sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Tanto faz

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


"O PMDB é corrupto? Não mais do que o PT ou o PSDB". Essa frase do senador Pedro Simon, a respeito das acusações feitas por seu colega Jarbas Vasconcellos ao partido de ambos, reflete bem o espírito que tomou conta da política brasileira nos últimos tempos. Identificado com o sentimento mais libertário da política brasileira, o senador Pedro Simon, durante um período, simbolizou o que havia de independente e até mesmo romântico na atividade parlamentar. A frase pode ser interpretada como uma tentativa canhestra de defender a cúpula do PMDB, fortemente atacada por Jarbas, mas pode também refletir um imenso cansaço de ver a deterioração da atividade política.
Sobretudo, porém, lança uma questão para o debate: nosso sistema partidário reflete a sociedade brasileira, ou os seus piores defeitos? A predominância do fisiologismo na política nacional, que tem no PMDB sua mais perfeita tradução, está no cerne dessa discussão sobre disputa de poder.

Os três partidos mais influentes do país - PT e PSDB se revezam na Presidência da República desde 1994 e o PMDB é presença permanente em todos os governos - se confundem nos métodos de fazer política, embora os dois primeiros tenham marcas ideológicas mais fortes, enquanto o PMDB se caracteriza pela falta completa de ideologia, dedicando-se exclusivamente à conquista do poder e seu usufruto.

Mas foi-se o tempo em que o PSDB era uma dissidência do PMDB por questões éticas, e também está longe o tempo em que o PT podia ser identificado como um partido diferente dos outros, representante da ética na política.

O sistema de coalizão política em que está montado o presidencialismo brasileiro, e as regras eleitorais que favorecem uma grande fragmentação partidária, forçosamente criam governos que precisam se apoiar em partidos que nada têm a ver com um suposto programa de governo que teria saído vencedor das urnas.

Muitas vezes, o partido oposicionista adere ao vencedor não por aceitar seus princípios, mas por aceitar cargos e exercer o poder para mudar os seus. Um caso emblemático no atual governo é o do ministro da Integração Nacional, o baiano Geddel Vieira Lima, que, de principal opositor da transposição do Rio São Francisco, passou a seu maior defensor ao receber o ministério.

Outras vezes, o governo cede ao poder do partido que lhe oferece apoio, como foi obrigado o próprio presidente Lula, que rejeitara o PMDB em seu primeiro Ministério, por considerá-lo fora dos princípios éticos que regeria seu governo, e depois do mensalão teve que engoli-lo goela abaixo em busca do que se convencionou chamar no Brasil de "governabilidade", que tudo justifica

A cooptação de parte do PMDB em troca de feudos no governo foi praticada no governo de Fernando Henrique Cardoso e, como outras práticas, foi absorvida tão completamente pelo governo Lula que este acabou superando o antecessor, radicalizando a prática até levar para dentro do seu segundo governo todas as alas do partido, compensando-as com fartos pedaços do poder, para ciúmes do PT.

O caso do abuso de poder do governo federal, antecipando a campanha eleitoral na tentativa de viabilizar a ministra Dilma Rousseff, é exemplar dessa maneira permissiva de fazer política.

E o anúncio da Sabesp em rede nacional, a pretexto de patrocinar uma programação de verão que extrapola o território paulista onde atua, é também fruto dessa falta de institucionalidade com que é feita a política brasileira.

Um dos maiores males que o presidente Lula fez à política partidária brasileira, e por consequência à democracia, foi usar todo o seu prestígio pessoal para proteger seus aliados, sejam eles de que partido forem, tenham feito eles o que for de errado.

A partir do mensalão, Lula defendeu em público rigorosamente todos os políticos amigos, fossem eles Severino Cavalcanti, Renan Calheiros, ou seus "companheiros" petistas.

O PSDB, em vez de se contrapor a essa maneira mesquinha e retrógrada de fazer política, vai pelo mesmo caminho. Quando o senador Eduardo Azeredo foi acusado de ter sido o iniciador dos esquemas fraudulentos do lobista Marcos Valério na disputa pelo governo de Minas em 1998, o partido recusou-se a enfrentar o assunto, dando margem até mesmo a que o PT espalhasse a versão de que a campanha tucana havia sido o embrião do mensalão.

A distinção entre uso de caixa dois, que aconteceu na campanha de Azeredo, e a compra sistemática de votos, que foi a evolução do esquema para o mensalão petista, é sutil demais para o grande público, e o partido deveria ter assumido desde logo uma atitude crítica severa.

Hoje, o senador Eduardo Azeredo é indicado pelo partido para presidir a Comissão de Relações Exteriores do Senado, cargo para o qual está qualificado pessoalmente, mas não politicamente.

O partido está assumindo a mesma atitude de proteção dos companheiros com relação ao ex-governador da Paraíba, cassado por unanimidade pelo TSE por abuso do poder econômico na campanha de 2006.

O governador, certamente para competir com o Bolsa Família, saiu distribuindo 35 mil cheques para os eleitores e, como ressaltou o ministro Eros Grau, uma das testemunhas disse que recebeu um cheque com uma mensagem: "Esse é um presente do governador, lembre-se dele. Com os cumprimentos, Cássio Cunha Lima, governador".

As provas são irrefutáveis, mas o PSDB acha que deve defender seu cacique, especialmente os potenciais candidatos Aécio Neves e José Serra, que estarão disputando os votos tucanos em uma prévia eleitoral.

E assim vamos vivendo da pequena política, e o PMDB tanto pode fazer parte de um governo tucano quanto de um petista. Tanto faz.

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