Valor Econômico
O debate econômico se dá basicamente em torno de problemas fiscais, que podem ter impacto nos próximos anos, mas não afetam hoje o humor e o dia a dia das pessoas
Num certo país infeliz, espalha-se um enorme
pessimismo sobre a economia e, aparentemente, resultados bastante positivos
para a vida real de pobres e ricos são quase ignorados nas análises.
Nesse país infeliz, argumenta-se que a
inflação está incontrolável, mas ela atingiu em média 4,73% ao ano nos dois
últimos anos. Nos quatro anos anteriores, havia alcançado 6,17% ao ano. E a
inflação média atual está abaixo da média dos últimos trinta anos (6,5% ao
ano), desde que foi criada a atual moeda em circulação.
Nesse país, propala-se que o descontentamento advém das classes mais pobres, que estariam sendo fulminadas por uma inusual inflação dos produtos alimentícios. Mas os alimentos subiram 8% no ano passado, menos que a renda das famílias em geral, que cresceu 10%, e muito menos que a renda das famílias mais pobres, que aumentou 19%.
Nesse país mal-humorado, a taxa de desemprego
vem recuando e estava em 6,6% da força de trabalho no primeiro trimestre, em
nível próximo do mais baixo da série histórica para o período. A previsão atual
é de que caia para 5,9% até dezembro. A informalidade no trabalho recuou para
37,9%, taxa situada entre as menores da série histórica iniciada em 2015.
A desigualdade de renda nesse país infeliz,
medida pelo Índice de Gini, foi a mais baixa da história no ano passado. E a
renda per capita domiciliar mensal, a maior desde o início da série histórica,
em 2012.
Nesse país, segundo o Relatório das Nações
Unidas sobre Estado de Insegurança Alimentar no Mundo, o número de pessoas em
situação de fome diminuiu de 17,2 milhões em 2022 para 2,5 milhões em 2023.
Portanto, cerca de 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome de um ano
para outro nesse país infeliz.
O PIB desse país surpreendeu novamente os
pessimistas e cresceu 1,4% no primeiro trimestre, índice superior ao dos países
da OCDE e do G7 - ambos os grupos avançaram minguado 0,1%. O crescimento se dá
a despeito da imposição de uma assombrosa taxa básica de juros, de 14,75% ao
ano, nove pontos percentuais acima da inflação, que desincentiva investimentos.
Essas surpresas do PIB ocorrem desde 2020
nesse país infeliz, quando se projetava recessão de 6,5% e ela foi de 3,3%. Em
2021, a expansão prevista era de 3,4% e a efetivada foi 4,8%. Em 2022,
estimava-se 0,3% e deu 3%. Em 2023, o esperado era 1,4% e deu 2,9%. Em 2024,
previa-se 1,6% e deu 3,4%.
Nesse país, observa-se que os empresários
estariam insatisfeitos, mas os lucros das empresas no primeiro trimestre foram
excepcionais e superaram as expectativas do mercado. O lucro líquido das 387
companhias abertas não financeiras subiu 30,3% no trimestre, para R$ 57
bilhões, e as receitas cresceram 13,9%, para R$ 976,7 bilhões.
Na área financeira, os lucros dos quatro
maiores bancos no primeiro trimestre cresceram em média 7,3% e somaram R$ 28,2
bilhões. Um bancão aumentou seu resultado em 39% na comparação com o mesmo
período do ano passado.
Nesse país pessimista, atingido há décadas
pelo vírus da desindustrialização, a indústria voltou a crescer: 3,1% no ano
passado. Em março, avançou 1,2% sobre fevereiro e 3,1% sobre março de 2024.
Por que, afinal, a bruma pessimista continua
a embaçar toda a economia desse país infeliz? Se prevalecesse a “lei Carville”
(É a economia, estúpido!), cunhada na campanha presidencial de Bill Clinton, em
1992, essa neblina não faria sentido.
Resumindo: nesse país infeliz, a inflação
está abaixo da média nacional dos últimos 30 anos; a renda dos mais pobres
cresce mais que a inflação de alimentos, principal item de consumo nessa faixa
de rendimento; o nível de desemprego é o mais baixo da história; o número de
pessoas em situação de fome caiu 85% em um ano; a desigualdade de renda é a
mais baixa da história, e a renda per capita, a mais alta; o crescimento da
produção surpreende positivamente há cinco anos; a safra de alimentos bate
recorde; o lucro das empresas financeiras e não financeiras aumenta muito mais
que a inflação; a bolsa de valores quebra recordes e rentistas/investidores das
classes média e alta ampliam seus patrimônios com os juros de dois dígitos.
Nesse país infeliz, um partido de oposição
pôs no ar uma peça publicitária engraçadinha dizendo ter saudade de um
ex-presidente porque está tudo “caro”, fazendo rima com o nome do ex. Mas, nos
quatro anos desse governo “saudoso”, a inflação média anual foi de 6,17%,
índice bem maior que o dos dois primeiros anos do governo atual desse país
(4,73%). Os alimentos estariam subindo mais, argumenta-se. Falso. Nos quatro
anos “saudosos”, os alimentos subiram em média 8,24% ao ano. Nos dois do atual
mandato, 4,36% ao ano.
A peça publicitária foi contestada? Que se
saiba, não. O debate econômico se dá basicamente em torno de problemas fiscais,
que podem ter impacto nos próximos anos, mas não afetam hoje o humor e o dia a
dia das pessoas. Ou esse país infeliz tem graves falhas na comunicação ou
talvez sua infelicidade e seu pessimismo não venham da economia, estúpido.
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