Apresentado aos parlamentares em setembro do ano passado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, o projeto de lei complementar que altera o arcabouço jurídico do sistema de defesa nacional foi aprovado seis meses depois na Câmara por um grande acordo interpartidário na semana passada, sem que se desse muita atenção às mudanças fundamentais que ele introduz, e ao significado que tem essa nova estrutura para as negociações de compra de material bélico com o compromisso de transferência de tecnologia, inclusive a compra dos novos caças, cuja licitação está para ser resolvida, não por acaso, nos próximos dias.
Aprovado por larguíssima maioria, o projeto é um exemplo de como governo e oposição podem cooperar em questões de Estado, para o bem da democracia e do país, define o deputado Raul Jungman, membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara, que considera esta a maior mudança em talvez um século, na estrutura da Defesa e das Forças Armadas.
Transformando em realidade a atuação do Ministério da Defesa sob comando civil, um dos artigos da lei determina, por exemplo, que o ministro, que antes era ouvido quando da nomeação dos comandantes militares das três forças, agora os indique ao presidente para sua efetivação.
Já o artigo 7º define que compete ao ministro da pasta indicar a lista de promoção de cada uma das Armas, no tocante aos seus oficiais superiores, inclusive generais.
Antes, isso se dava mediante reunião conjunta entre o presidente, ministro e comandantes militares.
Em outro artigo, extingue-se o Estado-Maior da Defesa e em seu lugar é instituído o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.
Este será chefiado por um oficial general no topo da carreira (quatro estrelas), que terá o mesmo status dos demais comandantes, será assessorado pelos chefes dos estados-maiores das três Armas, além de incorporar secretarias estratégicas, antes paralelas.
Todo esse aparato responderá diretamente ao ministro da Defesa. A centralização das decisões de compra de material bélico em uma secretaria do Ministério da Defesa é considerada pelos especialistas medida inovadora, de longo alcance e impacto, superando dois problemas crônicos: a competição das Forças entre si por mais e melhores materiais e equipamentos com exclusividade, e a incompatibilidade entre artefatos, máquinas e tecnologias.
A medida torna mais efetiva a operação conjunta das três Forças, imperativo decisivo da guerra moderna, segundo os especialistas.
A centralização das decisões de compra será de capital importância na redução dos custos, pelo ganho de escala, a redução de estoques e eliminação de supérfluos.
Um objetivo estratégico dessa unificação é incentivar a indústria bélica nacional, atendendo assim a um dos imperativos da estratégia nacional de defesa recentemente aprovada pelo Ministério da Defesa.
Outro ponto fundamental da nova lei é a extensão das prerrogativas de patrulha, revista e prisão em flagrante à Marinha, no mar e águas interiores e à Força Aérea no espaço aéreo, já consignadas ao Exército nas fronteiras, na ausência ou impossibilidade de contar com a Polícia Judiciária.
A medida representa um avanço na luta contra o crime organizado no combate ao tráfico de drogas, armas, crimes ambientais e transfronteiriços, e dá segurança jurídica para a atuação das Forças Armadas em tempos de paz.
A dualidade de foro, civil ou militar, no caso de delitos praticados por integrantes das Forças Armadas quando em missão decorrente de suas atribuições subsidiárias, como a garantia de lei e da ordem e segurança de eventos como Olimpíadas ou eleições, geravam fortes resistências na corporação.
Esses crimes e delitos passam agora a ser competência exclusiva da Justiça Militar, exceto aqueles tipificados como dolosos contra a vida.
A nova lei estabelece também a responsabilidade conjunta do Executivo e do Legislativo pela defesa nacional.
Como define bem o deputado Jungman, na tradição histórica do nosso hiperpresidencialismo, o Executivo detinha o quase monopólio das iniciativas e decisões na área da defesa.
Tal realidade gerou um alheamento do Parlamento que tinha reduzidas responsabilidades sobre o tema e nenhum interesse direto, pois Defesa não dá votos ou cargos.
Esse distanciamento, ressalta Raul Jungman, se transformava em uma ameaça, pois a proclamada projeção internacional do Brasil e suas aspirações à governança global irão requerer pesadas e crescentes responsabilidades na área de segurança em escala regional e, posteriormente, global.
O assunto defesa nacional passará a ser mais e mais responsabilidade de Estado, e não apenas de governo, como até o presente.
O Executivo, destaca Jungman, é a expressão de uma maioria eventual, já o Congresso Nacional representa a toda a Nação.
Com o objetivo de tornar a política de defesa nacional uma política de Estado e não apenas de governo, Jungman propôs ao ministro Nelson Jobim, com o apoio de líderes de todos os partidos, que a estratégia de defesa nacional, atualizada de quatro em quatro anos, fosse enviada, debatida e aprovada pelo Congresso.
E também que o Executivo enviasse ao Parlamento, periodicamente, o Livro Branco da Defesa Nacional, espécie de anuário contendo as principais disposições, composição, organização e condições de preparo e emprego das Forças Armadas.
Essas duas medidas, além de nos equiparar, no plano normativo e institucional, às principais democracias do mundo, representam um avanço extraordinário em termos de transparência e democracia.
Externamente, é um recado explícito aos nossos vizinhos e amigos, sobre as disposições pacíficas do Brasil relacionadas à sua defesa.
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