Lula tem uma oportunidade de redimir o Brasil
O Globo
Para isso, ele precisará agir como líder de
uma frente plural, não como ungido por uma facção
A vitória de Luiz Inácio Lula da
Silva é repleta de significados. Pela primeira vez, um presidente brasileiro
foi eleito democraticamente para um terceiro mandato e um presidente disputando
reeleição perdeu. Uma vez concluído seu novo governo, Lula terá ficado 12 anos
no poder — período superado apenas por um antecessor no cargo, o ditador
Getúlio Vargas. É certo que não foi a vitória folgada com que sonhavam os
petistas, mesmo assim os 60,3 milhões de votos em Lula foram uma resposta
enfática do eleitorado ao autoritarismo tóxico e aos desmandos contumazes do
presidente Jair Bolsonaro. Vencida a disputa, Lula precisa agora reiterar por
meio de atos, e não apenas de palavras como voltou a fazer ontem, que governará
para todos. “O povo brasileiro quer de volta a esperança”, afirmou em seu
discurso como presidente eleito. “Somos um único país, um único povo, uma
grande nação. A ninguém interessa um país dividido, em estado de guerra.”
Ninguém, disse ele, está acima da Constituição. Foi um bom começo.
O sucesso da campanha petista traz um motivo para otimismo e outro para preocupação. Otimismo pela possibilidade de que a aproximação do centro político que se viu na reta final do segundo turno dê um rosto mais pragmático e menos ideológico ao novo governo. Além da contribuição inestimável do vice, Geraldo Alckmin, Lula só tem a ganhar abrindo espaço a figuras como Simone Tebet ou Marina Silva. Ele disse que “não existem dois Brasis” e prometeu que não governaria apenas para o PT. Precisa cumprir a promessa.
Há preocupação sensata com a reação do
derrotado e de seus aliados. O triunfo de Lula representa o êxito da
democracia, ameaçada nos últimos quatro anos pelo bolsonarismo. Essa oposição
não desaparecerá, nem perderá a força que lhe garantem os 58,2 milhões de votos
dados a Bolsonaro. A confusão provocada ontem pelas operações da Polícia
Rodoviária Federal que impediram vários eleitores de votar parece o início de
uma conflagração. Pacificar um país rachado ao meio é um desafio longe de
trivial. Mas é essencial, até para que a política volte a ocupar o proscênio
nas decisões.
Se os dois mandatos anteriores de Lula
servem de guia, pelo menos no comportamento presidencial a cordialidade deverá
substituir a grosseria. No governo, programas sociais voltarão a ganhar foco.
Na área ambiental, o combate ao desmatamento da Amazônia será prioridade. No
cenário internacional, o Brasil voltará a dialogar com as grandes potências.
Acima de tudo, ninguém perderá o sono com a possibilidade de o ganhador da
eleição de 2026 não assumir em janeiro de 2027.
Mas isso é o mínimo. Os desafios do Brasil
continuam gigantescos, e há inúmeras dúvidas sobre o terceiro governo Lula. O
país que ele passará a comandar em dois meses é totalmente distinto daquele de
2003, quando chegou pela primeira vez ao Palácio do Planalto. No mundo, o risco
de recessão é iminente. Aqui, o quadro é de inflação renitente, baixo
crescimento, juros altos, bomba fiscal, fome e miséria. Desta vez, o termo
“herança maldita” é mais adequado para definir o país do que a propaganda
petista sempre tentou fazer crer sobre o Brasil recebido de Fernando Henrique.
A situação exigirá diagnóstico preciso, clareza na definição de prioridades e
competência na execução das políticas públicas. É justamente nesses pontos que
a eleição de Lula também causa apreensão.
Qual Lula governará? O social-democrata da
primeira metade do primeiro mandato? Aquele que defendeu um ajuste fiscal de
longo prazo capaz de reduzir a dívida pública, aumentou o superávit primário,
promoveu reformas para melhorar o ambiente de negócios, aperfeiçoou
instrumentos de crédito e reduziu restrições à concorrência no setor privado?
