A mágoa dos petistas com o presidente da Câmara não teria importância se não houvesse tantos problemas entre os partidos centrais da coalizão governista
Se as coisas já não andavam bem entre o PT e o PMDB, ambos ganharam um novo ingrediente ácido com o episódio que levou à renúncia do ex-deputado José Genoino. A mágoa dos petistas com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, pode ter desdobramentos eleitorais e parlamentares, no âmbito da Câmara, envolvendo, pelo menos, os grupos ligados a Henrique. Mas, antes mesmo da renúncia, no encontro que teve com os novos presidentes estaduais do PT, na segunda-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-me muito do PMDB, relatando como “muito ruim” a reunião que ele e a presidente Dilma tiveram com dirigentes do partido no sábado.
Ele mesmo relatou que, em dado momento do encontro, marcado para avaliar a replicação da aliança nos estados, diante de informações sobre as recalcitrâncias de algumas secções regionais, como a de Pernambuco (controlada pelo senador oposicionista Jarbas Vasconcelos, que está ao lado de Eduardo Campos, do PSB), em apoiar a reeleição de Dilma, teria perguntado ao vice-presidente Michel Temer: “Ô, Michel, eles não estão querendo votar em você! Como é que você vai resolver isso?”
Entre os deputados, a desconfiança de que Henrique estivesse querendo “jogar para a plateia com a cabeça de Genoino” começou na semana passada, quando a direção da Câmara organizou uma entrevista coletiva dos médicos que integraram a junta encarregada de avaliá-lo, com vistas à concessão da aposentadoria por invalidez, requerida ainda antes da prisão. Na entrevista, foi divulgado apenas um resumo do laudo, informado que o ex-deputado não era portador de cardiopatia grave, tendo, por isso, os médicos optado não pela concessão da aposentadoria, mas pela prorrogação da licença médica por 90 dias.
O laudo completo, entretanto, foi obtido pelo irmão de Genoino, o líder José Guimarães. Nele, os médicos afirmam que o ex-deputado é “indivíduo sujeito a riscos de novos eventos cardiovasculares”, em função da prótese implantada próxima do arco da aorta e de problemas de coagulação e hipertensão. Henrique, já diziam os petistas na sexta-feira passada, certamente não ignorou essa ocultação de uma parte importante do laudo. O documento resumido é que acabou pautando o noticiário. Anteontem veio o desfecho: o vice-presidente da Câmara, André Vargas, do PT, surpreendeu Henrique e os integrantes da Mesa com a carta de renúncia, quando já havia votos suficientes para abertura do processo de cassação. Se a formalidade fosse concluída, Genoino não poderia mais renunciar, tendo que enfrentar o julgamento do plenário, agora com o voto aberto.
Ontem, foi um dia de constrangimentos. Os petistas evitaram encontros com os integrantes da Mesa que votaram a favor da abertura do processo para não ouvir justificativas. Quiseram deixar claro que a ferida está aberta, explicou um deles, embora assegurando que não haverá retaliações. Henrique tentou esfriar o clima, propondo que virem logo a página: “Não é agradável uma decisão destas. É sempre constrangedora, mas cumpri meu dever de forma serena e obedecendo ao regimento e à Constituição. Agora, é aguardar os outros acontecimentos”. A alguns deputados, disse estar respeitando a dor dos aliados, na certeza de que eles acabarão entendendo que ele não poderia ter agido de outro modo. Os petistas discordam: acham que poderia perfeitamente, sem atropelar o regimento, adiar a abertura do processo em função da licença médica de Genoino.
A curto prazo, as consequências podem até afetar apenas as relações pessoais, não produzindo desdobramentos eleitorais. Mas o acordo que garantiu o apoio do PT à eleição de Henrique Alves para a presidência da Câmara não incluiu a reeleição dele ao cargo, em 2015. A retaliação poderia surgir neste momento, mas isso vai depender das urnas de 2014. O cargo caberá ao partido que fizer a maior bancada. Petistas e peemedebistas, no fundo, já travam este duelo.
Outras arestas
Em suas críticas ao presidente da Câmara, os petistas fazem questão de distingui-lo do presidente do Senado, Renan Calheiros, que mesmo sendo voluntarioso, não seria dado a fazer média com a oposição nem a pautar com frequência projetos que incomodam o Planalto, como faria Henrique. Um exemplo, além do orçamento impositivo, o projeto que acabava com a multa de 10% sobre o FGTS, destinada ao financiamento habitacional, e toda a chamada “pauta bomba” que ameaçaria o equilíbrio fiscal. Com frequência, ameaçaria colocar em votação a PEC 300, a tal que equipara os salários dos PMs de todos os estados, pobres ou ricos, aos de Brasília, onde o salário realmente é mais alto, mas é pago pela União. Henrique teve um desentendimento com o próprio Renan, por conta da tramitação do Orçamento, e teria perdido o apoio de parcela do baixo clero com medidas administrativas não aprovadas pela Mesa. Todas essas críticas seriam de pouca importância e vistas como mágoas de conjuntura, se o relacionamento entre os dois partidos centrais da coalizão governista já não enfrentassem outros problemas, relacionados com a disputa de poder nos estados.
Agenda conservadora
Deputados evangélicos da vertente mais conservadora e sectária nas questões morais e de costumes ganharam ontem duas paradas. Na Câmara, a Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo deputado Marco Feliciano, rejeitou projeto de lei que estabelecia normas de igualdade de gênero e raça nas condições e oportunidades de trabalho e na remuneração no serviço público. No Senado, a tropa de choque liderada por Feliciano impediu mais uma vez que a presidente da Comissão de Direitos Humanos, Ana Rita (PT-ES), colocasse em votação o substitutivo do senador Paulo Paim ao projeto que criminalizar todas as formas de discriminação e preconceito, motivados pela orientação sexual, diferenças de cor e etnia, aparência física ou deficiências. Para desgosto de Ana Rita, o próprio líder do PT, Wellington Dias, pediu que ela adiasse a votação. É o preço das coalizões.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário