DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Acontece mais um abril "vermelho". O roteiro dessa confusão anda bem conhecido pela sociedade. Incerto mesmo está o propósito atual das estripulias agrárias no campo. O que pretende, afinal, o Movimento dos Sem-Terra (MST)?
Resposta óbvia: a reforma agrária. Sabe-se que o famoso movimento surgiu, há 25 anos, na luta contra o latifúndio. Historicamente a distribuição de terras se preconizava como caminho para o moderno desenvolvimento latino-americano. O Estatuto da Terra chega em 1964. Reprimido pelo regime militar, pouco solucionou o problema.
Quando, em 1985, sucedendo o autoritarismo, se instala a chamada Nova República, enormes expectativas se criam no País, cheio de vontade para redimir seu injusto passado. Um milhão de assentamentos rurais, no prazo de quatro anos, acaba prometido ao povo. Agora vai, pensaram os reformistas da esquerda.
Findo o governo Sarney, apenas 82.260 famílias foram beneficiadas pela reforma agrária. Uma frustração tomou conta da sociedade. Havia restrições legais. A nova Constituição, promulgada em 1988, exigia leis complementares que tardaram para regulamentar o processo de redistribuição fundiária. Collor não ligou para o assunto. Itamar tentou, mas pouco conseguiu avançar.
Fernando Henrique assumiu o governo, em 1995, com um enorme passivo agrário a enfrentar. Barracos de lona preta indicavam dezenas de acampamentos às margens das rodovias, na beirada de fazendas marcadas pela encrenca. Cerca de 50 mil famílias, gente excluída da modernização agrícola, se acotovelava gritando pela terra prometida. Reforma agrária já.
Nessa época, o MST começava a se firmar no cenário das lutas agrárias, rivalizando com a tradicional, e poderosa, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Dominada historicamente pelos comunistas, a Contag envelhecera seus métodos de atuação política, acusada de peleguismo. Surgiram assim, pelas mãos da moçada gaúcha do MST, as violentas invasões de terras. O bicho pegou.
Invadir propriedades rurais - ou ocupar latifúndios, conforme dissimuladamente se denominava a arbitrariedade - chamava a atenção contra a lerdeza do processo de redistribuição fundiária, empurrando a agenda governamental para a frente. Por isso, recebia o apoio da sociedade. A mídia adorava.
Passaram-se 15 anos. E, surpresa, ao contrário do que pensa o senso comum, o Brasil realizou a maior reforma agrária do mundo. O último relatório do Incra aponta a existência de 8.562 projetos implantados, com 906.878 famílias assentadas. Somados os mais recentes, pode-se dizer que 1 milhão de famílias recebeu terras, somando 80 milhões de hectares distribuídos. Para comparação, a área total cultivada no País atinge 67 milhões de hectares. Pasmem.
Ora, se a distribuição foi tamanha, por que não se acalmam os sem-terras? O argumento histórico, percebam, sobre a lerdeza do governo no processo da reforma agrária, não cabe mais. Algo distinto move o MST. Destrinchar esse enigma faz bem ao debate nacional.
A turma do MST afirma que ainda falta muita gente para ganhar seu quinhão. Pode ser. Mas essa hipótese considera incluir os desempregados da cidade, não propriamente os tradicionais sem terra, aqueles excluídos no campo. Fabricar sem-terras nas periferias urbanas infla a conta, mas não garante sucesso. Pelo contrário. Parte do fracasso dos assentamentos rurais se deve exatamente à falta de aptidão para a lide rural.
Outra linha de raciocínio centra fogo no agronegócio. Antigamente era o latifúndio culpado pelo mal. Sua existência caracterizava o velho feudalismo a ser varrido do mapa. Agora, porém, modernizadas as relações de produção, criou-se nova dicotomia, aquela que opõe a agricultura familiar ao negócio rural capitalista. Os ideólogos do MST abriram um fosso entre a via campesina e a agricultura empresarial. Tremenda bobagem.