Ou o nacional-desenvolvimentista que veio em seguida? Aquele que apoiou o
aumento descontrolado dos gastos, a distribuição de benefícios aos compadres do
governo, setores e empresas escolhidos a dedo em troca de apoio ao projeto de
poder petista, enfiando o Brasil no buraco sem fundo da corrupção?
Nas próximas semanas, as circunstâncias
obrigarão Lula a explicitar e a negociar os itens de seu programa que deixou em
segundo plano na campanha. Qual sua proposta para substituir o teto de gastos,
que tanto ataca, sem pôr em risco a saúde das contas públicas? Que fará a
respeito da reforma trabalhista e das privatizações? Que tem a dizer sobre as
reformas tributária e administrativa, fundamentais para garantir ao governo a
possibilidade mínima de pôr em marcha qualquer política pública consistente?
Qual será o papel dos investimentos do Estado e dos bancos públicos no
desenvolvimento, eterno pretexto para mercadejar poder enquanto se abre o
flanco à corrupção?
Se, como Lula insiste, sua missão é
conversar com todos os setores da sociedade para construir consensos, a hora de
começar é agora, ao montar a equipe de governo. Ele precisa reunir nomes com
credibilidade suficiente para reerguer o país dos escombros do bolsonarismo. Em
especial na economia, área em que o PT jamais fez um acerto de contas honesto
com o passado. Lula terá agora a oportunidade de entender que sua vitória não
significa uma licença para reviver os devaneios petistas que já levaram o
Estado brasileiro à bancarrota. Ele está lá não apenas por ser Lula, mas
sobretudo por não ser Bolsonaro. Precisa agir como o líder da coalizão plural
pela democracia que o devolveu ao poder, não como o ungido por uma facção
política interessada em locupletar-se. Por toda sua história de reveses e
superação ao longo da vida, Lula tem plenas condições de reinventar-se para
deixar um legado de união e progresso aos brasileiros. Mas um novo governo Lula
só resgatará o Brasil do abismo se for mesmo novo.
Ao centro, Lula
Folha de S. Paulo
Alternância atesta solidez da democracia;
país precisa buscar o desenvolvimento
Luiz Inácio Lula da Silva, 77, tornou-se
neste domingo (30) o primeiro
brasileiro a ser eleito por três vezes para a Presidência da República.
Sua vitória e, dentro de dois meses, sua posse consagrarão a alternância de
poder e a solidez da democracia brasileira.
Lula conquista o novo mandato graças, em
parte, à memória de realizações durante sua passagem pelo governo. Em seus
momentos mais virtuosos, o petista soube aproveitar com responsabilidade as
vantagens do bom momento econômico global na década retrasada e das
transformações demográficas do Brasil.
Muito do triunfo lulista se deve também à
firme e mais do que justificada rejeição de metade do eleitorado a seu
oponente, Jair Bolsonaro (PL), o primeiro presidente a perder a disputa no
cargo desde que o país adotou a reeleição.
O ímpeto
autoritário, a truculência, a inoperância e o desmazelo de Bolsonaro
facilitaram a campanha de Lula, que se deu ao luxo de sonegar ao
eleitor o detalhamento de seus planos econômicos para um
governo que se afigura difícil.
O presidente eleito —com a menor margem de
votos desde a redemocratização— é também rejeitado por parcela expressiva e
influente da sociedade, seja pelos escândalos de corrupção durante suas
administrações, seja pela ruína econômica operada por sua sucessora, Dilma
Rousseff, seja pela pauta ideológica abraçada por vezes de forma intolerante
pelo PT.
Deverá enfrentar no Congresso uma oposição
mais ampla e radical que a de 20 anos antes. O bolsonarismo e outras forças à
direita conquistaram posições importantes no Legislativo e nos estados.
Não poderá esperar uma conjuntura
internacional favorável, ao menos de pronto. A guerra na Ucrânia e a alta da
inflação e dos juros em todo o mundo elevaram os riscos de recessão. No plano
doméstico, as finanças do governo exigem ajuste crível e rigoroso.
Por tudo isso, Lula precisa dar mostras
imediatas de responsabilidade orçamentária e disposição de rumar ao centro,
política e economicamente. Deve se cercar de especialistas e quadros
qualificados, para além do raio estreito do partido e de aliados à esquerda.
