Vamos
supor que a Organização Mundial da Saúde, com apoio dos países ricos e
poderosos, decretasse hoje a quebra de todas as patentes de vacinas contra a
Covid-19. O que aconteceria? Aumentaria a produção?
A
resposta é não.
No
curto prazo, a carência de vacinas não tem nada a ver com patentes.
Simplesmente, não há capacidade de produção na escala necessária para atender
ao mundo. Faltam fábricas e insumos — o que não é surpreendente. Afinal, de um
momento para outro, passou a existir uma demanda global de vacinas para a qual
a economia global não estava preparada.
De
outro lado, e simplificando, há dois tipos de vacinas. Aquelas feitas com tecnologias
conhecidas há tempos, como a CoronaVac, uma progressão em relação às vacinas
contra a gripe.
E
há outras, de novíssima tecnologia, como aquela inventada pela alemã BioNTech,
fabricada e distribuída pela Pfizer.
No caso das primeiras, já está ocorrendo uma abertura. O fabricante chinês transferiu tecnologia e licenciou o Butantan, antigo produtor de vacinas antigripais, para produzir aqui a CoronaVac. Do mesmo modo, o complexo Oxford/AstraZeneca se relacionou com a Fiocruz.
Portanto,
a carência dessas vacinas por aqui não decorre das patentes, mas da falta de
insumos e capacidade produtiva. E por que não temos isso? É o preço de anos sem
investimentos públicos e sem estímulos ao investimento privado em tecnologias
de ponta.
Um
dos problemas brasileiros é justamente a dificuldade de obter a patente — a
proteção do direito intelectual — e mantê-la.
A
regra do jogo mundial na tecnologia de ponta é a proteção da invenção. Sem
isso, não há investimento privado e os governos, como sabemos, são incapazes de
substituí-lo. Sim, há governos que apoiam as pesquisas científicas, mas os
medicamentos e vacinas revolucionários são de autoria de companhias privadas.
Há
dez anos, a vacina da BioNTech era apenas uma ideia de dois cientistas, donos
de uma startup. Como parecia uma ideia boa, a pequena companhia recebeu
seguidos aportes de capital privado e entregou a vacina no momento em que o
mundo precisou.
Teve
um excelente lucro no primeiro trimestre deste ano, que paga os investimentos
feitos ao longo de anos. Se a patente for quebrada, isso lança um péssimo sinal
para todo o setor farmacêutico. E não teremos vacinas tão boas e tão a tempo na
próxima pandemia.
Além
disso, se quebrada a patente das vacinas de alta tecnologia, também não acontece
nada de imediato. Não existem laboratórios e pessoal capacitado para essa
novidade.
Ou
seja, danem-se os pobres?
Vamos
falar francamente: não é isso mesmo que está acontecendo?
Dito
de outro modo: é um imperativo moral que os governos e as instituições internacionais
se movam para prover vacinas ao mundo todo.
A
resposta americana — suspensão provisória das patentes — parece mais uma jogada
política interna e externa. Interna, porque com isso Joe Biden fala com a ala
esquerda de seu Partido Democrata. E externa, para mostrar, digamos,
solidariedade.
Mas
vários líderes europeus, como Macron e Merkel, foram direto ao ponto: os EUA só
fizeram isso depois de ter garantido doses para sua população, seguindo uma
política que proíbe a exportação de vacinas e insumos.
Nesse
caso, comportamento humanitário é o da União Europeia, que já exportou mais de
200 milhões de doses, mesmo não tendo garantido seu próprio abastecimento.
Exportar,
bem entendido, não é apenas um gesto humanitário. Trata-se de uma pandemia, de
modo que nenhum país estará inteiramente imune se os outros não estiverem.
Tudo considerado, é preciso, sim, uma ação concertada de governos para levar as detentoras de vacinas a licenciar o maior número possível de laboratórios, onde houver, e transferir tecnologia básica; e a negociar preços menores para os países mais pobres. Também se deveria obrigar os países que têm sobra de vacinas a exportá-las ou a doá-las aos mais pobres.
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