segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Governo perdido – Editorial | O Estado de S. Paulo

No início de seu segundo ano, o governo de Jair Bolsonaro dá claros sinais de estar sem rumo definido. A cada semana surgem novas medidas e ações, absolutamente pontuais e sem um objetivo comum. Além de tirar eficácia da ação estatal, essa falta de coordenação provoca atritos e tensões absolutamente desnecessários entre órgãos do governo. Não há tempo a perder. A situação econômica e social do País exige um governo federal capaz de definir e enfrentar as prioridades nacionais, sem desperdiçar energias em ações que não apenas não trazem benefícios relevantes, como são, em muitos casos, atalhos para o atraso.

Por exemplo, o presidente Bolsonaro deseja conceder subsídio na conta de luz para templos religiosos de grande porte, revelou o Estado. Para tanto, Bolsonaro solicitou ao Ministério de Minas e Energia a minuta de um decreto contendo o agrado às igrejas. A ideia é que os templos paguem tarifas mais baratas no horário de ponta, semelhantes às cobradas durante o dia. O valor que as igrejas deixariam de pagar seria custeado por outros consumidores.

Como era previsível, a equipe econômica manifestou resistência à proposta do subsídio na conta de luz para as igrejas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre defendeu a necessidade de reduzir esse tipo de benefício. A benesse às igrejas tem um impacto tarifário direto, sendo a energia um dos insumos fundamentais para a atração de investimentos e, consequentemente, para a retomada do crescimento econômico. Estima-se em R$ 22 bilhões anuais o total dos benefícios embutidos na conta de luz e repassados para os consumidores. Também contrário ao subsídio, o Tribunal de Contas da União (TCU) já orientou o Poder Executivo, em outras ocasiões, de que não pode ser criado benefício sem dotação orçamentária.

Outra medida, absolutamente pontual e sem nenhuma conexão com as prioridades do País, foi a extinção do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), decretada por meio da Medida Provisória (MP) 904/19. O seguro oferece coberturas para danos por morte e invalidez permanente, bem como reembolso de despesas médicas e hospitalares, em razão de acidentes de trânsito.

Em dezembro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a eficácia da MP 904/19, por entender que a matéria deve ser regulada por lei complementar, não cabendo alterá-la por meio de MP. Agora, durante o período de recesso do Judiciário, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, deu outra liminar sobre o caso, reconhecendo a competência do Conselho Nacional de Seguros Privados para reduzir o valor do DPVAT.

Por iniciativa do governo, instaurou-se uma confusão absolutamente desnecessária sobre o DPVAT. Vale lembrar que a extinção do seguro também desorganizava a emissão dos papéis relativos à documentação de veículos em todo o País. Por força de convênio com o Denatran, a Seguradora Líder era responsável por emitir esses documentos. Com a MP 904/19 em vigência, não se sabia quem ficaria encarregado dessa atribuição.

O governo precisa ter cuidado com suas ações. Construir exige tempo, plano, recursos e execução adequada. Destruir ou desorganizar é muito mais fácil. Além disso, medidas descoordenadas produzem danos muito além de suas respectivas áreas.

No início do segundo ano de mandato, era de esperar que o presidente Jair Bolsonaro, com a experiência adquirida em um ano no Palácio do Planalto, estivesse mais apto a dar um rumo para o governo. Até agora, isso não foi visto. Jair Bolsonaro fez ultimamente várias ações; por exemplo, editou MP para aumentar benefício de alguns delegados federais; interferiu por MP nas regras de escolha dos dirigentes das universidades federais; comprometeu-se a dar reajuste aos agentes de segurança do DF. No entanto, tais medidas, em vez de mostrarem que o governo federal está enfrentando os problemas nacionais, transmitiram a mensagem inversa.

São abundantes os sintomas de que o governo está perdido. Mas há reformas a serem feitas, e este é o caminho óbvio que o País deve seguir. Há um país a ser governado. Basta querer fazê-lo.

Muro de contenção – Editorial | Folha de S Paulo

STF demonstrou independência ao barrar medidas abusivas de Bolsonaro

Encerrado o primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, é reconfortante verificar que o Supremo Tribunal Federal funcionou como anteparo diante de algumas das iniciativas mais abusadas do presidente.

Em junho, um veredito unânime da corte reduziu o alcance do decreto com o qual Bolsonaro pretendia extinguir conselhos criados para garantir participação da sociedade em decisões do governo.

O tribunal proibiu o chefe do Executivo de usar o dispositivo para extinguir colegiados criados por leis aprovadas no Congresso. No entendimento do STF, tal medida representaria uma violação das prerrogativas do Legislativo.