Sem definir uma regra fiscal que assegure a
solvência da dívida pública, não haverá dinheiro para as demandas prementes em
educação, saúde e assistência social. Sem permitir que a economia funcione com
liberdade e competição, não haverá o crescimento sustentado essencial para reduzir
a pobreza.
Acaba a propaganda de campanha, começam as responsabilidades de governo. A democracia estará fortalecida se o país for capaz de superar ideias e práticas que obstruem seu desenvolvimento.
A chance de Tarcísio
Folha de S. Paulo
Eleito terá boas oportunidades se fizer
escolhas corretas fora do bolsonarismo
A vitória de
Tarcísio de Freitas (Republicanos) na disputa pelo governo
paulista é, sem dúvida, o feito mais vistoso do bolsonarismo nestas eleições.
Mas, além de não ser considerado um seguidor radical no plano ideológico, o
ex-ministro se apresenta com perfil técnico.
Em sua passagem pela pasta da
Infraestrutura, comportou-se como um gestor discreto e diligente —o bastante
para destoar do padrão de incompetência escandalosa da grande maioria de seus
colegas na Esplanada brasiliense.
Carioca, de origem militar e ocupante de
cargos importantes nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB),
Tarcísio começou a campanha como um quase desconhecido do eleitorado do estado
mais rico e populoso do país. O seu conhecimento da realidade paulista foi
motivo de contestações dos adversários.
Abraçou, com titubeios posteriores, teses
equivocadas na área de Segurança Pública, na tentativa de agradar ao
corporativismo policial —uma das bases bolsonaristas mais importantes. Cometerá
um erro grave se de fato acabar com o bem-sucedido programa de câmeras
corporais nas fardas da PM.
Protagonizou episódio rumoroso quando uma
visita à favela de Paraisópolis, na capital, foi interrompida por um tiroteio.
Tarcísio superou forças que predominaram na
política paulista ao longo de quase três décadas —o PSDB, que ocupa o
Bandeirantes desde 1995, e o PT, que chegou ao segundo turno com o ex-prefeito
paulistano Fernando Haddad.
Terá condições políticas e orçamentárias
favoráveis para um bom governo, se fizer as escolhas corretas. O estado mantém
suas finanças em ordem e teve sua arrecadação alavancada a partir de 2021.
É preciso, porém, avançar em qualidade da
educação, linhas metroviárias e ferroviárias, despoluição de rios e combate ao
crime patrimonial, além de partilhar da carência nacional na saúde.
O eleito não deverá ter maior dificuldade
em negociar com legendas ao centro, seja na Assembleia Legislativa, seja no
plano nacional. O ex-prefeito da capital Gilberto Kassab, expoente do PSD, é um
aliado de primeira hora.
Será interessante, daqui para a frente, observar a relação de Tarcísio —agora o principal representante do bolsonarismo legitimado pelas urnas e no comando do segundo maior Orçamento do país— com o futuro presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Lula tem o dever de arrefecer os ânimos
O Estado de S. Paulo
Vitória do petista está longe de representar uma solução. Trata-se de um novo desafio, a exigir vigilância e participação democrática. Oposição responsável é imprescindível
Jair Bolsonaro é o primeiro presidente da
República que, tendo disputado a reeleição, não foi reconduzido ao cargo. A
maioria do eleitorado rejeitou neste domingo um governo que se mostrou, desde o
primeiro momento, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo. Eleito
em 2018 sob a bandeira do antipetismo e do combate à corrupção, Jair Bolsonaro
mostrou-se incapaz não apenas de cumprir minimamente um programa de governo,
mas de se portar como presidente da República em suas mais básicas exigências
legais e cívicas.
Se é um imenso alívio pensar que o Brasil
não terá, pelos próximos quatro anos, Jair Bolsonaro na Presidência da
República, é preciso reconhecer que o resultado das eleições deste
domingo está longe de desanuviar o horizonte nacional. Em primeiro lugar,
o próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva é ainda uma imensa incógnita. A
campanha eleitoral foi toda baseada em desqualificar o adversário. Mesmo os
mais fiéis apoiadores petistas não sabem como será o novo governo do PT.
