Correio Braziliense
Sob o novo governo de Portugal, as exigências
devem se tornar cada vez mais difíceis de serem cumpridas por migrantes que
deixam o Brasil rumo às terras lusitanas
A decisão do governo de Portugal de expulsar
5.368 imigrantes brasileiros, após terem seus pedidos de residência fixa
negados, resulta da pressão que a extrema-direita tem exercido na política
migratória do país. Na eleição legislativa realizada em maio deste ano, o
Partido Chega ficou com a segunda maior bancada, tendo conquistado 60 das 230
cadeiras no parlamento.
Embora não esteja na coligação que governa o país, o Chega tem crescido como força política entre os portugueses por seu discurso anti-imigração e xenofóbico, principalmente contra cidadãos brasileiros e de ex-colônias portuguesas na África. O líder do partido de extrema-direita português é admirador fervoroso de Donald Trump. Desde que tomou posse em janeiro de 2025, Trump adotou uma política imigratória que tem produzido efeitos perversos sobre diferentes comunidades de imigrantes nos Estados Unidos, incitando o ódio e espalhando o medo mesmo entre os que têm autorização para trabalhar e residir no país.
Uma das primeiras medidas anunciadas pelo
primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, da Aliança Democrática, quando
assumiu o poder em 2024, mirava justamente a política migratória. Ele
determinou que a Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima) acelerasse a
análise dos pedidos de residência de imigrantes estrangeiros. Assim, além dos
5. 368 brasileiros, 13.466 indianos, dos 28 mil que pediram residência,
argentinos e venezuelanos terão que deixar Portugal. Entre esses, a Índia foi o
país que mais teve pedidos de residência negados — quase 50% .
Hoje, cerca de 513 mil brasileiros vivem em
Portugal. É a segunda comunidade brasileira no exterior, ficando atrás apenas
dos Estados Unidos, onde residem mais de 2 milhões de brasileiros. Dado o
avanço da extrema-direita em Portugal, o número de brasileiros que serão
notificados para que deixem as terras lusitanas tende a aumentar. Cabe saber
como o Ministério das Relações Exteriores do Brasil vai reagir ao provável
aumento da negativa do governo português e se haverá algum tipo de consulta
formal a eles acerca do tratamento dispensado aos brasileiros que estão sendo
alvo dessa medida.
O fato é que, nos últimos 30 anos, milhares
de brasileiros escolheram Portugal como destino em busca de uma vida melhor ou
para escaparem (os ricos) da falta de segurança das grandes cidades do nosso
país. Mas a grande maioria dos brasileiros que foram para Portugal trabalha em
empregos que não permitem fazer uma boa reserva de recursos econômicos e acaba
consumindo quase toda a renda auferida com longas jornadas de trabalho. Assim,
os brasileiros que devem deixar o país em menos de um mês — este é o prazo determinado
pelas autoridades portuguesas — terão histórias e trajetórias muito parecidas
com as dos que foram deportados ou forçados a deixarem os Estados Unidos desde
o começo deste ano: após trabalharem arduamente, voltam com pouco ou quase
nada. Some-se a isso a mudança brusca de suas vidas e projetos.
Embora o percentual de vistos de residência
negados possa parecer pequeno (7,3%), não é possível afirmarmos ainda que a
realidade vivida pelos brasileiros em Portugal sob o novo governo, e também com
o aumento do apoio à extrema-direita por lá, seja de tranquilidade. A imprensa
brasileira tem noticiado nos últimos anos casos de violência física, racismo e
discriminação contra brasileiros.
Sob o novo governo de Portugal, as regras
para permanecer no país devem se tornar paulatinamente mais rígidas e as
exigências, cada vez mais difíceis de serem cumpridas por parte dos migrantes
que deixam o Brasil rumo às terras lusitanas. Nos anos 90, tivemos momentos de
tensão com a hostilidade contra dentistas brasileiros, profissionais altamente
qualificados que enfrentaram barreiras severas para conseguir exercer sua
profissão, assim como se integrar à sociedade portuguesa. Agora, o perfil dos
brasileiros que lá estão é mais diverso, como os trabalhos que realizam e os
postos de trabalho que ocupam.
É imprescindível que o governo brasileiro
atue com firmeza para assegurar a dignidade dos brasileiros no exterior e que
os que tiveram o visto de residência negado tenham a possibilidade de recorrer
à justiça. E, para isso, o apoio da Embaixada do Brasil em Portugal, assim como
o do consulado, é crucial. Nos próximos meses, saberemos se o novo governo
português decidiu seguir os passos de Trump na política migratória.
*Professor-associado IV do Instituto de
Relações Internacionais da UnB e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos
sobre os EUA (INEU/CNPq)
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