segunda-feira, 13 de junho de 2022

João de Souza Leite*: Debate político não tem projeto

O Globo

Culto a personalidades, composições partidárias sem sintonia programática, decisões jurídicas em profusão, a isso se resumiu a discussão política no país. Sem proposições em debate, nem rumos a perseguir na tentativa de superar arcaísmos sociais e o mais que impede o desenvolvimento econômico.

No registro de um trágico despreparo para o enfrentamento de situações de emergência, a nação segue à deriva entre tentativas tópicas de apagar incêndios na ordem econômica, quando muito para atender a privilégios individuais, e uma constante alimentação à desordem política.

Há muito tempo o debate político não cogita um projeto, qualquer que seja.

A capacidade de criar infraestrutura, de estabelecer estratégias de promoção industrial ou ainda de estruturar algum tipo de assistência social, observada em breves momentos do passado, por algum tempo indicou ser possível desenhar o futuro. E o futuro é o tempo do projeto — resultado de esforço concentrado, tenaz e continuado, dirigido a resolver algo que se impõe no agora, mas que se distancia no tempo para sua efetiva realização.

A função precípua do projeto é garantir a ultrapassagem desse tempo por meio de um processo razoavelmente controlado. Implica previsão, avaliação e antecipação. Implica, antes de tudo, diagnose bem conduzida.

Daí deriva o conceito de projeto não ser passível de confundir-se com uma ideia, por mais interessante que seja. Entre ideia e realização há um abismo, e a criação de pontes é fruto direto de processos construtivos em geral complexos.

O que é um projeto? Como essa ideia se enreda na vida cotidiana de todos nós, independentemente de classe social? Intrínseco ao processo civilizatório, o projetar está longe de ser algo natural. Trata-se de ação a ser elaborada, apreendida e aprendida. Independentemente de seu objeto, o projeto constitui um campo do saber e implica longa série de considerações sobre métodos e processos. Não é, repito, algo natural. Exige reunião e ordenamento de informações, determinação de objetivos e propósitos e formalização estrutural.

Meu temor é que a resistência a sua incorporação à prática social brasileira, à nossa cultura, seja crônica, espécie de defeito congênito nacional.

Será verdadeira a constante reafirmação, em melancólico diagnóstico, de que não primamos pelo planejamento, de que somos uma cultura do improviso, destituída da racionalidade necessária à consecução das ações necessárias entre a enunciação de uma ideia e a realização de um projeto?

Proceder à análise da sociedade brasileira sob o enquadramento da noção de projeto é trabalho urgente a fazer. Já é passada a hora para enfrentar essa falta que tanto nos afeta. Estaremos condenados a um exercício político feito à base de retórica e antagonismos personalistas? Estaremos fadados a desconhecer o papel analítico, crítico e ordenador de propostas próprio ao exercício da razão?

Não se trata aqui de exortar uma racionalidade positivista, que se creia absoluta e utilize a ordem como valor maior, mas uma razão que conjugue pragmatismo, empatia e alegria como elementos essenciais à vida. Já que, parafraseando o dito popular, sem projeto não há solução.

*Ex-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Design da Uerj (PPDEsdi), pesquisa as relações entre design e sociedade

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Excelente artigo,todo político sério devia ler e reler.