foi Terra de Santa Cruz (na verdade, foi Ilha de Vera Cruz).

Hélio Schwartsman - Bolsonaro, a verdade e a cultura

- Folha de S. Paulo

Pelo desmatamento ter dimensão cultural, o presidente comete desatino ao não agir contra ele

O presidente Jair Bolsonaro tem uma relação complicada com a verdade, especialmente com as verdades que não estejam de acordo com seus caprichos ideológicos. Posto isso, os otimistas podem regozijar-se com o fato de que, desta vez, ele não contestou as medições oficiais do Inpe que revelaram um aumento de 29,5% no desmatamento na Amazônia.

É um avanço notável, se considerarmos que, em julho, quando o instituto soltou os primeiros dados que apontavam para a tendência de alta, Bolsonaro não só disse que os números eram incorretos como também afirmou que o então diretor da instituição, o engenheiro Ricardo Galvão, estava “a serviço de alguma ONG” e mandou demiti-lo.

Eros Roberto Grau* - O STF, a prisão e a Constituição

- O Estado de S.Paulo

Só nova Constituinte poderá impor a prisão após condenação em segunda instância

Podemos falar e escrever como juízes, advogados ou cidadãos. Agora, escrevo como a relembrar voto que proferi como relator do Habeas Corpus 84.078-7, em 2009, quando eu era membro daquele tribunal lá de Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao me referir aos juízes, desembargadores e ministros dos nossos tribunais seguidamente me repito, lembrando um texto de Sartre a propósito da conduta do garçom que executa uma série de gestos solícitos para atender o cliente. Os garçons cumprem seu papel no café ou restaurante onde trabalham sendo gentis até mesmo com clientes que detestem.

Assim é o juiz. Cumpre o papel que a Constituição lhe atribui. Não é perpetuamente juiz. Mas enquanto juiz deve representar o papel de magistrado, nos termos da Constituição e da legalidade. Não o que é (e pensa) ao cumprir outros papéis, quais os de artesão ou jardineiro, por exemplo. Poderão então prevalecer os seus valores. Enquanto juízes, contudo, hão de se submeter à Constituição e às leis.

O que me traz a escrever este texto é o recente julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) n.ºs 43, 44 e 54, o Supremo Tribunal Federal recuperando e reafirmando o quanto decidiu em 2009, no julgamento do Habeas Corpus 84.078-7.

Outro é o meu sentimento como cidadão, distinto do que dispõe a Constituição, que estabelece, no seu artigo 5.º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E o inciso LXI desse mesmo artigo 5.º, por outro lado, aplica-se não ao cumprimento de pena, mas à prisão preventiva “em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

Eliane Cantanhêde - Nova sigla, velhas ideias

- O Estado de S.Paulo

E a direita moderna, liberal na economia e também no social, na cultura e nos costumes?

Após 20 anos de ditadura militar, a balança se inverteu e o preconceito contra os militares passou a andar lado a lado com uma onda de esquerda e centro-esquerda. Falar em direita? Vade retro! Partidos conservadores mais aguerridos se diziam “liberais”, até de “centro-esquerda”, mesmo depois que as Forças Armadas passaram ao 1.º lugar de aprovação nas pesquisas.

O único político que tentou criar um partido nitidamente de direita foi Luís Eduardo Magalhães, grande promessa política que morreu aos 43 anos, em 1998. Sem ele, até PP, PTB e PL se apresentam como de “centro”. E viraram “Centrão”. Logo, a criação da Aliança pelo Brasil é um movimento importante e um teste sobre o tamanho e a identidade, ou alma, da direita brasileira, hoje mobilizada em torno de um “mito”, Jair Bolsonaro, e de uma novidade, o bolsonarismo. Seus nove partidos anteriores, como o PSL pelo qual se elegeu há um ano, foram apenas utilitários.

A grande pergunta, porém, é que direita é essa? Aquela direita de Luís Eduardo? Ou uma nova direita de cultos? A resposta pode definir uma linha clara entre os que apoiam o governo Bolsonaro por pragmatismo ou falta de opção e aqueles que realmente comungam as ideias, muitas delas beirando o absurdo, da nova onda de poder.

