segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Obra quase perfeita

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


"Pobre Mercadante: até para sair da liderança tem que pedir autorização ao Lula..." - Deputado Fernando Gabeira (PV-RJ)

Em que data o PT morreu? Não falo deste PT que abana o rabo e faz todas as vontades do seu único dono. Falo daquele que um dia se imaginou o partido mais ético e movido à indignação jamais surgido na história do País. Pois um sapo barbudo ingeriu, deglutiu e obrou o PT que se levava rigorosamente a sério. O sapo barbudo você sabe quem é.

Dá-se por certo que o PT abandonou seus valores e princípios originais depois de subir a rampa do Palácio do Planalto. Que nada! Para escalá-la, ele os abandonara um pouco antes. Mais exatamente na eleição de 1998, a terceira consecutiva perdida por Lula. Na campanha daquele ano, quase todos os escrúpulos foram mandados às favas.

Na seguinte, Lula avisou com antecedência: ou o PT adotava sem vacilação os métodos utilizados pelos outros partidos para ganhar eleições – e uma vez que as ganhasse governar – ou ele não seria mais candidato. Ali nasceu a desculpa que serviria para justificar mais adiante qualquer malfeitoria do PT: “Mas se os outros fazem...”

O apoio do PL a Lula em 2002, por exemplo, custou a bagatela de pouco mais de R$ 6 milhões. Refestelados no terraço de um apartamento de Brasília, Lula e seu futuro vice José Alencar acompanharam o arremate do negócio discutido dentro de um quarto por José Dirceu, Delúbio Soares e o presidente do PL. Não era assim que se fazia?

Mais tarde, o escândalo do pagamento de propinas para que deputados federais trocassem de partido e votassem como mandava o governo apenas escancarou o que se praticava até então às escondidas. Certa vez, um dos cérebros do mensalão, o publicitário mineiro Marcos Valério, primeiro ameaçou contar tudo, depois pediu ajuda.

Estava com os bens bloqueados. Respondia a processos. Precisava de uma grana. Um senador se ofereceu para fazer a ponte entre Valério e Lula. ‘Você procurou Okamotto?’ – perguntou Lula ao senador depois de olhar em silêncio a paisagem árida do cerrado recortada nas janelas do seu gabinete no Palácio do Planalto.

Okamotto é o atual presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Fundador do PT, amigo de Lula, cuidava da contabilidade da família Silva e pagou do próprio bolso ao partido uma dívida de Lula não reconhecida por ele. Okamotto é madeira que cupim não rói. Se ele socorreu Valério? Não sei.

Sei que a um ano e quatro meses do fim do seu governo, Lula pode bater no peito com orgulho e proclamar sem medo do ridículo: “Eu sou um sucesso”. Estão aí as pesquisas que não o deixam mentir. Lula sairá do Palácio para entrar na História como um dos três presidentes mais queridos pelos brasileiros, ao lado de Getúlio e Juscelino.

Mas que preço foi pago por isso? E quem o pagou? O PT certamente, que se transformou em uma caricatura mal desenhada do que já foi um dia. Suas estrelas mais reluzentes perderam o brilho – José Dirceu, Antonio Palocci, José Genoino, Luiz Gushiken. Outras sumiram pelo ralo. Afinal, quem dentro do PT ousa contrariar Lula?

Aquele que tentou mais recentemente foi humilhado e forçado a revogar o irrrevogável. Entre preservar a própria biografia e se arriscar a ver o partido lhe negar a chance de disputar a reeleição, Aloizio “Mercadejante” preferiu a derrota antecipada. Virou a mais recente Geni da praça. Todo mundo lhe joga pedras. Deve fazer algum sentido para ele.

As instituições também pagaram um preço alto pelo sucesso de Lula. Promovido à semideus, ele contribuiu para aumentar o descrédito dos partidos e desmoralizar o Congresso. A crise do Senado foi do Senado, depois foi do Sarney e por fim é de Lula. Em larga medida, a política deixou de estar a serviço do bem público. Foi privatizada.

Para completar sua obra, Lula só precisa eleger Dilma. Se conseguir, deixará aberto o caminho para voltar ao poder. Não acredite se ele disser: “Presidente, nunca mais”. Dilma será um intervalo entre Lula e Lula.

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