Em segundo lugar, a derrota de Jair
Bolsonaro nas urnas não significa que o bolsonarismo acabou. Se essa campanha
eleitoral serviu para algo, foi para mostrar como a mensagem de Bolsonaro
continua tendo ressonância em muitos corações. Há parcela relevante da
população que, por diferentes motivos, vê Jair Bolsonaro – o omisso na
pandemia, o desprovido de programa de governo, o arruaceiro das eleições, o
comprador de votos – como solução para o País.
A partir de janeiro de 2023, Jair Bolsonaro
não estará na Presidência da República, mas o País continuará tendo de lidar
com ele e seus apoiadores. Entre outros aspectos, isso traz enormes desafios
para o debate público e para a composição de uma efetiva e responsável oposição
ao PT, que será mais necessária do que nunca.
Depois de quatro anos de Jair Bolsonaro e
de uma virulenta campanha eleitoral, o País precisa urgentemente de união e
pacificação. Lula da Silva tem o dever de arrefecer os ânimos, de respeitar os
vencidos e, sobretudo, de transmitir confiança a todos os brasileiros. Se há
alguma dose de responsabilidade no PT, agora é a hora de mostrar ao País que os
temores levantados por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral – a
respeito, por exemplo, de liberdade religiosa e de imprensa, de
responsabilidade fiscal, de respeito aos reais interesses e valores das
famílias, de proximidade com regimes autoritários – eram mentirosos.
A tarefa de pacificação nacional não começa
no dia 1.º de janeiro de 2023. Começou domingo à noite. Esse dever inclui
palavras respeitosas e serenas, mas envolve, sobretudo, ações. Muito da tão
necessária paz virá quando o País souber qual será o plano de governo de Luiz
Inácio Lula da Silva. Ou seja, são necessários gestos e palavras, mas,
sobretudo, é essencial responsabilidade, uma efetiva responsabilidade com o
País.
Depois de seu partido ter se envolvido nos
maiores escândalos de corrupção da história recente nacional, Lula da Silva –
este é o grande resultado do governo Bolsonaro – ganhou um novo mandato. Não há
dúvida de que essa constatação desperta imediato desânimo, como se o País se
mostrasse incapaz de andar para a frente, enredado nas mesmas questões e nos
mesmos nomes do passado. Eis o paradoxo das eleições de 2022: para resolver os
problemas nacionais, o eleitor elegeu aquele que é um dos grandes artífices da
atual crise social, política, econômica e moral.
A vitória de Lula está longe de representar
uma solução para o País. Trata-se, na verdade, de um novo desafio, a exigir
especial vigilância e renovada participação democrática. O PT tem um histórico
marcadamente antirrepublicano, com aparelhamento político-ideológico da máquina
estatal, conivência – para dizer o mínimo – com práticas de corrupção e
negacionismo na condução de suas políticas públicas. Nesse cenário, a oposição
responsável e democrática tem um importantíssimo papel a cumprir. E não nos
enganemos: o bolsonarismo é incapaz de fazer isso. É preciso urgentemente um
centro democrático e responsável.
São Paulo nas mãos de Tarcísio
O Estado de S. Paulo
No calor da campanha, Tarcísio teve que ser fiel ao atraso bolsonarista; agora, como governador eleito, espera-se que prevaleça a eficiência que seu histórico profissional inspira
A maioria dos eleitores paulistas decidiu
confiar ao engenheiro carioca Tarcísio Gomes de Freitas o governo de São Paulo,
que não apenas é o Estado mais rico da Federação, como figura entre os mais
importantes centros de desenvolvimento financeiro, agropecuário e tecnológico
do mundo.
Com um PIB de R$ 2,35 trilhões, o Estado de
São Paulo é a terceira maior economia e o terceiro maior mercado consumidor da
América Latina, de acordo com a Fundação Seade. À luz desse indicador, fosse um
país, São Paulo estaria entre as 50 nações mais ricas do mundo, à frente de
Argentina, Bélgica, Chile e Portugal, por exemplo.
