quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Cafezinho frio - Merval Pereira

O Globo

Lula descobre que nem mesmo dando ministérios importantes a partidos supostamente aliados garantirá apoio

Uma tempestade perfeita sobrevoa o Palácio do Planalto, prenunciando anos difíceis para o governo Lula, que aparentemente errou o timing e entra no terceiro ano de seu terceiro mandato fustigado pela inflação crescente e pelo desequilíbrio nas contas públicas, ameaçando uma crise econômica semelhante à vivida por Dilma Rousseff.

Lula reassumiu a Presidência como se fosse a sequência de seus dois mandatos anteriores e se esqueceu de organizar as contas públicas antes de partir para o desenvolvimentismo. Obteve crescimento de cerca de 7% nos dois primeiros anos à custa de aumento da taxação e do descontrole das contas. Tudo indica, porém, que o ritmo não será mantido, e a reação política já sugere que Lula chegou ao limite antes do que se pensava.

Não é à toa que uma das petistas mais ativas, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, avisou em entrevista ao GLOBO que o apoio do Nordeste a Lula não está garantido. As pesquisas de opinião mais recentes mostram que a popularidade dele já está mais negativa que positiva, e, embora continue liderando as preferências no Nordeste, única região em que ganhou de Bolsonaro na eleição de 2022, esse apoio vem diminuindo. Mesmo no Nordeste, Lula já não reina como anteriormente, e sua popularidade, embora forte, está decadente.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab — que tem ministérios no governo Lula e secretarias no governo estadual de Tarcísio de Freitas em São Paulo —, saiu da postura cautelosa que sempre mantém para fazer uma série de críticas ao presidente numa palestra a banqueiros. Disse que, se a eleição fosse hoje, Lula perderia. Considerou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está fraco politicamente e não tem respaldo para enfrentar as dificuldades que se apresentam ao governo nos dois últimos anos.

Em meio à reforma ministerial que precisa fazer para revigorar seu governo, mal avaliado pela maioria, Lula descobre que nem mesmo dando ministérios importantes a partidos supostamente aliados garantirá apoio político em momentos que exijam definição de posições. Assim mesmo, deverá oferecer a Arthur Lira um ministério de peso, porque não tem como enfrentar o Centrão.

Até o momento, a indicação da atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para a Secretaria-Geral da Presidência é o movimento mais efetivo para fortalecer o partido, pois certamente ela tem mais capacidade de mobilização das lideranças sindicais e movimentos sociais que o atual ocupante do cargo. Isso não indica, porém, que o governo ampliará sua base de apoio; ao contrário, tenderá a ficar mais petista do que já é, o que fará com que os partidos que não são do campo da esquerda sintam-se mais alijados do centro do poder.

O Congresso, com as regalias que já garantiu para si, não precisa mais do Executivo como noutros tempos, em que partidos periféricos não tinham força para exigir do governo nada além de prebendas. Hoje, é o governo que precisa de votos em questões de seu interesse e precisa engolir vetos derrubados para manter a governabilidade.

Todo o governo Lula é centralizado nele, mas o presidente não tem mais a disposição anterior. Muitos dos desencontros que têm acontecido se devem a Lula aparentemente ter perdido o gosto pela política cotidiana, não despender mais as noites em conversas com aliados e ter uma seleção pequena de assessores e ministros com acesso liberado a seu gabinete, menor ainda a sua residência privada depois do expediente.

O presidente começa a ser tratado, talvez precocemente, como “pato manco”, político que não tem expectativa de poder. O cafezinho de Lula já está chegando frio?

 

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