sábado, 3 de junho de 2017

O não ao não | Míriam Leitão

- O Globo

Trump perde liderança até dentro dos EUA. Nunca se viu uma decisão de presidente americano ser tão desacatada. Donald Trump disse não ao Acordo de Paris, mas estados, países, empresas e executivos disseram não ao não. A preparação da economia para a realidade do século XXI começou há muitos anos. O Acordo de Paris não foi o início desse movimento, foi apenas parte dele. Trump não entendeu a nova economia.

Em Copenhague, em 2009, as maiores empresas do mundo fizeram uma reunião paralela e divulgaram o seu pacto por redução das emissões em suas atividades econômicas. A CocaCola, por exemplo, mediu sua pegada calculando os caminhões que circulam no mundo para distribuir a bebida e o volume de água consumido. Fez um plano de chegar a 2020 reutilizando e reduzindo o consumo de água e protegendo mananciais para neutralizar esse impacto.

As grandes empresas de tecnologia, Facebook, Google, Microsoft, Apple já investiram muito na redução do impacto de suas atividades. A Tesla está um passo adiante, é uma empresa da nova economia cujo crescimento se dará na vitória da lógica do baixo carbono e na alta tecnologia de armazenagem de energia limpa. As novas renováveis, solar e eólica, entre outras, já representam uma fonte de dinamismo econômico em si. Não são apenas formas de compensar as emissões, mas empregam, investem, pesquisam e crescem em países como Estados Unidos, Alemanha e China. Em setembro de 2009, assisti uma reunião na casa do primeiro-ministro britânico, a 10 Downing Street, entre o governo inglês e as principais empresas do país sobre o esforço de cada uma para reduzir emissões e transformar a forma de produção. Entendi nessa reunião que as grandes corporações estavam dispostas a ir além do marketing, que elas constroem laços com a nova economia porque isso passou a ser uma exigência do mercado e dos consumidores.

Donald Trump não está sozinho, evidentemente. Ele defende o lobby da energia fóssil, do petróleo e do carvão, mas tudo hoje é mais complicado do que parece. A Exxon Mobil, maior indústria americana de petróleo, escreveu uma carta a Trump, dias antes do evento, pedindo para que ele não tirasse os Estados Unidos do Acordo de Paris. Isso reflete a tendência da empresa. Seu novo CEO, Darren Woods, no primeiro post, logo após assumir, disse que “os riscos climáticos exigem ação”. Isso foi depois de a empresa ter enfrentado inquéritos comandados pelo procurador-geral dos estados de Nova York e Massachussetts.

Já há alianças fortes em todo o mundo e cadeias de interesses empurrando para uma economia de baixa emissão. E é isso que o presidente americano Donald Trump ainda não viu. Sua tentativa de dar sobrevida a setores industriais e de energia de alta emissão de carbono é um alento a esses segmentos cadentes, mas não vai salvá-los das transformações nas quais a economia entrou.

A força das velhas ideias não pode ser menosprezada. Em país algum. No Brasil, estamos em pleno retrocesso ambiental, com a tramitação de uma nova lei do licenciamento que mais uma vez testa a ideia ultrapassada de que o desenvolvimento exige o atropelo da natureza. Há, ainda, o risco de o presidente Michel Temer sancionar, e, por ironia, perto do dia mundial do meio ambiente, a maior agressão recente à floresta Amazônica. A MP foi aprovada em votação final na Câmara, no dia seguinte à piora da crise política. Ela reduz em 486 mil hectares a área da Floresta Nacional de Jamanxin. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) diz que essa medida levará à destruição de 280 mil hectares de floresta até 2030, e à emissão de 140 milhões de toneladas de CO2. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, em carta aberta a Temer, pediu que as reduções da Floresta de Jamanxin e do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, não sejam sancionadas.

Perigos existem, lá e aqui, de que as velhas práticas prevaleçam e façam sua destruição de vida, mas a coalizão para o futuro já está formada. Mesmo com o não de Trump, o Acordo de Paris continuará, e o que se viu foi o enfraquecimento da liderança do presidente americano até em território dos Estados Unidos. No Brasil, o risco é tornar lei o não para um precioso pedaço do nosso patrimônio.

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