sábado, 27 de fevereiro de 2010

Greves de fome em série

DEU EM O GLOBO

Mais 5 cubanos iniciam movimento e oposição teme que governo não atenda aos apelos

Cristina Azevedo

A morte do preso político Orlando Zapata Tamayo após uma greve de fome de quase três meses provocou uma espécie de efeito dominó entre a dissidência cubana. Além do psicólogo Guillermo Fariñas, que na noite de quinta-feira parou de ingerir alimentos e mesmo água, quatro presos políticos aderiram ontem ao movimento. Havia ainda informações de mais quatro a seis pessoas iniciando uma greve de fome nas prisões de Holguín e Canaleta.

Fariñas pede a libertação de 25 presos políticos que se encontram com a saúde bastante deteriorada. Mas parte dos dissidentes vê com preocupação sua atitude, e a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional entrou ontem em contato com as famílias dos presos pedindo que os demovessem da ideia.

— Tememos que a adesão entre os presos aumente. Achamos que o governo não vai ouvir os apelos. Esse é um ato desesperado. Eles são inocentes e estão presos há sete anos — contou Elizardo Sánchez, presidente da comissão, por telefone, de Havana. — Presos comuns também podem acabar aderindo Jejum e prece para a Primavera Negra

O caso mais preocupante é o de Fariñas, um psicólogo de 48 anos que já tem a saúde debilitada pelas 23 greves de fome que fez desde 1995. Nos últimos anos, Fariñas passou a maior parte do tempo preso, primeiro por denunciar o desvio de doações hospitalares; outra por uma greve de fome pedindo a libertação de uma presa política; e a terceira por resistir a um agente de segurança. De sua casa, em Santa Clara, ele se diz disposto a continuar com a greve, apesar do protesto da família.

— Se o governo me deixar morrer, desta vez não terá justificativa. Não poderá dizer que foi uma casualidade, como no caso de Zapata — disse, Fariñas, ao GLOBO.

Os opositores temem que o organismo de Fariñas comece a entrar em colapso 48 horas depois do início da greve. Mas o psicólogo fala com serenidade sobre o assunto e conta que hoje sua filha, de 8 anos, vai visitá-lo.

— Antes que eu entre em coma — acrescenta.

Além de Fariñas, os dissidentes confirmaram que os presos políticos Eduardo Díaz Fleitas, Nelson Molinet e Diosdado González, detidos na penitenciária Kilo 5, e Fidel Suárez Cruz, na Kilo 8, todas em Pinar del Río, estão em greve de fome. Todos fazem parte dos 75 opositores presos em 2003.

— Eles foram removidos para solitárias.

Exatamente como fizeram com Zapata no início — contou Sánchez. — Isso complica a situação e tende a radicalizar o protesto dos outros presos.

Há relatos ainda de que de três a cinco pessoas numa prisão de Canaleta também tenham iniciado uma greve de fome e de mais uma em Holguín, onde Zapata esteve preso.

Mesmo não tendo sido divulgada pela imprensa cubana, a notícia da morte de Zapata começa aos poucos a se espalhar pela capital.

Os dissidentes já a citam como um marco — com um antes e depois da morte do operário de 42 anos que defendia os direitos humanos. Alguns dizem que pela primeira vez a fragmentada oposição fala a uma só voz.

— O primeiro impacto da morte foi a união, pelo menos na questão dos direitos humanos. Muitos falam em mostrar maturidade, uma posição comum quanto à questão diante do governo e da comunidade internacional — conta Manuel Cuesta Morúa, da organização Arco Progressista. — Mas vai ter impacto também sobre a sociedade e sobre a imagem do governo no mundo. Como Cuba pode promover uma campanha de saúde enviando médicos ao exterior e deixar um cidadão seu morrer? Cuesta foi uma das mais de cem pessoas detidas após a morte de Zapata, na terça-feira. Ele foi preso quando ia à casa de Laura Pollán, uma das Damas de Branco (movimento das mulheres de presos políticos), onde era realizado um velório simbólico, e levado à força a uma delegacia. Nas 11 horas em que ficou detido, Cuesta foi interrogado. Só foi libertado quando a polícia se convenceu de que não pretendia realizar manifestação — apenas assinar o livro de condolências.

A morte de Zapata e as greves de fome ocorrem pouco antes de a chamada Primavera Negra completar sete anos. Para marcar o aniversário da onda repressora de 2003, os presos políticos Oscar Elías Bicet, Julio César Gálvez, Ricardo González Alfonso, Normando Hernández, Regis Iglesias e Ángel Moya — também do Grupo dos 75 — marcaram para 18 de março “um dia de jejum nacional e de oração pela libertação de todos os presos políticos e pela reconciliação do povo cubano”, diz a carta que conseguiram enviar da prisão de Combinado del Este.

— Há um efeito dominó — disse Cuesta. — Estamos caminhando para um ato dramático que culminará ou com um ato de racionalidade do governo, libertando os presos políticos, ou com mais repressão. A comunidade internacional precisa ficar atenta ao que vai acontecer em Cuba.

A Anistia Internacional adicionou ontem mais um cubano à sua lista de presos de consciência, que já soma 55: Darsi Ferrer, diretor de um centro de defesa dos direitos humanos em Havana, preso desde julho

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