terça-feira, 10 de junho de 2025

Lula errou a estratégia e se complica com agenda fiscal para 2026 - Bruno Carazza

Valor Econômico

Agenda de ajuste fiscal estrutural de Hugo Motta pode impor medidas impopulares a Lula às vésperas da eleição

Nicolau Maquiavel em 1513 já alertava ao governante de Florença que o mal se faz de uma só vez, enquanto o bem se distribui aos poucos. Muitos séculos depois, já com os regimes democráticos disseminados, o economista William Nordhaus desenvolveu em 1975 um modelo econômico que demonstra que os governantes tendem a adotar uma postura de austeridade no início do mandato, buscando gerar uma gordura para gastar mais no final. O objetivo é estimular a economia perto da eleição, aumentando as chances de serem mantidos no cargo ou fazerem o seu sucessor.

Luiz Inácio Lula da Silva optou por subverter essa ordem ao derrotar Bolsonaro em 2022. Àquela época, premido pela necessidade de garantir um maior apoio popular depois de um pleito tão disputado e polarizado, o petista resolveu negociar com o Congresso, com a PEC da Transição, uma autorização para gastar R$ 165 bilhões a mais. Assim, Lula conseguiu iniciar seu terceiro mandato pisando no acelerador, turbinando a economia com aumento do Bolsa Família, reajuste real do salário-mínimo, antecipação do pagamento de precatórios e a recomposição de inúmeras políticas públicas sucateadas pelo seu antecessor.

A estratégia para recuperar o equilíbrio das contas depois desse empuxo de despesas veio com o arcabouço fiscal. O mecanismo desenhado pela equipe de Haddad baseava-se na suposição de que os estímulos iriam movimentar a economia (o que realmente ocorreu), turbinando a arrecadação (como de fato se verificou) e permitindo zerar o déficit mesmo sem precisar de uma redução expressiva de despesas. Para desânimo do governo, esse último passo não se verificou – e o governo se vê agora pressionado a apresentar uma solução.

A primeira proposta da equipe econômica foi aumentar o IOF. Porém, diante da perspectiva de um encarecimento generalizado do crédito, parlamentares, empresários e representantes do setor financeiro reagiram instantaneamente.

Premido a oferecer uma alternativa, Haddad propôs aos presidentes da Câmara e do Senado no domingo (08) uma combinação de aumentos na tributação de bets, fintechs e aplicações financeiras, além de uma promessa de reduzir em 10% o montante de renúncias e isenções fiscais.

O ministro da Fazenda, portanto, trocou um imposto que tinha custo difuso (o IOF, impactando todos os tomadores de crédito) por uma cobrança concentrada em alguns setores da economia, o que em tese é positivo, pois realmente temos muitas distorções na estrutura econômica brasileira.

Haddad, porém, manteve a insistência em um ajuste fiscal pelo lado da receita, demonstrando a relutância do governo Lula em conter o crescimento explosivo dos gastos obrigatórios.

Em evento organizado nesta segunda-feira (09) pelo Valor, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), habilidosamente se declarou aberto a avaliar as propostas do governo. Mas destacou a necessidade de o governo discutir, perante o Congresso, medidas estruturais de cortes de despesa.

No cardápio apresentado por Motta estão reforma administrativa, fim da indexação de benefícios assistenciais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao salário-mínimo, desvinculação das despesas de saúde e educação à receita, contenção dos repasses do Fundeb para Estados e municípios, reforma da previdência dos militares, entre outras medidas.

No âmbito do projeto do governo de isentar de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, o presidente da Câmara ainda mencionou a intenção de rever o sistema de deduções e isenções para aposentados, portadores de moléstias graves e de despesas com saúde privada.

Obviamente, todo esse conjunto de medidas é extremamente impopular, ainda mais às vésperas de um ano eleitoral. É por isso que Lula tem resistido como pode a encarar esses assuntos. Já para a direita, que vê uma oportunidade concreta de voltar ao poder em 2026, a agenda de Motta é um sonho.

Aprovar algumas dessas propostas de Motta ainda neste governo cumpre um duplo objetivo para os adversários do atual presidente da República. De um lado, joga nas costas de Lula o ônus político de sancionar medidas que desagradarão a maioria do eleitorado, afetando ainda mais sua popularidade. E, de quebra, ainda sanciona, nesta legislatura, uma pauta que exige sempre um grande capital político.

Ao ter subvertido a lógica política de tomar medidas duras no começo do mandato para ir distribuindo bondades no final, Lula corre o risco de ter que engolir nos próximos meses um conjunto de proposições que diminui suas chances de reeleição.

Por outro lado, tudo o que seus adversários da direita querem é que essa agenda de Motta seja aprovada logo. Assim, caso saiam vencedores em 2026, eles vão assumir o poder sem o ônus de negociar um ajuste de gastos muito forte logo após a posse.

Trata-se de um plano bastante maquiavélico, aliás.

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