terça-feira, 10 de junho de 2025

Desfecho de Bolsonaro se aproxima sem refresco para Lula - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Maré baixa com a qual Bolsonaro chega à reta final do julgamento não traz alívio para o governo

A cena foi captada pelo fotógrafo do Supremo Tribunal Federal, Ton Molina. O ex-presidente Jair Bolsonaro sorri, benevolente, enquanto aperta a mão do tenente-coronel Mauro Cid no auditório da Primeira Turma. O ex-ajudante de ordens retribui o cumprimento e aperta os lábios num sorriso constrangido. Quando andava lado a lado com Bolsonaro, que tem 1,85m, seu ex-ajudante de ordens lhe alcançava os ombros. Ontem, ao cumprimentá-lo de lado no auditório, parecia ainda menor.

A cena, que aconteceu antes do início da sessão, não encontrou sua tradução no depoimento do ex-ajudante de ordens. A benevolência de Bolsonaro com o colaborador sem o qual a denúncia dificilmente teria evoluído para este julgamento não colheu a cumplicidade do seu ex-ajudante de ordens. Mauro Cid foi ameno com o ex-chefe, mas repetiu, em grande parte, o que havia dito na delação premiada do ano passado, inclusive a edição da minuta golpista por Bolsonaro, que deixaria o ministro relator, Alexandre de Moraes, como o único preso em decorrência do ato presidencial.

Frente à frente com Moraes pela primeira vez desde março, quando esteve na sessão em que o STF aceitou a denúncia, Bolsonaro se manteve atento aos depoimentos. Manteve-se sentado, de braços cruzados, ao lado do seu advogado. De vez em quando, levava as mãos ao rosto e as deslizava pelo nariz. Soprou ao ouvido de Celso Villardi ao ouvi-lo perguntar a seu ex-ajudante de ordens se o ex-presidente havia dito: “Se não for encontrada fraude nada vai acontecer”. A leitura labial só permitiu decifrar, do sopro do ex-presidente, a palavra “Constituição”. Villardi voltaria ao tenente-coronel com uma variação em torno do mesmo tema: Cid teria ouvido o presidente dizer que só agiria dentro das quatro linhas? “Sim, senhor”, respondeu o ex-ajudante de ordens.

Mais suave do que em outras sessões transmitidas pela TV Justiça da ação penal da trama golpista, Alexandre de Moraes manteve a urbanidade com os advogados e até com Luiz Fux, o único de seus colegas presente ao depoimento. Na aceitação da denúncia pela Corte, Fux havia manifestado inconformidade com as sucessivas delações de Cid e dito que queria, ele mesmo, inquiri-lo.

Ao se dirigir ao ex-ajudante de ordens, Fux pediu que ele discorresse sobre o termo “bravata”, usado por Mauro Cid na delação. Encaminhava-se na mesma direção do ex-ministro Aldo Rebelo que, na fase da oitiva de testemunhas, confrontou Moraes ao dizer que a fala golpista do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, não podia ser levada ao pé da letra. Depois Fux fez pergunta de advogado, que costuma inquirir sabendo a resposta que vai ouvir, ao querer saber de Cid se a minuta havia sido assinada por Bolsonaro. “Não”, disse Cid, confirmando a delação. Foi apenas na terceira provocação que Moraes reagiu a estratégia do colega. Depois de Fux ouvir um “não” de Cid à pergunta se ele abrira o pacote que lhe havia sido entregue pelo general Braga Neto para fomentar o golpe, Moraes emendou: “Mas sabia que era dinheiro [o conteúdo do pacote]?”. Mauro Cid manteve a delação: “Sabia”.

Frequentemente acometido de lapsos de memória, ao ser indagado sobre detalhes dos fatos descritos, como se pretendesse manter saídas abertas para os réus da ação, o ex-ajudante de ordens preservou o conjunto da obra da delação, que descreve a série de reuniões, mensagens e iniciativas dos réus em consonância com os cinco crimes pelos quais são acusados: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Pelo ritmo dos depoimentos, que seguem a ordem alfabética dos réus, é possível que Bolsonaro seja ouvido apenas na quarta-feira. É sob revezes que chega a esta fase do processo. A fuga de Carla Zambelli atrapalhou o discurso de que o processo fere o Estado Democrático de Direito. As garantias constitucionais proporcionadas até o trânsito em julgado resultaram na sua fuga.

A segunda razão pela qual o clima está mais azedo que o esperado é que os dois personagens que estavam unidos na persecução penal contra Moraes, Donald Trump e Elon Musk, romperam e arrumaram encrencas maiores para lidar. E, finalmente, o terceiro dado negativo da conjuntura para o ex-presidente é que a última rodada Genial/Quaest mostrou que a direita tem alternativa a Bolsonaro com a competitividade dos governadores de quatro Estados (SP, MG, PR e GO), além da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, ante a postulação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela reeleição.

A maré baixa de Bolsonaro não é cheia do outro lado da Praça. A reta final do julgamento do ex-presidente demonstra a autonomização do STF ante o Executivo. Um desfecho condenatório contra o Bolsonaro com a comprovação da trama golpista não refresca a situação do governo, encalacrado na única frente ampla que conseguiu produzir desde a posse de Lula, a dos adversários da política fiscal. O presidente ainda terá que se defrontar com um subproduto desse julgamento que é a aproximação dele decorrente entre seu antecessor e o governador de São Paulo, condição para a entrada de Tarcísio de Freitas na disputa presidencial de 2026.

 

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