domingo, 4 de agosto de 2013

O estado-babá - Merval Pereira

A menos de um mês da entrada em vigor da resolução que proíbe a presença de aditivos nos cigarros brasileiros, na quarta-feira a Anvisa recuou da decisão. Em setembro serão proibidos apenas os cigarros mentolados. Outros 145 aditivos serão examinados por uma "câmara técnica", a ser criada. Essa câmara, cuja composição ainda não foi definida, mas que não contará com representantes da indústria do tabaco, terá um ano para elaborar um parecer.

Para a Anvisa, a melhor maneira de convencer os brasileiros a parar de fumar é alterar o sabor do produto a que estão acostumados. Com a medida, o cigarro não fica mais saudável, fica pior para o consumidor, garantem os empresários do ramo.

Foi uma reunião tensa a de quarta, e muito pouco técnica, a ponto de o diretor José Agenor Álvares da Silva ter chamado de "Nosferatu" um dos representantes da indústria presente.
A decisão foi tomada quando o STF se preparava para analisar uma ação de inconstitucionalidade da Confederação Nacional da Indústria, que quer a definição dos limites do poder da Anvisa. Os empresários consideram que o resultado será decisivo para definir o ambiente de negócios no país.

A resolução 14/2012 está sendo vista como exemplar de uma ofensiva contra a liberdade empresarial no Brasil e, como atinge a indústria do fumo, um setor considerado antipático e estigmatizado pelos prejuízos que pode causar à saúde da população, os abusos de regulação não são devidamente combatidos.

Segundo os empresários, a CNI tem buscado a Justiça como caminho para preservar as regras da democracia, da livre iniciativa e do equilíbrio entre poderes, algo maior e mais importante do que a questão dos cigarros. Na legislação sobre os aditivos dos cigarros, o Congresso havia rejeitado uma medida provisória sobre o tema, e a Anvisa fez uma medida administrativa para superar o Legislativo.

Há exemplos de sobra apenas na Anvisa de como o "Estado-Babá" atua, na suposição de que deve proteger os cidadãos de si mesmos através de medidas regulatórias que visam "o bem social".

Com o objetivo de reduzir a automedicação, em 2009 a Anvisa decidiu proibir a comercialização de medicamentos isentos de prescrição no balcão de farmácias por meio da Resolução RDC nº 44.

Sem analisar os impactos que a medida poderia ocasionar, a Agência viu-se, curiosamente, diante de um cenário de aumento do consumo porque passaram a comprar embalagens maiores, para evitar o inconveniente de solicitar aos atendentes das farmácias os referidos produtos.

Ainda em 2009, a Anvisa decidiu regular o bronzeamento artificial, praticamente proibindo-o no país. O setor foi à Justiça e conseguiu uma liminar considerando que a resolução RDC 56/09 "desborda do princípio da razoabilidade, porque não informa o tempo de exposição necessário" para afirmar que a exposição a raios ultravioletas é causadora de câncer.

Também sob a justificativa de "proteção da saúde pública", a Anvisa editou em 2010 a Resolução RDC nº 24, determinando a colocação de advertências em alimentos que possuem baixo valor nutricional, com o objetivo de induzir a população àquilo que considerava um estilo de alimentação adequado.

Entidades representativas do setor pleiteiam no Judiciário a suspensão da medida. Mais recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região se manifestou no sentido de que "extrapolou[-se] a competência legal conferida àquela Agência, violando, a um só tempo, os princípios da legalidade e razoabilidade, e o direito à publicidade, sem contar a indevida intervenção na atividade econômica dos associados da autora". A própria Advocacia Geral da União (AGU) entendeu que a medida deveria ser suspensa.

Outro exemplo foi a tentativa de proibição do uso de medicamentos emagrecedores, em outubro de 2011. Na ocasião, a comunidade médica se mostrou contrária ao banimento, ressaltando a importância dos medicamentos para o tratamento da obesidade. Apenas no final de maio deste ano a Agência resolveu liberar a utilização de emagrecedores à base de sibutramina.

Fonte: O Globo

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