• De que lado nós queremos estar? Essa é a questão posta pela política externa brasileira, inclusive para os nossos vizinhos da Argentina, da Bolívia e da Venezuela
- Correio Braziliense
O mundo do qual fazemos parte foi inventado há cerca de quatro séculos, em Vestefália, numa conferência de paz que pôs fim a conflitos e convulsões políticas em toda a Europa Central, que culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), na qual 25% da população da região pereceu.
A gênese do mundo contemporâneo foi um compromisso prático e realista: Estados independentes se absteriam de interferir nos assuntos internos uns dos outros, e as suas ambições seriam contidas por um equilíbrio geral de poder.
Apesar de tudo o que aconteceu nesse interregno, como o surgimento dos Impérios e as duas Guerras Mundiais, o atual sistema de relações internacionais se sustenta graças a esses dois princípios da Paz de Vestefália. A Rússia, o Japão, a China, a Índia e a Turquia ficarem de fora daquele arranjo, mas aos trancos e barrancos foram atraídos para ele.
Qual foi a contribuição do Novo Mundo? A democracia. A força dos Estados Unidos vem principalmente daí, do “sonho americano”, e não do seu belicismo. A utopia comunista, com o colapso da União Soviética, deixou de ser o seu contraponto como modelo de sociedade.
Como no samba de Paulinho da Viola, para entender o que se passa aqui, há que olhar para o que acontece lá fora — e aprender com isso. Não existe assimetria entre a política externa do governo brasileiro e a sua política econômica, são faces da mesma moeda: uma concepção equivocada do mundo, a despeito da histórica competência do Itamaraty.
Vem daí grande parte das dificuldades do Brasil, que abandonou a estratégia de integração competitiva à economia mundial, iniciada com a abertura comercial do governo Collor e consolidada nos governos Itamar e FHC, com o Plano Real.
A ideia de que a saída da crise mundial seria liderada pelos países emergentes, como China, Rússia, Índia, África do Sul, com o Brasil no bolo, não se realizou. Pelo contrário, os Estados Unidos reinventam sua economia e protagonizam a saída da crise no Ocidente, do qual o Brasil faz parte. O problema é que a economia brasileira está virada para outro lado.
De que lado nós queremos estar? Essa é a questão posta pela política externa brasileira, inclusive para os nossos vizinhos da Argentina, da Bolívia e da Venezuela. Dessa resposta vai depender o sucesso das medidas adotadas para enfrentar os problemas do nosso país.
Mas parece que o governo não entende assim. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff exumaram velhas concepções autárquicas de desenvolvimento em plena globalização. Uma espécie de “terceiro-mundismo” está por trás de muitos desacertos da economia.
Na nova divisão internacional do trabalho, o único lugar cativo do Brasil é a produção de commodities de alimentos e de minérios, sujeita aos humores do mercado comprador, principalmente da China. A exploração do pré-sal em águas profundas não é uma vocação natural. É uma possibilidade, depende dos preços praticados pela Arábia Saudita e do nosso avanço tecnológico.
Petrobras
A competitividade da indústria nacional — a automotiva, por exemplo — não pode ser garantida por reservas de mercado e desonerações fiscais, precisa de ganhos de qualidade e produtividade, como é o caso da Embraer. A lógica da política industrial brasileira, porém, foi alavancar grandes grupos econômicos com crédito subsidiado e desonerar a folha de pagamento das empresas, para gerar consumo e emprego à custa do sacrifício dos ganhos de qualidade e produtividade.
Essa “brincadeira” custou R$ 25 bilhões” por ano ao Tesouro. É quase o dobro do valor dos ativos que a Petrobras pretende vender — ou melhor, privatizar —, para cobrir o rombo no caixa provocado pela má gestão e pela roubalheira.
A “nova matriz” econômica fracassou. Os setores da economia controlados pelo governo a partir da Petrobras e da Eletrobras e dos bancos oficiais, e dos fundos de pensão associados aos grupos econômicos “amigos” do governo, não foram robustos o suficiente para dar sustentação ao modelo. O Brasil estava vivendo acima de suas possibilidades, como aquela cigarra da fábula de Esopo. O preço das commodities desabou e a fartura de dólares no mercado internacional acabou.
Essa mudança de condições atingiu a todos os países emergentes, mas o que agrava a nossa situação é a crise da Petrobras. A empresa está sendo asfixiada, como única operadora do pré-sal, obrigada a participar de pelo menos 30% de todo projeto de exploração.
Estima-se que a Petrobras e as empresas envolvidas na Operação Lava Jato tenham firmado contratos com bancos públicos e privados avaliados em R$ 130 bilhões. Sua crise, além de arrastar o setor de infraestrutura, pode atingir seriamente o sistema financeiro. Além disso, o escândalo de corrupção na estatal ameaça de rebaixamento da qualidade da dívida do país, afasta investidores e fomenta uma grave crise política e institucional.
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