Folha de S. Paulo
Governo tem ferramentas de sobra para
influenciar o mercado, mas não tem armas para exigir obediência de empresas
privadas
A cada duas ou três semanas, Lula abre
espaço na agenda para dar uma pancada na gestão da Vale.
Na bordoada mais recente, ele lançou
mão de figurinhas repetidas: citou atrocidades
ambientais e bateu no que seriam distorções criadas pela
empresa num setor produtivo estratégico.
Um presidente que não domina o próprio
megafone deveria economizar nas palavras. Não é o caso de Lula. Já um político
que conhece o poder de suas declarações nunca se contentará com o papel de
comentarista inofensivo.
Lula foi além de uma análise inocente sobre uma empresa que atua num setor regulado, submetida à legislação ambiental. Depois de criticar a mineradora, o petista exibiu a visão crua de um capitalismo de Estado. "As empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro", disse.
Em 2011, a alemã Angela Merkel reconheceu
um princípio que ficou conhecido como "democracia em conformidade com o
mercado". A chanceler foi criticada pela esquerda europeia por assumir uma
perspectiva aguda do pensamento liberal, em que o Estado deveria, na prática,
ficar a serviço da economia.
Dadas as convicções ideológicas de Lula, não
é surpresa que ele enxergue as coisas de maneira inversa. O presidente dá conta
de um mercado que deve se adaptar à democracia —aquela que legitima um governo
dotado de um "pensamento de desenvolvimento", em suas palavras.
Descontados delírios revolucionários, Lula
rascunhou uma doutrina precária. Essa mesma ideia validaria o liberalismo
selvagem de um governo de extrema direita ou determinaria a
submissão de mercados privados aos interesses de uma oligarquia que define a
política econômica.
O governo tem ferramentas de sobra para
configurar os mercados e para tornar a economia mais justa. Pode até, como se
vê, estimular discussões sobre o aumento da
taxação de cidadãos muito ricos. Só não tem armas para exigir a
obediência de empresas privadas.
Um comentário:
Sei.
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