quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O tablóide brasileiro


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Aparentemente, há interessados em flagrar as mais altas autoridades do país em atividades pouco recomendáveis, não se sabe com quais propósitos

James Ellroy é um dos grandes escritores do gênero policial noir , autor de Los Angeles, Cidade Proibida, romance adaptado com sucesso ao cinema. Seu nome me veio à memória por causa de outros livros de sua autoria, Tablóide Americano e Seis Mil em Espécie (Editora Record), que misturam a ficção com a história dos Estados Unidos. O assassinato do presidente J. F. Kennedy, em Dallas, marca o final do primeiro romance e o começo do segundo. Ambos desnudam o papel da CIA e do FBI na política norte-americana das décadas de 1960 e 1970.

Conspiração

Grandes eventos e personagens históricos são devassados do ponto de vista de policiais e criminosos, no que o autor classificou de “pesadelo privado da política pública”. O magnata da imprensa Howard Hughes, o todo-poderoso diretor do FBI J. Edgar Hoover e o sindicalista Jimmy Hoffa são algumas das personalidades reais que desfilam nos romances. Ellroy dá nomes aos bois, descrevendo-os como homens de carne e osso, cujos vícios da vida mundana se misturam às atividades públicas. O “grampo” de um diálogo de Kennedy com o cantor Frank Sinatra sobre Marilyn Monroe , por exemplo, é impagável.

Pete Bondurant, um antigo xerife, Kemper Boyd, um agente federal corrupto, e Ward Littell, um ex-seminarista que virou agente do FBI, são os heróis da história. Bisbilhotam a vida alheia com propósitos de chantagear, desmoralizar e intimidar. A fracassada invasão da Baía dos Porcos em Cuba e a crise dos mísseis com a antiga União Soviética, no primeiro romance; a guerra do Vietnã e o tráfico de heroína, no segundo, servem para descrever a ação de políticos, magnatas, artistas, sindicalistas, gêngsteres, policiais e agentes secretos. Narram a conspiração para o assassinato de Kennedy e operação para acobertar os verdadeiros criminosos, desnorteando as investigações.

É incrível como a vida política no Brasil começa a descambar para um terreno que lembra os romances de Ellroy. Banqueiros, advogados, magistrados, parlamentares e autoridades do governo surgem como personagens de escândalos mal explicados. Investigações às vezes fazem muito barulho para não chegar a lugar algum.

Bagunça

Supostamente, arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o serviço secreto do Palácio do Planalto, grampearam os telefones de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o seu presidente, Gilmar Mendes, e o colega Marco Aurélio Mello, além de dois ministros de Estado e cinco senadores da República. Quem o fez, quem mandou? Não se sabe ainda. O que estará por trás de tudo isso? Uma conspiração? Não, simplesmente, o aparelho coercitivo do Estado começa a agir por conta e risco com o propósito aparente de moralizar a vida pública, mas com métodos clandestinos que não justificam tais fins e que podem muito bem servir a outros objetivos.

O certo é que há uma “crise de governança” nas áreas de inteligência e de segurança, que estão uma bagunça: seus agentes e respectivas ações se misturam. Não há certeza de que as escutas ilegais tenham sido patrocinadas pela cúpula da Abin, embora o seu diretor-geral, Paulo Lacerda, ex-diretor da Polícia Federal (PF), que acabou de ser afastado, venha defendendo o restabelecimento e legalização desse tipo de prática na agência. Além disso, os equipamentos de escuta disponíveis — dos mais sofisticados e potentes aos mais simples e primitivos — estão fora de controle, seja nos órgãos de segurança pública, seja no mercado paralelo de espionagem. O jogo bruto no mundo dos negócios e na luta política regional, infelizmente, há muito incorporou a escuta clandestina.

O pior é que agentes públicos que têm legalmente o monopólio da violência, no Ministério Público e até no Judiciário, também começam a exorbitar na utilização da escuta eletrônica e outros recursos de investigação. Veteranos do Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos pilares do regime militar, mantêm ativa a velha “comunidade de informações”. Aparentemente, há interessados em flagrar as mais altas autoridades do país em atividades pouco recomendáveis, não se sabe com quais propósitos. É disso que se trata quando os presidentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Presidência da República são alvos de escutas clandestinas.

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