Celso Ming escreveu em sua coluna no Estado, dias atrás, que o MST carrega a bandeira do atraso, invocando, muito apropriadamente, o conceito das utopias regressivas. No popular, lembra o apelo bucólico do passado, aquela reminiscência gostosa, bem brasileira, da época em que o bolo de fubá se fazia com ovo caipira colhido no quintal, perto da horta caseira. Um passeio a cavalo, um fogão a lenha na cabana da montanha. Quem não gosta?
No fundo, ao defender a agricultura familiar e atacar o agronegócio, valoriza-se a pobreza rural. Utopia faz bem, perfuma a vida. Mas cultivar a existência miserável abre caminho para a subserviência humana. Fazer reforma agrária só tem sentido se, economicamente, resultar em progresso material, em melhoria de qualidade de vida dos beneficiados. O MST, ao recusar a tecnologia e a integração produtiva, características básicas da moderna agricultura, condena o assentado à eterna dependência.
Difícil entender as razões do MST. Possivelmente, ainda mais em anos eleitorais como este, a motivação se encontra na política. No período de Fernando Henrique, lembram-se, o MST dizia combater o neoliberalismo. Uma chatice. Entrou o Lula, roupagem dúbia adornou a tagarelice do Stédile, bem no estilo oficial do bate-e-assopra, uma invasão aqui, um convênio ali. Beira a picaretagem.
Aproximando-se o pleito presidencial, divulga o ignóbil líder do MST que a eleição do Serra seria o "pior dos mundos". Depreende-se, portanto, que suas ações avermelhadas servem à candidatura oficial. Para divulgá-la invadem fazendas produtivas, destroem laranjais, queimam viveiros, roubam gado, fazem justiça com as próprias mãos. Resultado: estimulam a violência no campo. Sorte da Dilma?
Azar da democracia. Ninguém aguenta mais as invasões de terras.
Agrônomo, é Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
Acontece mais um abril "vermelho". O roteiro dessa confusão anda bem conhecido pela sociedade. Incerto mesmo está o propósito atual das estripulias agrárias no campo. O que pretende, afinal, o Movimento dos Sem-Terra (MST)?
Resposta óbvia: a reforma agrária. Sabe-se que o famoso movimento surgiu, há 25 anos, na luta contra o latifúndio. Historicamente a distribuição de terras se preconizava como caminho para o moderno desenvolvimento latino-americano. O Estatuto da Terra chega em 1964. Reprimido pelo regime militar, pouco solucionou o problema.
Quando, em 1985, sucedendo o autoritarismo, se instala a chamada Nova República, enormes expectativas se criam no País, cheio de vontade para redimir seu injusto passado. Um milhão de assentamentos rurais, no prazo de quatro anos, acaba prometido ao povo. Agora vai, pensaram os reformistas da esquerda.
Findo o governo Sarney, apenas 82.260 famílias foram beneficiadas pela reforma agrária. Uma frustração tomou conta da sociedade. Havia restrições legais. A nova Constituição, promulgada em 1988, exigia leis complementares que tardaram para regulamentar o processo de redistribuição fundiária. Collor não ligou para o assunto. Itamar tentou, mas pouco conseguiu avançar.
Fernando Henrique assumiu o governo, em 1995, com um enorme passivo agrário a enfrentar. Barracos de lona preta indicavam dezenas de acampamentos às margens das rodovias, na beirada de fazendas marcadas pela encrenca. Cerca de 50 mil famílias, gente excluída da modernização agrícola, se acotovelava gritando pela terra prometida. Reforma agrária já.
Nessa época, o MST começava a se firmar no cenário das lutas agrárias, rivalizando com a tradicional, e poderosa, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Dominada historicamente pelos comunistas, a Contag envelhecera seus métodos de atuação política, acusada de peleguismo. Surgiram assim, pelas mãos da moçada gaúcha do MST, as violentas invasões de terras. O bicho pegou.