Celso Ming - Sinais de melhora. Mas é cedo para comemorar

- O Estado de S.Paulo

Depois de longa temporada de baixo-astral, espraia-se pelo País a sensação de que a economia está em recuperação, um tanto lenta, mas, digamos, consistente.

Há boas indicações que justificam esse estado de espírito. Um dos medidores da pulsação, o Monitor do PIB, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, mostrou que, até setembro, o ritmo dos negócios em 12 meses aumentou 0,9%, graças ao “bom desempenho na agropecuária, indústria (exceto transformação) e serviços (exceto transportes e intermediação financeira)”.

O consumo das famílias avançou 1,9% no terceiro trimestre em comparação com o terceiro trimestre de 2018. As projeções do mercado, medidas pela Pesquisa Focus, do Banco Central, indicam avanço da renda de 0,92% em 2019. Há uma apreciável melhora no crédito, cujo estoque na rede bancária cresceu 5,8% em 12 meses (dados de setembro). Até mesmo os caminhoneiros, há alguns meses tão insatisfeitos com o comportamento de sua renda, mostram confiança com o aumento da procura por transporte de carga, meses antes do início das safras de grãos.

O agronegócio é o setor produtivo mais dinâmico. Deve entregar aumento de cerca de 1,8% nas safras de grãos, como atestam os últimos levantamentos da Conab. E, apesar do fiasco dos dois últimos leilões de áreas do pré-sal, o setor do petróleo aponta para forte aumento da produção em 2020, dos atuais 2,9 milhões de barris diários para alguma coisa em torno dos 3,7 milhões.

Elena Landau* - Chama o Chacrinha

- O Estado de S.Paulo

Para ganhar apoio da sociedade, importância de PECs deve ficar bem clara

O governo enviou, recentemente, três propostas de emendas constitucionais visando reorganizar as finanças públicas e recuperar os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foram sendo abandonados pelo caminho com aval dos Tribunais de Contas dos Estados, e mesmo do STF.

As emendas são bastante complexas, mas mesmo que apresentadas em separado, elas estão conectadas. A lógica do processo não é de fácil entendimento, ficando circunscrita aos especialistas em contas públicas. Para ganhar apoio da sociedade, é fundamental que fique clara a importância de cada uma das medidas propostas, como se articulam, qual o objetivo final e por que o saldo das mudanças é positivo, ainda que imponha perdas para alguns grupos. Foi assim que a reforma da Previdência conseguiu ser aprovada este ano, após dois anos de debates, campanhas de esclarecimento e negociação política.

Complementando essas três PECs, o governo anunciou outra para a simplificação tributária, que deve ocorrer em etapas, ao longo de 2020. A prometida reforma administrativa subiu no telhado, deve ser desidratada, mas não foi ainda abandonada. Tudo isso aprovado, no conjunto, começa a dar um novo desenho ao Estado brasileiro. Mas refundar o Estado ainda vai exigir muitas outras medidas e mais radicais, lembrando que a privatização continua muito tímida. Que o governo não pare por aqui.

Merval Pereira - Pilatos no Credo

- O Globo

Fica evidente que já há uma maioria de votos a favor da atuação sem peias dos órgãos de fiscalização financeira como a UIF e a Receita Federal

O sujeito nada oculto do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), o senador Flávio Bolsonaro, tornou-se ontem o centro dos debates, tudo de maneira indireta, como necessariamente seria desde o início.

Pelo que se deduz da posição dos ministros, seja nos votos já proferidos, seja pelos comentários feitos durante a sessão, o antigo Coaf, hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vai ter permissão para usar os dados recebidos dos bancos da maneira como vem fazendo, de acordo com as normas internacionais.

