O Globo
Em março de 2019, o mundo parecia outro.
Sergio Moro reinava como ministro de Bolsonaro, Donald Trump recebia o capitão
no jardim da Casa Branca e admitia a possibilidade de o Brasil entrar para a
Otan. Eram os tempos da Operação Lava-Jato. Ela tinha fases, sempre com nomes
pitorescos: Erga Omnes, Vidas Secas, Saqueador ou Calicute. Aquela batizada
como Radioatividade foi a 16ª e tratava de negócios em torno da construção da
usina nuclear de Angra 3.
No seu rastro, a pedido do Ministério
Público, o juiz Marcelo Bretas, encarnação carioca da República de Curitiba,
determinou a prisão preventiva de Michel Temer e mais sete pessoas. A decisão
tinha 46 páginas, amparando-se em tratados internacionais e na defesa do bem
público. Naquele angu, abundavam insinuações, e faltava carne. Seu texto
continha pelo menos 20 vezes a palavra “parece”, mas o espetáculo estava
garantido.
Numa quinta-feira, o ex-presidente da República foi detido na rua e mandado para a cadeia sem ter sido indiciado, denunciado, condenado ou sequer ouvido. Tudo a partir do que o juiz dizia ser “uma análise ainda superficial” dos fatos.
Reforçando a decisão de Bretas, uma
procuradora revelou que um amigo de Temer teria tentado depositar R$ 20 milhões
em dinheiro vivo numa agência bancária. Quando alguém lembrou que deveria
existir um vídeo do portador carregando uma mala com as notas, que pesariam 25
quilos, a turma do MP disse que o caso da mala “ainda precisa ser investigado e
apurado”. Nunca mais se falou dos R$ 20 milhões.
Esse processo levou Temer à cadeia outra
vez. No total, o ex- presidente dormiu dez noites na prisão. Em todos os casos,
foi libertado por decisão das instâncias superiores. Se isso fosse pouco, o
juiz Bretas recusou-se a liberar seu passaporte em duas ocasiões e foi
novamente contrariado.
O lava-jatismo azucrinou a vida do
ex-presidente e de Eduardo Carnelós, seu advogado, por três anos. Há poucos
dias, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, em cuja 12ª Vara Federal de Brasília
está a encrenca, rejeitou “por inépcia” a denúncia apresentada contra o
ex-presidente e as outras sete vítimas da Operação Radioatividade com suas
malvadezas judiciais. O juiz fez isso com palavras duras.
Faltou à acusação “descrição objetiva de
todas as circunstâncias dos atos ilícitos” e ela “imputa aos denunciados
condutas desprovidas de elementos mínimos que lhe deem verossimilhança”.
Mais: “Ao narrar as supostas corrupções
ativa e passiva imputadas a todos os réus, a denúncia, ampla e genérica, não é
capaz de delimitar contornos do fato típico”. Uma licitação que teria movido
propinas fracassou e “ademais, constam dos autos quatro relatórios policiais
extensos que remetem a inúmeras outras investigações e investigados em
procedimentos correlatos, além de analisarem materiais apreendidos, sem nada
efetivamente provarem quanto aos fatos específicos narrados na presente
denúncia”.
Temer ralou duas canas e cerca de dez
inquéritos e investigações. Penou os efeitos das ações espetaculares do lavajatismo.
Quem lê as ambiguidades e as insinuações da
decisão de Bretas mandando prender Temer, em 2019, e a do juiz Reis Bastos, em
2022, rejeitando a denúncia, visita a essência do lava-jatismo: no início,
acusações sem provas e, ao fim, nada. No meio, teatro.
Um comentário:
Pois é,o Moro está colhendo o que fez com os outros,Bretas também colherá,se já não colheu.
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