Por fim, é neste Estado que vive um quinto
da população brasileira, quase 45 milhões de habitantes, com todos os desafios
e oportunidades que podem advir da concentração desse enorme contingente de
pessoas em um mesmo lugar.
Como se vê, governar São Paulo já seria um
desafio monumental para qualquer político, mesmo os mais experimentados em
cargos executivos. A faina será ainda maior para alguém como Tarcísio, que
jamais exerceu um mandato eletivo. Seu futuro governo, pois, se apresenta para
os paulistas como uma grande incógnita.
No entanto, ao governador eleito são
devidos o benefício da dúvida e uma dose de esperança. Embora jamais tenha
disputado eleição, Tarcísio já serviu a diferentes governos, de Dilma Rousseff
(PT) a Jair Bolsonaro (PL), passando por Michel Temer (MDB). Nos cargos
públicos que ocupou, Tarcísio sempre desempenhou com relativo sucesso todas as
atribuições que lhe foram dadas.
Nessas passagens pela administração pública
federal, Tarcísio se notabilizou por seu perfil técnico, derivado de uma sólida
formação acadêmica, e pela urbanidade com que trata seus interlocutores, mesmo
os que estão em campos políticos adversários. Uma mostra desse perfil foi dada
durante a campanha para o Palácio dos Bandeirantes, que, ao contrário da
campanha para a Presidência, foi um tanto mais propositiva e bem mais
civilizada.
Este jornal espera que, uma vez empossado
como governador de São Paulo, em janeiro, Tarcísio se dispa do bolsonarismo
tacanho que o ajudou a se eleger e encarne o bom gestor que demonstrou ser nos
cargos que ocupou no governo federal. A eleição acabou. Há um Estado complexo a
ser governado, com muitos problemas, mas também com muitas oportunidades para
crescer ainda mais.
É dever de Tarcísio coadunar suas ações
como chefe do Poder Executivo estadual com os anseios e as preferências dos
paulistas em áreas sensíveis como saúde, educação e segurança pública.
O governador eleito deve abandonar, por
exemplo, a ideia de abolir as câmeras das fardas dos policiais militares, uma
das mais bem-sucedidas políticas públicas de segurança pública já implementadas
no Estado, após muitos anos de estudo. As bodycams são aprovadas pela
grande maioria dos paulistas, inclusive pelos próprios policiais. Tarcísio
também fará enorme bem ao Estado se, ao contrário de seu padrinho político,
desestimular o armamento desenfreado da população travestido de exercício da
“liberdade individual”.
É também sob esse falso pretexto que o
futuro governador passou a defender a “liberdade” dos paulistas de não se
vacinarem contra a covid-19. Tarcísio chegou a prometer que revogaria medidas
que tornaram a vacinação obrigatória entre os servidores públicos estaduais.
Ora, São Paulo liderou o esforço nacional para que todos os brasileiros
tivessem acesso às vacinas. Ir de encontro a essa história não só seria uma
insensatez do ponto de vista sanitário, como uma traição ao legado do Estado
para que o País superasse a pandemia.
“É hora de um governo eficiente e de
esperança”, diz o material de campanha de Tarcísio. A eficiência, o governador
eleito já demonstrou ter ao longo de sua trajetória como servidor e ministro;
já a esperança depende de sua disposição de governar para todos, desanuviando o
clima de confronto e tensão que divide o País. Quanto menos bolsonarismo e mais
espírito público, melhor.
Desnutrição infantil é barbárie
O Estado de S. Paulo
Em 2021, quase 3 mil bebês com até 1 ano foram internados por desnutrição, um retrocesso de 14 anos
O Estadão teve acesso
exclusivo a um relatório elaborado pelo Observatório de Saúde na Infância
(Observa Infância), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e à Unifase, que,
somado a estudos de outras instituições, envolvendo diferentes indicadores,
compõe um tenebroso mosaico de retrocessos sociais.
