quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O descontrole da Abin

Editorial
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O episódio da escuta clandestina de ligações telefônicas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, exige do governo situar o problema no campo mais vasto da reforma do aparelho de informação do Estado. O presidente da República, ao afastar a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ofereceu a reação que lhe cumpria adotar ante a gravidade do problema.

E o fez, por certo, não apenas para aplacar a justa indignação do titular do Poder Judiciário, atingido junto com dois outros ministros do STF. Mas, também, para dar necessária satisfação ao presidente do Senado, Garibaldi Alves, e aos senadores Demóstenes Torres e Tião Viana, alvos também da inconfidência delituosa. Paira, porém, acima de tudo o fato de a violação do sigilo telefônico, uma das afrontas mais perversas ao sistema de garantias da Constituição, colocar em cena questão que há muito desafia a autoridade e a ação do governo.

É tendência dos órgãos munidos do dever de coletar e processar dados úteis à defesa do Estado avançar além das fronteiras próprias estabelecidas para o cumprimento da missão. É a síndrome que acomete a Abin. Não é a primeira vez que o órgão se expõe a indícios graves de irregularidades, até mesmo por suspeita de haver grampeado, não faz muito, telefones de altas autoridades da Presidência da República e ministros de Estado.

Erros e convicções forjados em vertentes radicais de pensamento e ação respondem pela desfiguração da Abin, conforme se pode extrair dos abusos que lhe são atribuídos. E, não raro — para não se admitir algo mais grave —, tais excessos resultam, também, de ignorância sobre sua função institucional. Contra a lógica e o princípio estratégico que legitimaram a criação do organismo como ente jurisdicionado ao Estado, levanta-se ali movimento para transformá-lo em aparelho policial.

Mentalidade rasteira do gênero fomenta condutas incompatíveis com a destinação de um serviço da mais alta relevância para o funcionamento do complexo estatal. Não por outro motivo, as razões ligadas a interesses transitórios da política e a certos conflitos internos na seara do poder têm levado a Abin a ultrapassar os limites da lei. Conclui-se daí, conforme admitiu o próprio Palácio do Planalto, que a agência está fora de controle.

Não basta, porém, anotar o alarmante desvio. É preciso libertar a Abin da subcultura policialesca, talvez resquício ideológico do antigo SNI ainda não sepultado. Cumpre ao governo sujeitá-la a eficiente controle dos serviços de contra-inteligência para acompanhar condutas de agentes e evitar ações à margem das divisas legais. Convém não esquecer que a democracia é o regime da lei. Sem ela, não se chega senão à insegurança coletiva e ao Estado totalitário.

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