Valor Econômico
Agenda de ajuste fiscal estrutural de Hugo Motta pode impor medidas impopulares a Lula às vésperas da eleição
Nicolau Maquiavel em 1513 já alertava
ao governante de Florença que o mal se faz de uma só vez, enquanto o bem se
distribui aos poucos. Muitos séculos depois, já com os regimes democráticos
disseminados, o economista William
Nordhaus desenvolveu em 1975 um modelo econômico que
demonstra que os governantes tendem a adotar uma postura de austeridade no
início do mandato, buscando gerar uma gordura para gastar mais no final. O
objetivo é estimular a economia perto da eleição, aumentando as chances de
serem mantidos no cargo ou fazerem o seu sucessor.
Luiz Inácio Lula da Silva optou por subverter essa ordem ao derrotar Bolsonaro em 2022. Àquela época, premido pela necessidade de garantir um maior apoio popular depois de um pleito tão disputado e polarizado, o petista resolveu negociar com o Congresso, com a PEC da Transição, uma autorização para gastar R$ 165 bilhões a mais. Assim, Lula conseguiu iniciar seu terceiro mandato pisando no acelerador, turbinando a economia com aumento do Bolsa Família, reajuste real do salário-mínimo, antecipação do pagamento de precatórios e a recomposição de inúmeras políticas públicas sucateadas pelo seu antecessor.
A estratégia para recuperar o equilíbrio das
contas depois desse empuxo de despesas veio com o arcabouço fiscal. O mecanismo
desenhado pela equipe de Haddad baseava-se na suposição de que os estímulos
iriam movimentar a economia (o que realmente ocorreu), turbinando a arrecadação
(como de fato se verificou) e permitindo zerar o déficit mesmo sem precisar de
uma redução expressiva de despesas. Para desânimo do governo, esse último passo
não se verificou – e o governo se vê agora pressionado a apresentar uma solução.
A primeira proposta da equipe econômica foi
aumentar o IOF. Porém, diante da perspectiva de um encarecimento generalizado
do crédito, parlamentares, empresários e representantes do setor financeiro
reagiram instantaneamente.
Premido a oferecer uma alternativa, Haddad
propôs aos presidentes da Câmara e do Senado no domingo (08) uma combinação de
aumentos na tributação de bets, fintechs e aplicações financeiras, além de uma
promessa de reduzir em 10% o montante de renúncias e isenções fiscais.
O ministro da Fazenda, portanto, trocou um
imposto que tinha custo difuso (o IOF, impactando todos os tomadores de
crédito) por uma cobrança concentrada em alguns setores da economia, o que em
tese é positivo, pois realmente temos muitas distorções na estrutura econômica
brasileira.
Haddad, porém, manteve a insistência em um
ajuste fiscal pelo lado da receita, demonstrando a relutância do governo Lula
em conter o crescimento explosivo dos gastos obrigatórios.
Em evento organizado nesta segunda-feira (09)
pelo Valor, o
presidente da Câmara dos Deputados, Hugo
Motta (Republicanos-PB), habilidosamente
se declarou aberto a avaliar as propostas do governo. Mas destacou a
necessidade de o governo discutir, perante o Congresso, medidas estruturais de
cortes de despesa.
No cardápio apresentado por Motta estão
reforma administrativa, fim da indexação de benefícios assistenciais como o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao salário-mínimo, desvinculação das
despesas de saúde e educação à receita, contenção dos repasses do Fundeb para
Estados e municípios, reforma da previdência dos militares, entre outras
medidas.
No âmbito do projeto do governo de isentar
de imposto de renda para
quem ganha até R$ 5 mil mensais, o presidente da Câmara ainda mencionou a
intenção de rever o sistema de deduções e isenções para aposentados, portadores
de moléstias graves e de despesas com saúde privada.
Obviamente, todo esse conjunto de medidas é
extremamente impopular, ainda mais às vésperas de um ano eleitoral. É por isso
que Lula tem resistido como pode a encarar esses assuntos. Já para a direita,
que vê uma oportunidade concreta de voltar ao poder em 2026, a agenda de Motta
é um sonho.
Aprovar algumas dessas propostas de Motta
ainda neste governo cumpre um duplo objetivo para os adversários do atual
presidente da República. De um lado, joga nas costas de Lula o ônus político de
sancionar medidas que desagradarão a maioria do eleitorado, afetando ainda mais
sua popularidade. E, de quebra, ainda sanciona, nesta legislatura, uma pauta
que exige sempre um grande capital político.
Ao ter subvertido a lógica política de tomar
medidas duras no começo do mandato para ir distribuindo bondades no final, Lula
corre o risco de ter que engolir nos próximos meses um conjunto de proposições
que diminui suas chances de reeleição.
Por outro lado, tudo o que seus adversários
da direita querem é que essa agenda de Motta seja aprovada logo. Assim, caso
saiam vencedores em 2026, eles vão assumir o poder sem o ônus de negociar um
ajuste de gastos muito forte logo após a posse.
Trata-se de um plano bastante maquiavélico, aliás.
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