- O Estado de S.Paulo
O presidente está no meio da principal disputa política do momento
O instinto de Bolsonaro de proteger a família e a prole o está levando a ajudar um lado na formidável briga sobre quem vai controlar as decisões das esferas políticas. No caso, atuando contra os pedidos explícitos de organização que foi tão importante na eleição dele, a Lava Jato.
A ira inicial do presidente é voltada contra órgãos como Receita ou Coaf que ele mesmo colocou sob a suspeita de motivação política ao investigar familiares dele. É isso mesmo, dizem ministros do Supremo. Sob o ímpeto investigatório (jacobinista, inquisitorial, autoritário ou ilegal, dependendo do ministro do Supremo) da Lava Jato, órgãos de fiscalização e controle excederam seus limites constitucionais.
Diálogos hackeados de expoentes da Lava Jato reforçam ainda mais essas percepções sobre a atuação política da força-tarefa – não importa mais se os diálogos são autênticos, se servem como provas, se configuram ou não abusos ou mesmo crimes por parte dos investigadores. Eles são percebidos como a cereja no bolo quando se afirma que juízes, procuradores e delegados se converteram numa espécie de “partido político” com o intuito declarado de influenciar os rumos gerais da política brasileira (seja qual for a justificativa deles).
Partes relevantes do Supremo e do Legislativo se reorganizaram para enfrentar o que consideram ser uma ação política, por parte da Lava Jato, que estava levando (na visão desses atores) ao “emparedamento” dessas instituições, controladas desde fora pela campanha anticorrupção. É muito relevante o fato de o Legislativo ter chamado a si a tarefa de coibir a atividade dos investigadores, por meio do PL do Abuso de Autoridade, e o STF está sentado no material com que pretende (as conversas hackeadas) encurralar seus críticos entre os aguerridos procuradores.
Bolsonaro tem de sancionar ou vetar itens da lei do abuso de autoridade, descrita pela Lava Jato como uma reação das “forças das trevas” que querem escapar incólumes de investigações. Lei que, de outro lado, é caracterizada por nutrido grupo de políticos e juristas como necessária “freada de arrumação” para recompor um mínimo de respeito à norma jurídica ao se combater crimes. A situação coloca o presidente como árbitro de assunto que o interessa diretamente do ponto de vista pessoal (ele acusa a Receita e o Coaf, por exemplo, de abuso), mas também dono de uma poderosa ferramenta política para enfraquecer a única sombra no momento sobre a própria popularidade, a do ex-juiz Sérgio Moro, herói da Lava Jato.
É uma situação de precário e perigoso equilíbrio. Os órgãos de Estado de fiscalização e investigação acham que a lei do abuso contraria o combate ao crime organizado, que depende da troca de informações sigilosas protegidas por lei ou que só podem ser acessadas por ordem judicial (que procuradores se esmeraram em driblar). Legislativo e parte do STF acham que os instrumentos para combater ilícitos são suficientes, e o resto é abuso.
Neste exato momento Bolsonaro está conseguindo simpatias do Legislativo e da classe política, da qual depende para a aprovação de qualquer legislação relevante, sem que o público o perceba ainda como uma figura da qual a Lava Jato já está exigindo postura decisiva em seu sentido. Moro já formulou quais vetos gostaria que o presidente exercesse ao apreciar a lei do abuso de autoridade, ou seja, o prestígio do ministro da Justiça está em jogo. Bolsonaro não tem como agradar a todos.
Está criado um interessante paradoxo na política brasileira: eleito em boa parte como efeito da Lava Jato, Bolsonaro se sente hoje tão mais forte quanto menos dentes afiados ela tiver.
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