Em 2021, segundo o Observa Infância, foram
registradas 113 internações por desnutrição de bebês com até 1 ano a cada 100
mil nascimentos. Trata-se do pior resultado nos últimos 14 anos. Em números
absolutos, só no ano passado 2.939 bebês nessa faixa etária precisaram de
suporte médico-hospitalar simplesmente porque não estavam alimentados como
deveriam nesse estágio da vida.
Uma sociedade civilizada não convive com a
fome e a insegurança alimentar de tantos milhões de seus cidadãos,
principalmente as crianças, como se fosse um dado da natureza, um infortúnio
qualquer que não merecesse a comiseração de todos nem ações mais incisivas dos
governantes de turno. Se convivem com isso sem perder o sono, aceitam a
barbárie.
Ora, ninguém de boa-fé, seja qual for a sua
afiliação político-partidária, há de acreditar que o Brasil está muito bem
administrado quando a desnutrição infantil, após tantos anos, volta a
representar risco de morte para bebês de até 1 ano. Nem é aceitável que tantas
mães, elas mesmas padecendo da dor da fome, vivam a angústia de só ter o leite
materno para oferecer às suas crianças.
Esse problema é ainda mais grave na Região
Nordeste, que registrou um número de internações de bebês com até 1 ano
desnutridos 51% maior do que a média nacional: foram 171,5 hospitalizações por
100 mil nascimentos em 2021.
“O que essas hospitalizações por
desnutrição representam?”, questionou Cristiano Boccolini, coordenador do
Observa Infância. “Não é só fome. Há todo um contexto de vulnerabilidade social
envolvido.”
De fato, o aumento da desnutrição infantil
é apenas mais um dado a revelar o enorme salto para trás que o Brasil tem dado
nos últimos quatro anos. O governo do presidente Jair Bolsonaro será lembrado
por muitas razões, mas a atenção aos desvalidos decerto não é uma delas.
Bolsonaro só se ocupou de cuidar de uma massa de brasileiros abandonados pelo
Estado na exata medida de seus interesses eleitorais.
A volta do espectro da fome e da
insegurança alimentar se soma à queda vertiginosa da cobertura vacinal de
nossas crianças contra doenças que haviam sido erradicadas, à destruição de
políticas públicas na área de educação, à crônica falta de saneamento básico e
acesso à água tratada para milhões de brasileiros, à leniência no combate aos
crimes ambientais, entre outros recuos civilizatórios.
Obviamente, Bolsonaro não deu causa a um ou
outro desses problemas, mas sua inépcia e desinteresse agravaram todos eles.
Nada de concreto foi feito durante o seu governo para reverter esse quadro de
miséria crônica.
Seja quem for o próximo presidente da República, se Jair Bolsonaro ou Lula da Silva, uma coisa é certa: não cuidar desses milhões de brasileiros esquecidos revelará mais do que incompetência: revelará uma falha de caráter.
Lula vence eleição e terá de obter força no
Congresso
Valor Econômico
Lula terá de delinear, antes da posse, um
plano viável de como se movimentar no terreno movediço no Congresso
Por pouco mais de 2,1 milhões de votos à
frente do presidente Jair Bolsonaro, na mais apertada eleição desde a
redemocratização, o ex-presidente Lula voltará a governar o Brasil. Será missão
mais difícil do que quando pisou pela primeira vez no Palácio do Planalto. O
resultado final das urnas (50,9% ante 49,1% do rival) acentuou o desenho que as
pesquisas eleitorais vinham traçando desde janeiro: o país está politicamente
dividido ao meio.
Bolsonaro reduziu a diferença entre ele e
Lula de 6,3 milhões de votos para um terço disso. Os três maiores colégios
eleitorais, São Paulo, Minas e Rio, serão comandados por aliados. A vitória
tranquila de seu ex-ministro Tarcísio de Freitas (55,2% contra 44,7%) no Estado
mais rico realçou sua força eleitoral no Sudeste. Mesmo assim, o número de
eleitores que viram em sua reeleição uma ameaça maior e urgente à continuidade
da democracia, e engrossou o caudal de votos arrastados pelo ex-presidente
Lula, foi maior. Está perto do fim o mandato de um dos presidentes mais
controversos que o Brasil já teve.
