sábado, 12 de novembro de 2022

Lucas Carlos Lima* - Uma oportunidade que não pode ser perdida

O Estado de S. Paulo

O novo presidente tem uma grande chance diante de si: com sua política externa jurídica, influenciar um jogo que está repensando suas regras.

 “O Brasil está de volta ao jogo.” Parte do jogo é, por meio de sua política externa jurídica, tentar influenciar, modificar e aplicar as regras do próprio jogo de acordo com os interesses nacionais e buscando o melhor interesse do Brasil. Essas regras são conhecidas como o Direito Internacional.

Historicamente, por muito tempo, o Brasil foi mais um ruletaker (recebedor de regras) do que um rulemaker (criador de regras). Esse cenário alterou-se em virtude de articulações ativas e altivas (e também antes, desde Itamar Franco), de modo que a presença brasileira nas mesas de negociações e nas instituições internacionais garantia a voz brasileira na hora de modelar as regras internacionais.

Sabemos quais são os novos desafios que o presidente eleito irá encontrar no tabuleiro político das relações internacionais. Reconquistar lideranças não é tarefa simples, sobretudo num mundo cujas cadeias de produção se encontram abaladas, em que tensões (militares e econômicas) entre leste e oeste se agudizam e em que o multilateralismo se encontra em constante repensar. Às adversidades políticas se adicionam os desafios jurídicos, que podem ser sintetizados na formulação, interpretação e aplicação das regras do Direito Internacional a situações concretas. Podem-se vislumbrar ao menos três campos em que o Brasil terá de afinar sua política externa jurídica para otimizar resultados na proteção dos interesses nacionais.

O presidente eleito anunciou, em seu primeiro discurso após eleito, a intenção de obter desmatamento zero. Esse é, certamente, um grande ponto de partida. Afinal, é uma promessa que garante que aquilo que não deveria estar ocorrendo não irá mais ocorrer. Neste exato momento novas regras ambientais e climáticas estão sendo redesenhadas nas Conferências das Partes (COPs), no planejamento de novos tratados e na interpretação das regras já existentes que interseccionam a proteção do meio ambiente e direitos humanos. Será que o Brasil finalmente caminhará para a adoção do Acordo de Escazú, que relaciona e adiciona uma camada de juridicidade à relação entre direitos humanos e direitos ambientais?

No campo dos direitos humanos, os desafios são internos e externos. O compromisso com direitos humanos poderá ser importante não apenas na negociação de novos tratados (como o de empresas e direitos humanos), mas na hora de formular qual será o seu peso na política externa jurídica do País. O presidente eleito deverá ser contundente em relação aos países em que graves violações de direitos humanos estão ocorrendo – e sabemos quais são eles. Aqui, naturalmente, há muita margem de manobra e ambiguidade. Mas, se o Brasil quer voltar a ter uma voz nos círculos em que direitos humanos contam, deverá recalibrar sua relação com a Corte Interamericana e também buscar um mínimo de coerência na hora de conversar sobre o tema com seus aliados.

Um dos tópicos mais sensíveis que o novo presidente terá de enfrentar diz respeito à segurança internacional e às regras da proibição do uso da força e das violações do direito humanitário. A guerra na Ucrânia continua e divide o mundo. A equidistância pragmática assumida até agora pelo Brasil é por vezes percebida como ambiguidade. O presidente eleito tem planos mais efetivos para mostrar sua posição em relação ao conflito ou seguirá a posição do atual presidente? Se em seu discurso o presidente eleito mais uma vez mencionou reformas no Conselho de Segurança da ONU, sabe-se que para promover essas reformas é necessário angariar uma força política enorme para mover as regras do jogo. Irá o Brasil participar do amplo grupo de Estados que, perante a Corte Internacional de Justiça, articula sua posição sobre a Convenção contra o Genocídio?

Essas são apenas três razões que demonstram o peso da futura política externa jurídica do novo presidente. Ele parte de um ponto de vantagem enorme em relação ao passado, que, nesses três âmbitos, deu a impressão de que o País parou no tempo.

O Brasil conta com quatro juristas em posições estratégicas importantes – não estando lá para representar o Brasil, mas a título pessoal, em virtude de suas capacidades e agindo com independência e imparcialidade. A Corte Internacional de Justiça, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Comissão de Direito Internacional e o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais têm um assento ocupado por juristas que estudaram, conhecem e pensam as realidades brasileiras. Ademais, o novo presidente contará com um dos melhores serviços diplomáticos do mundo ao seu dispor – e provavelmente também desejoso de voltar ao grande jogo.

Enviando os sinais adequados, com o apoio da subutilizada academia, o novo presidente tem mais uma vez uma grande chance diante de si: por meio de sua política externa jurídica, influenciar ao máximo possível um jogo que está repensando suas regras. Não é uma oportunidade a ser perdida.

*Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (Ufmg), é pesquisador visitante na Université Paris I – Pantheón Sorbonne 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O Brasil volta a ter política externa.