sábado, 12 de novembro de 2022

Ricardo Henriques - Emergência climática e educacional

O Globo

No Brasil, os desafios estruturais que as mudanças climáticas e a educação enfrentam são da mesma natureza

 ‘A eleição presidencial brasileira determinará o futuro do planeta”. Este foi, traduzido, o título de um editorial do New York Times publicado três dias antes do pleito que deu a Luiz Inácio Lula da Silva seu terceiro mandato. É sintomático do tamanho da expectativa que a comunidade internacional deposita no novo governo.

Esta situação dá ao país uma oportunidade de reconquistar seu protagonismo internacional, conforme estamos vendo na conferência do clima da ONU, a COP 27, e em sinalizações como a da Noruega em relação ao Fundo Amazônia. É fundamental, portanto, que nos posicionemos como liderança global que concilie a agenda ambiental e climática com o desenvolvimento econômico e social.

Para isso, precisaremos de ações ambiciosas, transversais e aceleradas em duas frentes: mitigação e adaptação. Em ambas será fundamental investir na educação e nos sistemas de formação profissional de forma a construir uma ponte que viabilize a instalação de uma economia de baixo carbono e que transforme nossas vantagens comparativas em competitivas.

De acordo com relatório do Observatório do Clima em 2022, na frente de mitigação, os esforços de transição para uma economia verde permitem projetar o Brasil como a primeira grande economia a atingir a neutralidade de carbono em 2045. Só que estratégias de compensação são insuficientes no longo prazo se almejamos compor a primeira liga das nações.

A agenda do clima permite inovações e competitividade muito além da preservação. Para isso, serão fundamentais mudanças de adaptação na transição para a economia de baixo carbono.

Nesta direção, destaca-se, entre outras, a necessidade de garantir infraestrutura de qualidade para reduzir custos e impactos da degradação ambiental, permitindo maior adaptação a eventos extremos. Também promover a transição para a agricultura sustentável e resiliente, com segurança hídrica para o setor e para o país.

E, ainda, acelerar a digitalização e o desenvolvimento tecnológico em direção a uma matriz energética e produtiva descarbonizada e segura, além de fomentar a inovação industrial, inclusive estimulando o desenvolvimento local em regiões desfavorecidas.

Para além da solidariedade climática e da preservação da vida, abrem-se caminhos para o reposicionamento estratégico do país na economia e na geopolítica global. A educação e qualificação do nosso capital humano se apresentam aqui como estratégicos.

Segundo relatório deste ano do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Unep), essas serão variáveis-chave para trazer uma perspectiva verde para todas as profissões, aumentar a recolocação profissional dos que já estão no mercado, melhorar a qualidade dos currículos para atender ao percurso da carreira e às necessidades do professor e do empregador, além de conectar estudantes a profissionais para realizar projetos aplicados, entre outros.

Sem educação de qualidade para todos e sintonizada com os novos desafios do mundo, não exploraremos nossa biossocioeconomia de forma sustentável.

Há, no entanto, diversas implicações que requerem atenção. Davide Consoli e coautores da Universidade de Sussex constatam, em artigo de 2016, que novos empregos verdes são caracterizados por níveis mais altos de habilidades cognitivas e maior dependência de educação formal e de mais experiência no mercado de trabalho.

Isso pode ser explicado pelo fato de estarem fortemente ligados à expertise em novas tecnologias, caso de engenheiros de biocombustíveis ou nanotecnologistas, por exemplo.

Já mudanças em ocupações verdes existentes tendem a se concentrar em vagas de baixa e média qualificação, em que habilidades tradicionais precisarão ser complementadas por novas, por meio de treinamento contínuo ou requalificação, como soldadores na fabricação de turbinas eólicas ou técnicos na montagem de carros movidos a hidrogênio.

O corolário deste movimento deverá ser a transição justa, sem erosão de empregos e amplificação das desigualdades.

Os caminhos indicados têm o potencial de gerar milhões de empregos, alavancar o crescimento, reduzir a pobreza e, segundo relatório deste ano da Unicef, proteger as mais de 40 milhões de crianças e adolescentes brasileiros expostos a riscos climáticos. No Brasil, os desafios estruturais que as mudanças climáticas e a educação enfrentam são da mesma natureza.

Como tenho argumentado, ambas solicitam novos trilhos — tanto para o desenvolvimento econômico e socioambiental, como para a educação de qualidade para todos. E ambas precisam acelerar em muito a velocidade dos seus percursos. Nesse sentido, emergência climática é também emergência educacional.

 

3 comentários:

jotaaugusto2011@gmail.com disse...

Belíssimo artigo. Realmente economia e educação devem andar juntas para transformarmos o nosso desenvolvimento em realidade sustentável.

Anônimo disse...

Temos aí o desafio de transformar palavras em ações!

ADEMAR AMANCIO disse...

Agora eu sinto que vai.