Procuradores discutem possibilidade de denunciar ocultação de cadáver, violação que não seria coberta pela Lei da Anistia
Chico Otavio
No esforço de investigar as violações cometidas no regime militar (1964-1985) sem esbarrar nos limites impostos pela Lei da Anistia, o grupo de trabalho "Justiça de Transição", composto por procuradores da República, deverá trabalhar com a tese dos crimes permanentes, como a ocultação de cadáveres. A interpretação do grupo, explicou o procurador da República Ivan Cláudio Marx (Uruguaiana), é de que os responsáveis pelo sequestro e desaparecimento das vítimas do regime, ao se negarem a fornecer o paradeiro dos corpos, continuam praticando o crime de ocultação até hoje.
Desde ontem, integrantes do grupo estão reunidos em Brasília, para definir estratégias de apuração. Uma delas é a abertura de procedimentos investigatórios criminais, em vez de inquéritos, para os casos de violação. Como o procedimento é uma etapa inicial, conduzida internamente pelo Ministério Público Federal, sem a participação da autoridade policial, os procuradores entendem que a investigação fica menos exposta a eventual pedido de trancamento.
No Rio, o Ministério Público Federal quer investigar, a partir dessa teoria, os casos de quatro desaparecidos políticos: Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, militante da VAR Palmares - o único procedimento já aberto -, Stuart Edgard Angel Jones (MR 8), Mário Alves (PCBR) e o deputado cassado Rubens Paiva. Criado em novembro do ano passado, com objetivo dar uma resposta à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil por violações na Guerrilha do Araguaia, o grupo mobiliza procuradores da República do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pará. Coordenador do projeto, Ivan Cláudio disse que os participantes ouviram ontem doutrinadores das universidades americanas de Stanford e Harvard para saber o que pensam dos crimes imprescritíveis (quando nunca se esgota a possibilidade de punição dos responsáveis).
O promotor de Justiça Militar Otávio Bravo, responsável pela abertura de investigações sobre 29 casos de desaparecimento no Rio, disse que o trabalho dos colegas do MP Federal não atrapalha o andamento das suas apurações. Se constatar que os sequestros terminaram antes de 15 de agosto de 1979 (data da Lei da Anistia) com a morte das vítimas, ele reconhecerá a prescrição dos casos, mas encaminhará tudo aos procuradores da República, que têm atribuição para investigar ocultação de cadáver.
- É talvez a única possibilidade de ver um militar sentado no banco dos réus.
FONTE: O GLOBO
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