Invadir propriedades rurais - ou ocupar latifúndios, conforme dissimuladamente se denominava a arbitrariedade - chamava a atenção contra a lerdeza do processo de redistribuição fundiária, empurrando a agenda governamental para a frente. Por isso, recebia o apoio da sociedade. A mídia adorava.
Passaram-se 15 anos. E, surpresa, ao contrário do que pensa o senso comum, o Brasil realizou a maior reforma agrária do mundo. O último relatório do Incra aponta a existência de 8.562 projetos implantados, com 906.878 famílias assentadas. Somados os mais recentes, pode-se dizer que 1 milhão de famílias recebeu terras, somando 80 milhões de hectares distribuídos. Para comparação, a área total cultivada no País atinge 67 milhões de hectares. Pasmem.
Ora, se a distribuição foi tamanha, por que não se acalmam os sem-terras? O argumento histórico, percebam, sobre a lerdeza do governo no processo da reforma agrária, não cabe mais. Algo distinto move o MST. Destrinchar esse enigma faz bem ao debate nacional.
A turma do MST afirma que ainda falta muita gente para ganhar seu quinhão. Pode ser. Mas essa hipótese considera incluir os desempregados da cidade, não propriamente os tradicionais sem terra, aqueles excluídos no campo. Fabricar sem-terras nas periferias urbanas infla a conta, mas não garante sucesso. Pelo contrário. Parte do fracasso dos assentamentos rurais se deve exatamente à falta de aptidão para a lide rural.
Outra linha de raciocínio centra fogo no agronegócio. Antigamente era o latifúndio culpado pelo mal. Sua existência caracterizava o velho feudalismo a ser varrido do mapa. Agora, porém, modernizadas as relações de produção, criou-se nova dicotomia, aquela que opõe a agricultura familiar ao negócio rural capitalista. Os ideólogos do MST abriram um fosso entre a via campesina e a agricultura empresarial. Tremenda bobagem.
Celso Ming escreveu em sua coluna no Estado, dias atrás, que o MST carrega a bandeira do atraso, invocando, muito apropriadamente, o conceito das utopias regressivas. No popular, lembra o apelo bucólico do passado, aquela reminiscência gostosa, bem brasileira, da época em que o bolo de fubá se fazia com ovo caipira colhido no quintal, perto da horta caseira. Um passeio a cavalo, um fogão a lenha na cabana da montanha. Quem não gosta?
No fundo, ao defender a agricultura familiar e atacar o agronegócio, valoriza-se a pobreza rural. Utopia faz bem, perfuma a vida. Mas cultivar a existência miserável abre caminho para a subserviência humana. Fazer reforma agrária só tem sentido se, economicamente, resultar em progresso material, em melhoria de qualidade de vida dos beneficiados. O MST, ao recusar a tecnologia e a integração produtiva, características básicas da moderna agricultura, condena o assentado à eterna dependência.
Difícil entender as razões do MST. Possivelmente, ainda mais em anos eleitorais como este, a motivação se encontra na política. No período de Fernando Henrique, lembram-se, o MST dizia combater o neoliberalismo. Uma chatice. Entrou o Lula, roupagem dúbia adornou a tagarelice do Stédile, bem no estilo oficial do bate-e-assopra, uma invasão aqui, um convênio ali. Beira a picaretagem.
Aproximando-se o pleito presidencial, divulga o ignóbil líder do MST que a eleição do Serra seria o "pior dos mundos". Depreende-se, portanto, que suas ações avermelhadas servem à candidatura oficial. Para divulgá-la invadem fazendas produtivas, destroem laranjais, queimam viveiros, roubam gado, fazem justiça com as próprias mãos. Resultado: estimulam a violência no campo. Sorte da Dilma?
Azar da democracia. Ninguém aguenta mais as invasões de terras.
Agrônomo, é Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
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