Isso quer dizer que o processo contra o filho de Bolsonaro, suspenso desde julho por uma liminar do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, poderá ter prosseguimento, assim como os demais que estão paralisados desde a primeira decisão. O próprio Toffoli votou ontem por permitir essa atuação da UIF, quando havia dado a liminar a pedido da defesa de Flávio devido à ação do antigo Coaf. O julgamento foi suspenso diante da contestação de três ministros sobre a inclusão da hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF) no processo, já que originalmente a disputa era entre um casal dono de um posto de gasolina que reclamava do compartilhamento de dados da Receita Federal.

Flávia Oliveira - Materializou-se o partido da Bala

- O Globo

No país em que a morte está se tornando partido político por iniciativa do presidente da República, ficar vivo é ato revolucionário. Desde o início de 2019, são evidentes os sinais de que o Brasil caminha para o Estado de extermínio e impunidade. No Legislativo, tramita o pacote anticrime do ministro Sergio Moro, que pretende instituir redução de pena ou absolvição para homicídios cometidos por agentes da lei sob argumento de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Chamam de excludente de ilicitude, eufemismo para licença para matar. É mecanismo que, aplicado no Rio de Janeiro às margens da legislação pelo governador Wilson Witzel, deu em 1.402 mortes decorrentes de intervenção policial de janeiro a setembro, salto de 18,6% sobre um ano antes. Em 2018, o Anuário Brasileiro da Segurança Pública contabilizou 6.220 homicídios cometidos por policiais no país, 17 por dia.

Jair Bolsonaro já assinou decretos flexibilizando apos sede armas de fogo e prometeu indulto a policiais “presos injustamente”, seja lá o que isso signifique. Ontem, enviou ao Congresso Nacional projeto de lei para isentar de punições militares das Forças Armadas, policiais federais e integrantes das forças de segurança participantes de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prerrogativa exclusiva da Presidência. A proposta foi anunciada durante o lançamento da Aliança pelo Brasil, partido ao qual pretende se filiar. Por encomenda do deputado estadual Delegado Péricles (PSL-SP), informou o portal UOL, o artista Rodrigo Camacho produziu com quatro mil cartuchos de munição .40, .50, 762 e 556 a marca da legenda.

Bernardo Mello Franco - A bancada do racismo

- O Globo

Os deputados têm em quem se espelhar. Em sete mandatos na Câmara, Bolsonaro sempre pregou o ódio e a intolerância sem sofrer qualquer punição

A imunidade parlamentar existe para garantir o direito à crítica e à liberdade de expressão. Não deve ser usada para proteger políticos que incitam o ódio e cometem crime de racismo.

Na véspera do Dia da Consciência Negra, dois deputados do PSL fizeram declarações explicitamente discriminatórias. A dupla destilou preconceito a pretexto de explicar por que 75,4% dos mortos em intervenções policiais são negros.

A primeira ofensa partiu do deputado Coronel Tadeu, que arrancou e pisoteou uma charge sobre a violência policial. Não foi um ato impulsivo. O parlamentar levou um assessor para filmar a performance e divulgá-la nas redes sociais.

Míriam Leitão - O risco ambiental da falta de resposta

- O Globo

Governadores querem um plano imediato do governo federal de combate ao desmatamento, mas só ouviram propostas vazias do ministro Salles

O Brasil já começou a perder o próximo ano ambiental. De agosto a outubro o desmatamento cresceu 100% em relação ao mesmo período anterior, e esses dados entram no período 2020. As ideias que o ministro Ricardo Salles apresentou não são apenas vagas, são perigosas. Quando ele diz que quer regularização fundiária, está se referindo a um projeto do governo que exige apenas a autodeclaração do ocupante para a emissão do documento de propriedade. Isso, claro, é o caminho para legalizar a grilagem.

