- Folha de S. Paulo
Mais sintoma que remédio, nenhuma democracia o adota para membros do congresso.
Nos últimos 25 anos alguns países adotaram o recall de políticos. Entre 1997 e 2013, mais de 5.000 pedidos foram apresentados contra prefeitos e vereadores de 747 municípios peruanos (45% do total), 1.737 deles perderam o cargo. No Equador, entre 1998 e 2013, são 784 petições, 78 referendos revocatórios e 21 destituídos (cf. “The Routledge Handbook of Referendums and Direct Democracy”, 2017).
Há também previsão para recall de presidentes na Venezuela e em três outros países onde não foi utilizado: Bolívia, Equador e Taiwan. Chávez sobreviveu a um recall cuja aprovação defendeu, após ter ameaçado e divulgado o nome de milhares de peticionários (no escândalo da lista Tascón).
Dentre os que permitem apenas o recall de parlamentares nacionais não há, salvo o Panamá, nenhuma democracia: Rússia, Etiópia, Quirguistão, Nigéria, Libéria e Uganda.
O recall é mais comum no nível subnacional, embora restrinja-se a poucos países. É adotado na Suíça (desde o século 19, para todos os cargos); nos EUA, onde seu uso se intensificou (em 26 estados, para deputados; e em dois, para governadores); México (seis estados, para deputados estaduais), Canadá (uma província, para deputados); Argentina (14 províncias, para deputados); Alemanha (quatro "länders", para prefeitos). Em quatro países o recall nacional é adotado para cargos subnacionais: Colômbia (prefeitos); Peru, Japão e Polônia (qualquer cargo).
O recall foi extensamente debatido no século 18 em conexão com o chamado mandato imperativo no qual o representante é entendido como um delegado que recebe instruções dos mandantes. A ideia foi abandonada por suas inconsistências com a atividade política, que é marcada pela barganha e compromisso.
Nos EUA, a proposta dos antifederalistas foi derrotada após a acerba crítica de Hamilton, sendo ressuscitada posteriormente pelo Populist Party que a introduziu nos locais citados. Na Europa, a vasta maioria das constituições liberais o proíbe; em regimes socialistas autoritários ele é utilizado.
O aumento recente da demanda pelo recall é um substituto para instituições de controle e reflete intolerância crescente frente à corrupção. A atuação robusta dessas instituições entre nós causou diminuição na demanda e por isso não está na agenda do país.
Mas o recall expressa também déficits de "accountability", já que só podem ser acionados por mau desempenho e/ou descumprimento de programa de campanha. No Peru gerou o que Yanina Welp chamou de “campanha permanente” e instabilidade. O recall é mais sintoma que remédio constitucional: é assim terapia inadequada para a malaise política atual.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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