Em agosto, em outra decisão unânime, o plenário derrubou uma medida provisória que transferia da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas.

Era a segunda tentativa de Bolsonaro de pôr em prática a ideia, que já tinha sido repelida pelo Congresso na primeira vez. Novamente, o Supremo soube dar à afrontosa iniciativa a resposta merecida.

Decisões individuais de integrantes da corte, ainda pendentes de análise pelo plenário, também barraram medidas que ameaçavam o financiamento da saúde pública, a proteção dos direitos da infância e a saúde financeira de jornais.

Em todos esses casos, os magistrados cumpriram bem o papel que lhes foi confiado pela Constituição, o de zelar pelos princípios que ela protege e deter todos aqueles que agem como se os desprezassem.

Note-se que os membros do STF o fizeram a despeito do estilo contemporizador adotado pelo ministro Dias Toffoli na presidência do tribunal, função em que tem se empenhado para evitar o acirramento de tensões com Bolsonaro.


Toffoli reafirmou sua inclinação pacificadora ao anunciar a pauta para este semestre, embora não faltem ali assuntos com potencial para criar animosidade entre o STF e bases bolsonaristas mais radicais.

Para citar um exemplo, em fevereiro o Supremo deve julgar as ações que questionam a legalidade da tabela que fixou preços mínimos para o transporte rodoviário de cargas, implementada pelo governo Michel Temer para pôr fim à greve dos caminhoneiros em 2018.

Em poucos meses, o mandato de Toffoli como presidente do STF chegará ao fim. O rodízio no tribunal prevê sua substituição pelo ministro Luiz Fux em setembro.

Mas a dança das cadeiras deveria importar pouco. Com a retomada do Judiciário após o atual recesso, o plenário da corte terá novas chances de mostrar que só o colegiado do Supremo reúne força suficiente para reafirmar sua independência e honrar seu compromisso com a defesa da Constituição.

Chance de mudar o país com a reforma administrativa – Editorial | O Globo

É preciso repensar a política salarial do setor público. Na média, um servidor ganha 36% a mais do que um trabalhador do setor privado

O governo prevê enviar ao Congresso, em fevereiro, o seu projeto para reforma e modernização do Estado. É evento importante e fundamental para a recuperação das perspectivas de desenvolvimento econômico e social do país. O grande desafio é promover a eficiência no serviço público.

A tarefa começa, mas não se esgota, na reordenação e no planejamento de uma força de trabalho de 11,4 milhões de pessoas com vínculos formais no setor estatal — excluídos os empregados das empresas públicas. Mais da metade desse efetivo (57,3%) está nas prefeituras municipais, pouco mais de um terço (32,3%) nos escritórios estaduais e um décimo (10,4%) na área federal.

A reforma precisa ter foco na flexibilização das relações entre os governos e trabalhadores, para permitir uma adequação do contingente que deve ser alocado em escolas, hospitais, segurança pública e outras áreas-chave na prestação de serviços.

É essencial acabar com os supersalários e reduzir as disparidades nas remunerações nos Três Poderes. E deve-se ir além, por exemplo, na promoção da igualdade entre sexos, hoje quase inexistente no setor público. Não somente em remuneração, mas também no preenchimento de cargos de dirigentes.

Mulheres recebem menos que homens em todos os níveis, em todos os Poderes, mostram recentes estudos do Ipea e do Banco Mundial. São minoria nos cargos da média e alta administração federal, demonstra o Atlas do Estado Brasileiro.

É preciso repensar a política salarial do setor público para aproximar os salários do funcionalismo às remunerações da iniciativa privada. Na média, um servidor ganha 36% a mais do que um trabalhador assalariado do setor privado.

Será importante, ainda, reduzir o número de carreiras, pois existem mais de 300 na área federal e nos estados, redesenhando a estrutura de pagamentos, para estabelecer menores salários de entrada e vincular promoções ao desempenho. Na miríade de gratificações e penduricalhos salariais hoje existente, premia-se até pelo comparecimento ao posto de trabalho.

Ao mesmo tempo, é essencial reestruturar o serviço público em bases operacionais realistas. Como exemplo, na saúde existem nada menos que 1.358 organismos federais com poder decisório e influência na execução da política setorial, segundo registros do recém-desativado Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal (Siorg). Em transportes, as decisões passam por 1.024 instâncias. Na educação, existem 1.036 áreas de gestão e, na segurança pública, 2.375 segmentos operacionais.

