- O Globo
Nenhuma dúvida de que a polícia de hoje é muito mais bem preparada, inteligente e equipada do que a de 2000, ano do sequestro do ônibus 174, no Jardim Botânico. Tudo evolui, quase sempre para melhor, inclusive na polícia. A diferença entre a operação feita naquele sequestro e a de terça-feira na Ponte Rio-Niterói é brutal. Mas o mais importante e decisivo para o êxito de agora foi a orientação que veio de cima.
Mesmo antes de assumir o governo, na campanha e depois de eleito, Wilson Witzel já vinha falando de maneira abundante em usar atiradores de elite, os conhecidos snipers, para abater criminosos. Ele nunca se cansou de repetir que iria mandar “atirar na cabecinha” de qualquer um que estivesse portando um fuzil. O hiperbólico governador deixou claro que a ordem é atirar sempre que for necessário abater alguém armado para proteger inocentes desarmados.
Deste ponto de vista, deve-se admitir que Witzel tem razão. O resultado da ação na Ponte colabora com esta tese. A operação foi feita de maneira bem estruturada, com cada etapa estudada e executada como manda o figurino.
Embora não se conheçam os detalhes das negociações entre a polícia e o sequestrador, é fato que elas existiram e só não foram bem-sucedidas por decisão do criminoso. O desfecho da operação, os disparos dos snipers que mataram o sequestrador, também foi executado de maneira precisa.
As imagens do sequestro do ano 2000 provam que os policiais daquela ocasião agiram de maneira desorientada. Não isolaram a área, e o que era para ser uma operação de guerra virou um circo de horrores. Por diversas vezes e por muito tempo, o sequestrador esteve de cara limpa na janela do ônibus em frente a policiais posicionados a dois ou três metros de distância. Naquela operação, contudo, o governador Anthony Garotinho jamais deu a ordem para se abater o sequestrador. Ela foi pedida pelos militares que comandaram o cerco ao 174, mas a autorização não foi dada.
Apesar de ter tentado faturar politicamente com o episódio, Wizel ganhou um ponto de crédito, subindo do zero, onde se encontrava, para o mais um. Este degrau escalado, embora pequeno, é importante porque pode ter significado a vida dos reféns. Qualquer vacilo poderia resultar na morte de uma ou mais pessoas. Ou ainda pior, no incêndio do ônibus com 39 reféns presos no seu interior e de mãos amarradas.
Esse ponto não significa, contudo, que o governador ganhou carta branca para aplicar seu método em qualquer circunstância. E ainda terá de explicar as mortes de seis jovens desarmados, e tão inocentes quanto os passageiros do ônibus da Galo Branco, que foram executados em ações da polícia na semana passada. A mesma polícia que antes de ontem deu um show de eficiência e competência em cima da Ponte, na semana passada disparou e matou meninos que iam para a escola, para casa ou para um treino de futebol.
Estas mortes estão no conta de Wilson Witzel, mesmo que ele tente colocar no colo de outros, o que é rematada tolice. O governador escolheu o confronto para enfrentar os criminosos organizados e desorganizados do Rio, e os encontrará em abundância ao longo de todo o seu governo. O êxito da operação de terça-feira não lhe dá salvoconduto, sua política de segurança não está aprovada, embora muitos no Rio estejam hoje tão eufóricos quanto o governador com o desfecho do sequestro da Ponte.
Impossível negar que o resultado da operação fortalece Witzel, e Bolsonaro por consequência. Não há nada que o brasileiro goste mais do que uma ação policial em que no final o bandido morre e os inocentes saem livres e ilesos. O episódio, já se viu, virou propaganda dos métodos defendidos pelo governador e pelo presidente. Mas, para azar deles, e sobretudo para azar dos fluminenses cada vez mais inseguros, essa euforia não deve durar muito.
E, por favor, não me acusem de estar torcendo contra. Os fatos são os donos da razão. E sempre serão. Houve 33 mortes por balas perdidas no Rio nos primeiros sete meses do ano, como contabilizado por Zuenir Ventura na sua coluna de ontem. É fácil imaginar o que ainda vem por aí.
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