Os empresários do agronegócio estão preocupados, com razão. As ameaças aos nossos produtos, por razões ambientais, estão se tornando concretas. Nova York apresentou uma resolução determinando que empresas e órgãos instalados na cidade não comprem de empresas que desmatem a Amazônia e não invistam em empresas agrícolas que se beneficiem do desmatamento. Alguns senadores americanos, entre eles quatro pré-candidatos, escreveram uma carta para grandes grupos e instituições financeiras para que usem sua influência para deter o desmatamento da Amazônia. Uma dessas cartas foi para empresas de bebidas, alimentos e bens de consumo. “Por favor, falem alto e deixem claro que a proteção da Amazônia é essencial para que a sua companhia faça negócios na região”, diz o texto. Algumas dessas empresas destinatárias estão aqui, como a Cargill, Loreal, Nestlé.

Crescimento só acelera com redução da desigualdade, diz Arminio Fraga

O ex-presidente do BC defende que a redução da desigualdade é essencial para destravar a economia

Por Hugo Passarelli | Valor Econômico

SÃO PAULO - Não há conflito entre crescimento econômico, distribuição de renda e proteção social, afirmou nesta quinta-feira o economista e ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. Ele defende que a redução da desigualdade é essencial para destravar a economia e que, para viabilizar essas iniciativas, seria preciso encontrar espaço fiscal por meio da reforma do Estado brasileiro e de ajustes adicionais na Previdência Social, necessários mesmo após as mudanças sancionadas na semana passada.

“Discordo radicalmente de uma linha mais antiga, que é fazer o bolo crescer para depois distribuir. O bolo não vai crescer, a situação do país é precária e altamente instável. Essas coisas [redução da desigualdade] têm de acontecer em paralelo com outras mudanças”, disse Arminio, durante debate na FEA/USP.

Utilizando dados conhecidos que demonstram o tamanho dos gastos da União e do abismo social do país, como o índice de Gini, Arminio defende que é preciso eliminar distorções do orçamento público para investir mais em educação e saúde.

“A desigualdade segue alta, o Estado não age adequadamente no investimento em pessoas e infraestrutura. Além disso, o Estado brasileiro é relativamente grande e pouco produtivo”, afirma.

“Precisamos gastar mais e melhor no social, mesmo que o retorno seja lento, conforme mostram alguns pesquisadores”, disse.

Essa agenda, ele defende, passa pela continuidade da diminuição dos subsídios do BNDES, aumento da concorrência interna e externa e a revisão das desonerações e da carga tributária. “Há muito espaço para eliminar aberrações tributárias”, sustentou, elencando exemplos como as empresas e trabalhadores enquadrados em regimes especiais como o Simples e MEI, bem como as deduções de Imposto de Renda dos gastos com educação e saúde.

Para equilibrar essa balança, o ex-presidente do BC também lembra que seria desejável tributar dividendos, hoje isentos de imposto, bem como aumentar a cobrança sobre heranças e doações, cujas alíquotas são bem menores do que em outros países.

O que a mídia pensa – Editoriais

Bad News – Editorial | Folha de S. Paulo

Proposta do TSE para combater notícia fraudulenta nas campanhas desperta dúvidas

Tem razão o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em se preocupar com o impacto que informações falsas poderão ter nas eleições municipais do próximo ano, mas a ideia de que o problema vá ser resolvido por meio de resoluções emanadas pela corte é não apenas duvidosa como potencialmente perigosa.

Fake news, ou notícias fraudulentas, constituem uma praga que assola processos eleitorais no mundo inteiro. Embora a propagação de inverdades não represente novidade, dado que a humanidade convive com boatos e rumores desde sempre, o advento da internet com suas redes sociais deu à prática alcance e velocidade inauditos.

Ela não tem o dom de alterar as preferências ideológicas, mas costuma estimular a militância e oferecer oportunidades de racionalização para eleitores em dúvida.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Brinde no banquete das musas

Poesia, marulho e náusea,
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida

Deixaste-nos mais famintos,
poesia, comida estranha,
se nenhum pão te equivale:
a mosca deglute a aranha.

Poesia sobre os princípios
e os vagos dons do universo:
em teu regaço incestuoso,
o belo câncer do verso.

Poesia, sobre o telúrio,
reintegra a essência do poeta,
e o que é perdido se salva...
Poesia, morte secreta.

Música | Moacyr Luz - Atravessado