Caberá ao Congresso a lapidação do projeto de reforma administrativa. Espera-se que os parlamentares não se limitem e proporcionem aos Três Poderes a flexibilidade necessária para introdução de novos padrões de eficiência no serviço público.

Debate sobre nível ideal de reservas volta à pauta – Editorial | Valor Econômico

Na esteira da saída recorde de dólares do Brasil em 2019, o Banco Central se desfez de quase 10% do colchão de liquidez externa do qual o país dispõe. As vendas de US$ 36,9 bilhões das reservas internacionais contribuíram para diminuir a volatilidade cambial, em um período no qual o dólar chegou a encostar em R$ 4,30.

E ainda ajudaram a política fiscal, ao retirar 2% do Produto Interno Bruto (PIB) da dívida bruta e diminuir a chamada taxa de juros implícita da dívida líquida, que reflete a diferença entre o custo de captação do governo e o que ele recebe de remuneração dos seus ativos.


O movimento do BC levou as reservas do país para US$ 356,9 bilhões ao fim de 2019. No pico do ano passado, antes de a autoridade monetária dar início ao seu programa de intervenções cambiais, elas tinham atingido US$ 390,5 bilhões.

Desde que o governo Luiz Inácio Lula da Silva iniciou a política de acumulação de divisas em moeda forte, o volume ideal desse seguro contra crises externas é alvo de debate. A discussão era mais acirrada quando a diferença entre a taxa de juros brasileira e a praticada internacionalmente era bem maior do que hoje, dado que a manutenção desse colchão tinha maior custo.

Mesmo com custo alto em grande parte do tempo, não há como se negar, como pontuou o economista José Luis Oreiro em entrevista ao Valor, que a constituição das reservas foi um acerto da política econômica do período do PT. Permitiu não só suavizar movimentos cambiais durante o período de euforia econômica que se sucedeu ao boom de commodities e à conquista do grau de investimento pelo país na década passada, mas também eliminou a vulnerabilidade externa que levou o Brasil reiteradas vezes a graves crises econômicas.

Por algum tempo, também produziu bons frutos fiscais, ao reduzir fortemente a dívida líquida do setor público. À época, esse indicador era o principal a ser acompanhado pelos analistas econômicos. Mas acabou sendo substituído pela dívida bruta após o exagero de empréstimos do Tesouro ao BNDES, movimento que era neutro para a dívida líquida, mas não para a política fiscal como um todo.

Agora, em outro contexto e com o BC atuando intensamente no mercado à vista de câmbio, é natural que o tema do nível ideal de reservas volte à tona. Bem como o debate sobre até onde a autoridade monetária deve interferir no funcionamento do mercado.

É verdade que no ano passado ocorreram algumas atipicidades que justificariam uma postura mais ativa do BC. Como algumas fontes governamentais pontuam, a forte valorização dos ativos, tanto de renda fixa como de renda variável, geram movimentos naturais de realização de lucros e, consequentemente, saída de divisas.

Além disso, a queda na taxa de juros Selic praticamente neutralizou a outrora popular operação de carry trade, quando o investidor toma dinheiro no exterior e aplica no Brasil para se aproveitar do diferencial de juros. Sem esquecer da troca de perfil de dívida das empresas, que quitaram operações de crédito externo por interno. Assim, o governo entende que deve haver alguma acomodação desses fluxos de saída.

Seja como for, está colocada a discussão sobre até onde o BC deve ir no uso das reservas. Diferentes economistas ouvidos pelo Valor apontam que ainda haveria folga para novas reduções do volume total. Para o diretor do ASA Bank e ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, o nível ótimo de reservas estaria entre US$ 250 bilhões e US$ 300 bilhões. Ou seja, se ele estiver correto, o país poderia se desfazer de ao menos US$ 50 bilhões, volume ainda maior do que o vendido no ano passado e que retiraria outros 1,5% da dívida bruta.

O problema, contudo, é que o número ideal de reservas está sujeito a uma série de juízos subjetivos. E é um fato concreto também que reservas altas desencorajam movimentos especulativos contra a moeda local, com todas as consequências negativas que isso pode trazer, como alta da inflação, diminuição do crescimento econômico e dificuldades de pagamento de dívidas no exterior. Além disso, precisa-se cuidar de que o regime de câmbio flutuante continue valendo, com o menor volume de interferência possível.

O BC parece ter aproveitado bem o espaço que tinha para atuar e agiu oportunamente. Mas a partir de agora, como notou fonte do governo ouvida pelo Valor, terá que ser ainda mais cuidadoso, pesando como sempre os custos e benefícios para o país.

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