O Globo
O atributo necessário do texto político está
na eficácia para formar opinião e cooptar adesões, o que teria uma “função
apelativa”
Nesses tempos de eleições, a linguagem
política que começa a invadir nossas casas em debates e propaganda eleitoral
ganha espaço próprio no cotidiano do brasileiro, e por isso merece atenção
especial. Foi o que fez o linguista e filólogo Ricardo Cavalieri, membro da
Academia Brasileira de Letras, em recente palestra, lembrando que o político e
diplomata francês Charles-Maurice Talleyrand definiu que a linguagem política
serve mais para ocultar o pensamento do que manifestá-lo.
O atributo necessário do texto político está na eficácia para formar opinião e cooptar adesões, o que, na definição do linguista alemão Karl Bühler, teria uma “função apelativa”. Cavalieri lembra que, entre as estratégias para montar um texto político, está “escamotear a verdade dos fatos”. “A falácia, a falsidade e a desfaçatez, que seriam condenadas em outros gêneros textuais, figuram como ingredientes naturais do texto político”, ressalta o filólogo.
Cavalieri vê nesse comportamento uma espécie
de “naturalização da ignomínia”. Para o filólogo, o interessante do vocabulário
específico do mundo político é que ele diz respeito à vida dos homens, das
comunidades e das instituições em sua dimensão ideológica, com intensa presença
de figuras de linguagem, que são determinadas por atitudes, valores e matizes
especiais que as palavras tendem a adquirir no quadro de certas ideologias.
Ele cita o linguista romeno Eugenio Coseriu
que exemplifica o fato com palavras como “raça” e “sangue”, que passaram a
expressar uma ideologia racista à época do nazismo alemão. Palavras como
liberdade, democracia, nação e pátria são usadas com significados radicalmente
distintos em comunidades caracterizadas por ideologias ou regimes políticos
diferentes. Nos governos democráticos, lembra Cavalieri, a palavra “partido”
remete a seu sentido etimológico de parte de um todo, implicando pluralidade
entre políticos. Nos governos autoritários e ditatoriais, tem o sentido de
corporação.
Há outras questões, como as existentes com
relação aos regimes políticos. Os países comunistas são assim definidos pelos
não comunistas. Nesses, fala-se em “países socialistas”, por não terem chegado
ainda ao estágio final do comunismo. Da mesma forma, nazismo e fascismo, que
para uns são vertentes do mesmo sistema político, para outros são sistemas
claramente distintos. Vincular as palavras “tradição” e “fascismo” no mesmo
campo semântico, lembra Ricardo Cavalieri, poderá ter alguma lógica no campo
político, mas é uma correlação absurda na linguagem científica.
O texto político pode ser analisado em
diversos aspectos. No filológico, pode-se analisar o percurso das mudanças
linguísticas que seus elementos sofreram. Por exemplo, o grau de formalismo
gramatical nos diferentes momentos históricos da vida política como reflexo da
mudança de valores morais da sociedade, ou os neologismos ou importações de
palavras. A criatividade da linguagem permite o surgimento de termos como
“jairseacostumando”, a aglutinação de palavras, como “vaza-jato”, a formação de
hibridismos e extensão semântica, como “desidratar” no sentido de enfraquecer.
Com relação aos campos semânticos, nomes de
cores ligados a partidos políticos, como o vermelho ao PT, o surgimento de
expressões como “política do café com leite”, baseadas em aspectos
econômico-culturais do país. Analisada como peça argumentativa que vise a
cativar o apoio do interlocutor, a linguagem política pode se colocar em
contraposição à asserção fidedigna, comprovação de fatos e probidade de
propósitos, atributos indispensáveis a textos científicos ou jurídicos. Ricardo
Cavalieri, que usa em seu texto uma fina ironia, encerra sua análise lembrando
que Aristóteles definiu o homem como “um ser político”. “A linguagem da
política é a linguagem do homem, com todas as suas mazelas e encantamentos”.
2 comentários:
Tudo isso é resultado do atraso que a burocracia de mais de 30 ministérios nos impõe, além das discussões do baixo clero, incluindo as academias de letras que ainda não tem resposta para a alteração gramatical das palavras que até então ainda são comuns de dois gêneros, número e Grau.
Em política o subtexto é mais importante.
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