O fato de a ameaça de reeleição de
Bolsonaro ter sido rejeitada pelas urnas não torna a tarefa de governar mais
fácil a partir de 1º de janeiro. Ao contrário, Lula terá de usar do máximo de
sua capacidade, e no menor tempo possível, para agregar lideranças partidárias
e apoios parlamentares de todas as forças políticas que possam colaborar para
aprovação de um projeto coloque o país na rota do crescimento sustentável.
É importante que, encerrada a eleição, o
presidente Jair Bolsonaro promova uma transição transparente, ordeira e
pacífica. Há dúvidas sobre isso porque Bolsonaro governou abusando do sigilo, o
orçamento secreto do qual se beneficia é o contrário de transparente, e o
presidente demonstrou que moderação não é uma de suas qualidades.
Lula tem inegáveis dons para apaziguar ânimos e formar maiorias que permitam governar com alguma serenidade e eficiência. Sua grande capacidade de negociação e articulação revelou-se mais uma vez na forma com que montou, antes do primeiro turno, seu arco de alianças. Com o apoio de líderes tradicionais do MDB, obteve o apoio de que precisava para os palanques do Nordeste, onde garantiu vantagem abissal sobre Bolsonaro. Da mesma forma, candidatos regionais de partidos do Centrão esconderam seu candidato para apoiar Lula onde lhes fosse conveniente.
O presidente eleito terá de encaminhar
soluções para intricados desafios antes da posse, o que sugere que terá de
fazer uma composição política que se reflita já na formação de seu ministério
em um governo que irá, segundo ele, além do PT.
A primeira batalha do novo governo, e uma
das mais difíceis, será adequar o orçamento à realidade. Ele envolverá uma nova
relação entre o Executivo e o Congresso, depois que Bolsonaro deu autonomia ao
Centrão, que garantiu R$ 19,6 bilhões para seu orçamento secreto, enquanto os
demais ministérios, especialmente os da área social, sofreram cortes brutais de
custeio. O presidente da Câmara, Arthur Lira, quer permanecer no cargo, e disse
sem meias palavras que ou há o orçamento com emendas do relator ou então o
mensalão, sinalizando que quer manter o avanço já conquistado pelos partidos
fisiológicos sobre os cofres públicos.
A definição orçamentária trará também em si
a marca da política fiscal que o novo presidente pretende executar. Durante as
eleições, soube-se apenas que Lula quer revogar o teto de gastos, que exige
emenda constitucional e aprovação de dois terços do Congresso. Além disso, será
necessário definir um “estouro” do teto responsável, que abarque só despesas
irreversíveis. A principal é a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, uma
promessa de campanha que custa inexistentes R$ 50 bilhões. Abrir mão dos
impostos federais sobre combustíveis exigirá outro tanto, e acabar com a
desoneração provocará aumento da inflação e manutenção de juros altos por mais
tempo.
Antes de pensar nas reformas, e delas quase não se falou na campanha do PT, a missão primeira será atrair apoios no Congresso e influir na direção das duas Casas. Lula, em seus dois mandatos, abraçou as velhas raposas do Centrão, como Valdemar Costa Neto, manteve boas relações com o PSD de Kassab e cacife eleitoral renovado para atrair legendas que apoiam qualquer governo. Com base de 140 deputados, o governo, porém, ficará em córner legislativo. Para fazer diferença nos 100 primeiros dias, terá de delinear antes da posse um plano viável de como se movimentar no terreno movediço no Congresso.
2 comentários:
"A maioria do eleitorado rejeitou ... um governo que se mostrou, desde o primeiro momento, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo."
Bolsonaro foi é é um desastre. Escrevo às 9:36 e o vagabundo da República ainda não trabalhou e nem apareceu e, enquanto isso, o gado recusa-se a aceitar a derrota paralisando estradas.
"... a oposição responsável e democrática tem um importantíssimo papel a cumprir. E não nos enganemos: o bolsonarismo é incapaz de fazer isso."
Rá, de fato. O bolsonarismo é INCAPAZ DE SER RESPONSÁVEL E DEMOCRÁTICO. Só o gado se deixa enganar.
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